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1982
Antônio Contini

O HOMEM QUE ERGUEU A CAPITAL DO NORTÃO
Em um momento que a população demonstrava incerteza sobre o futuro da cidade, ele ergueu uma placa com os dizerem ‘Sinop a Capital do Nortão’, afastando de vez a alcunha de ‘Sapolândia’. O impacto moral vem acompanhado da ligação da rede de energia elétrica e uma série de grandes obras públicas que fizeram os interioranos sentirem que poderiam ser uma capital. Esse foi um dos feitos de Antônio Contini, o cidadão que ficou conhecido como o “Prefeito das Obras de Sinop”
A história de Antônio Contini começa na “capital da uva fina” do Paraná. Em Marialva, do ladinho de Maringá, nascia em 20 de agosto de 1953 o primeiro filho de Santo Contini e Iracema Mizzani. Assim que se recupera do parto, a mãe pega o cordão umbilical e enterra debaixo da casa, pedindo para que seu filho se tornasse um construtor. A profecia estava lançada.
Nessa época não se produziam uvas em Marialva. A única coisa roxa que tinha era a terra, ideal para o plantio de cafezais. Era desse grão que desperta que Santo e Iracema tiravam seu sustento. Sempre em busca de uma terra maior para produzir, em 1961, o casal se muda para Alto Paraná, deixando o pequeno Toninho com os avós. Um ano depois, em 1962, Santo mudou para Cianorte, onde começou a trabalhar com o beneficiamento de café e de arroz, em uma empreita mais urbana que rural.
Contini tinha 9 anos de idade quando se juntou aos seus pais em Cianorte – nome que deriva de Companhia de Melhoramentos do Norte do Paraná. É do período que viveu na “capital do vestuário” que vem as primeiras memórias de infância de Contini, amizades que considerou eternas e a sensação de pertencimento a um lugar. Durante toda sua vida ele dizia ter amor por duas cidades e que ambas tinham o nome da empresa que promoveu a colonização.
Aos 14 anos de idade, em 1968, o jovem foi para Ponta Grossa (PR) estudar em uma escola agrícola. Dois anos depois, voltou com o diploma de técnico na área. “Era um rapaz bonito, passeador, namorador, sempre cercado de amigos. Com 18 anos, ele já participava de campanhas políticas na cidade, de outros candidatos, graças à sua popularidade. Nossa mãe era muito ligada em política, sempre acompanhando as notícias e discutindo os assuntos em casa”, conta Evanilde, irmã de Antônio Contini.
Em 1970, Contini começou a cursar Engenharia Química em Maringá. Largou a faculdade após dois anos para fazer Engenharia Civil em Curitiba. Era tão bom aluno que foi chamado para fazer estágio no Departamento de Estradas do Estado do Paraná, onde trabalhou por 4 anos antes mesmo de se formar. Nessa época, o Departamento contava com grandes especialistas em pavimentação, contratados para executar inúmeras obras que deram ao Estado a infraestrutura necessária para crescer. Contini chegou a assinar a publicação científica de um estudo elaborado nessa época sobre pavimento TSS (Tratamento Superficial Simples), que por anos serviu de orientação aos profissionais que executavam obras de asfalto Brasil a fora.
Em setembro de 1978, faltando meses para concluir sua formação e se sagrar como engenheiro, Contini tranca a sua matrícula na faculdade. A decisão quase causa uma desavença familiar. Santo não aceitava ver seu filho largando os estudos tão perto de concluí-los. Contini, por sua vez, estava determinado que acompanharia seu pai na empreita para o Mato Grosso. “Meu pai olhou para mim e disse: ‘tá bom! Então a partir de agora não sou mais eu que cuido dessa família’. A responsabilidade é sua”, contou Contini em uma entrevista concedida no ano de 2020.
Quando Contini decide trancar o curso, Santo havia comprado 3 áreas de terra na região do que mais tarde seria Guarantã do Norte – o que soava como a materialização do sonho de ter um grande cafezal. Contini queria fazer parte dessa conquista, por isso largou a faculdade. “Quando construíram a usina de Itaipu, o enchimento do lago mudou muito o clima na região, o que comprometeu a produção de café. Depois de duas safras ruins, o pai viu uma propaganda da Colonizadora Sinop, que era de Maringá, falando das cidades abertas no Norte de Mato Grosso e decidiu apostar nessa região”, explica Evanilde.
Santo veio para Mato Grosso iniciar a abertura da sua propriedade em 1979. A partir de Sinop, o que havia era um corredor de terra, em meio a floresta, por mais de 220 quilômetros, com não mais que 10 propriedades rurais ativas ao longo do trecho com gente morando. Contini fica no Paraná tocando os negócios da família, até que a empreita em Guarantã do Norte fosse estabelecida. Depois de um ano, Contini recruta trabalhadores para trazer para o Mato Grosso. Em um caminhão candango, ele embarca 28 pessoas e ruma para o Nortão seguido por outros 3 caminhões com as mudanças das famílias. No dia 10 de agosto de 1980, Contini aponta com a comitiva na BR-163, chegando em Guarantã do Norte e vê seu pai sobre a pista, arremessando o chapéu para cima, em uma expressão de felicidade por rever o filho. “Eu nunca vou me esquecer dessa cena”, disse Contini.
Com a mão de obra arrebanhada, pai e filho começam a converter 500 hectares de terra em um cafezal. São abertas 200 mil covas para receber as mudas. Enquanto os pés de café crescem, Santo monta uma cerealista para beneficiar arroz, abastecendo a região com o grão. Ele também montou uma serraria.
Finalmente, a família tinha terra em abundância para produzir café. Mas faltou gente. Rapidamente, os 28 trabalhadores que Contini trouxe para o Norte foram pedindo demissão. Quando contratava um novo, este ficava 30 dias e pedia as contas. A escassa mão de obra do Norte de Mato Grosso acabou sendo surripiada pela febre do ouro. Nessa época, eclodiu o garimpo em Peixoto do Azevedo, que ficava a menos de 30 quilômetros de distância. A diária de um garimpeiro não ficava por menos de uma grama de ouro – preço que a agricultura não conseguia cobrir, muito menos a indústria madeireira. Estima-se que, entre 1980 e 1990, cerca de 10% de todo o ouro minerado no Brasil tenha saído de Peixoto de Azevedo. Contini mesmo foi garimpar por um tempo, montando uma balsa para extração de ouro no rio. “Toninho saía do Paraná com o Fusca lotado de Cloroquina para tratar os garimpeiros com Malária. Ele e meu pai faziam a aplicação na veia para tentar salvar os doentes. Não havia hospital”, comenta Evanilde.
Na pequena sociedade que começava a se formar, pai e filho se envolviam. Eles participaram ativamente na implantação do primeiro cemitério de Guarantã do Norte. Aliás, na própria escolha desse nome, Contini se fez presente. Na reunião realizada para definir como aquela localidade se chamaria, Contini defendeu a homenagem à árvore abundante na região, de boa madeira, o Guarantã.
Até então, só Santo e seu filho estavam em Mato Grosso. O restante da família continuava no Paraná. Em fevereiro de 1982 eles compram uma casa em Sinop, na Rua das Primaveras, esquina com a Avenida dos Tarumãs. Essa seria a residência para a mãe e a irmã morarem. “Não tinha telefone. A gente precisava andar 720 quilômetros até Cuiabá para fazer uma ligação e falar com a família no Paraná”, contou Contini. “No Paraná o pai tinha um Opala Comodoro, eu e o Toninho tínhamos um Fiat 147. O pai fez a gente vender porque no Norte de Mato Grosso só tinha mecânico que sabia mexer em Fusca”, narra Evanilde.
A casa em Sinop serviu como um ponto de apoio, mas os negócios continuavam em Guarantã. A residência era bem estruturada e aconchegante com um belo aparelho de televisão na sala. Em março de 1982, quando a Seleção Brasileira se preparava para a Copa do Mundo na Espanha, foi realizado um jogo amistoso contra a Alemanha Ocidental. A filha dos vizinhos, que morava no outro lado da rua, pediu para assistir a partida. Quando o Brasil marcou o primeiro e único gol da partida, a jovem derramou uma lágrima. Iracema olhou para ela e disse: ‘Não fica triste não. Eu tenho um filho lindo, vou te apresentar e você vai casar com ele’”.
A jovem triste com a derrota da Alemanha era Ellen Schneider. Ela nasceu em 16 de setembro de 1959, em Apucarana (PR). Quando tinha 4 anos de idade, seus pais se mudaram para a Alemanha Ocidental. Seu pai, Helmuth Schneider, havia morado no país anos antes, se formando Pastor da Igreja Adventista da Renovação e retornando ao Brasil para fazer missões religiosas. Em 1964, ele viaja para visitar a família na Europa e quando chega é surpreendido com a notícia de que havia sido deflagrado um Golpe Militar no Brasil. Mediante a notícia, seu regresso fica prejudicado e ele se estabelece com a família na Alemanha.
Helmuth se forma em fisioterapia e com a esposa abre uma clínica. Ellen também se forma na área. As coisas iam bem no velho continente. Ellen era uma jovem sorridente, que gostava de fazer caminhadas e de viajar. Prodígio intelectual, com 16 anos ela já tinha carteira de motorista e havia passado para a faculdade, tendo que esperar fazer 18 anos para cursar.
Em 1981, o pai de Helmuth, que já era um viúvo, diz que vai se estabelecer em Sinop. Filho único, Helmuth decide que vai retornar para o Brasil para ficar próximo do pai. Ele pede para que compre 200 alqueires de terra que pretendia voltar a plantar. E assim, em 1981, a família deixa a Alemanha com destino a Sinop, se estabelecendo bem na frente dos Contini.
A profecia de Iracema se concretiza. Assim que Antônio conhece Ellen, os dois se enamoram e se enlaçam. Na época, Contini tinha 29 anos e Ellen 23. Sentindo que havia encontrado sua metade, Contini conversa com sua amada sobre a possibilidade de casarem. “Ellen então diz que se casaria comigo se eu viesse em definitivo para Sinop, porque se eu continuasse em Guarantã iria acabar virando garimpeiro e ela temia a violência do garimpo. Essa foi a única coisa que ela me pediu em toda a vida”, comentou Contini na entrevista concedida em 2020.
Então, Santo fica em Guarantã tocando os negócios e Contini se estabelece em Sinop. Sem saber ao certo o que iria fazer da vida, ele faz uma visita ao seu amigo, Irineu Moraes. Contini chegou dirigindo um bom caminhão, uma F-4000, que seu amigo pediu para dar uma volta, sozinho. Quando Irineu voltou estava sem o veículo, dizendo para Contini que agora ele tinha uma “pica-pau”, nos fundos da Retífica Rey.
O bom amigo havia negociado a F-4000 por uma serraria para Contini trabalhar. Com o empurrão, o quase engenheiro encontrou uma nova profissão, que sustentou sua família por anos. Uma pica-pau daquele porte, na regra, serra cerca de 50 metros cúbicos de madeira por mês. Mas Contini era fuçador, uma espécie de Professor Pardal, criando coisas e adaptando o maquinário. Com seus ajustes, a serraria passou a produzir 120 metros cúbicos de madeira por mês, que eram vendidas para uma empresa no Guarujá (SP).
E assim sobrou dinheiro para casar. Em 10 de julho de 1983, Contini e Ellen se unem oficialmente, no que foi a primeira festa de matrimônio realizada no Restaurante O Colonial. Em 21 de setembro de 1983, nasce André, o primeiro filho do casal. Um ano depois, em 23 de setembro de 1984, nasce Estevan, e em 28 de julho de 1987, a caçula Marina.
Enquanto a família crescia, Contini continuava se dedicando à madeireira ao mesmo tempo ocupa espaços dentro da sociedade de Sinop. Seu carisma e lealdade fazem com que o madeireiro tenha um grande círculo de amigos, que o estimam e respeitam. Um desses amigos foi Sebastião de Matos, que na sua campanha para deputado pediu e recebeu a ajuda de Contini. Ao longo do pleito, acabou se aproximando de Paulo Abreu, que era diretor da Acrinorte (Associação dos Criadores do Norte de Mato Grosso). Em 1986, o presidente militar, general João Batista Figueiredo, já havia deixado o cargo para um civil, mas Sinop concedeu um título de cidadão, em reconhecimento pelo trabalho do ex-presidente para a cidade – com a instalação do sistema de telefonia e televisão e a pavimentação da BR-163. O desejo das lideranças locais era que o ex-presidente retornasse mais uma vez para Sinop, a fim de receber a homenagem. Contini se oferece para ajudar a levantar recursos para pagar a passagem aérea de Figueiredo e também para colaborar com a organização da recepção. “Meu pai era uma pessoa que incomodava para ajudar. Ele fazia questão de dar a sua participação nas coisas que aconteciam em Sinop. Com o seu jeito, ele acabava unindo as pessoas”, comenta André.
Com a confirmação da presença de Figueiredo, as lideranças decidem fazer um jantar no Restaurante O Colonial – que originalmente foi construído para que a cidade tivesse um local para receber autoridades após a primeira visita de Figueiredo, em 1980. Contini sugeriu que a Acrinorte encampasse o evento, como uma forma de arrecadar recursos para a construção do seu Parque de Exposição. Mas a Câmara, que iria entregar o título, reivindicou metade do evento. Assim, como a lotação máxima do espaço era para 400 pessoas, a Câmara ficou com 200 lugares e os outros 200 com a Acrinorte.
Os pecuaristas trataram de fazer dinheiro. Tinha muita gente em Sinop querendo estar perto de Figueiredo mais uma vez. A associação vende os ingressos por um alto preço, o equivalente a R$ 2 mil nos dias de hoje, por pessoa. A Câmara distribuiu para os seus. Na hora do jantar, quem cuidou da bilheteria foi um membro da Acrinorte, e um político de ocasião tentou dar uma carteirada para conseguir passar alguns amigos. Entre os barrados, estava o então secretário da Acrinorte, que desgostoso saiu do Colonial e foi até a sede da associação, esvaziando suas gavetas e deixando o escritório quase pelado.
A confusão no jantar presidencial acabou abrindo duas portas para Contini. Paulo Abreu nomeou o madeireiro como secretário-geral da Acrinorte, em 1986. E a rixa das “autoridades” o empurrou para dentro de um grupo político.
Dois anos depois, em 1988, Sinop elege Adenir Alves Barbosa como prefeito e o mesmo grupo indica Contini para ser o Secretário de Obras. Ele inicia no cargo público em janeiro de 1989, e no seu 4º dia de trabalho, resolve um atoleiro na Avenida Júlio Campos, a principal da cidade. Ao terminar a intervenção cotidiana, Contini é aplaudido pelas pessoas que estão na rua. Nesse momento ele percebe que, mesmo com um trabalho simples, era possível melhorar a vida dos cidadãos, que só queriam ver Sinop bem.
Toda a experiência em pavimentação que obteve nos anos de faculdade e de estágio, Contini trouxe para a Secretaria de Obras de Sinop. É nesse momento que começa a ser montada a lendária equipe de asfalto da Prefeitura, que por muitos anos foi o melhor time de profissionais nesse tipo de obra. Contini conta que não havia sequer um teodolito na Secretaria e que a cidade era tão plana que era impossível ver os declives “a olho”. Para saber qual deveria ser o sentido da obra de drenagem, o secretário pedia para que o patroleiro raspasse uma canaleta rasa na pista e então jogava uma bolinha de isopor. O lado que a bolinha seguisse determinava o curso da vala que escoaria as águas da chuva. “O pai tinha uma teimosia em fazer dar certo as coisas; mesmo com todas as dificuldades e empecilhos, ele não desistia”, conta Estevan.
A equipe de secretários que Adenir formou foi conhecida pela sua qualidade e dedicação, tanto que fizeram o gestor ter um alto índice de aprovação junto à população. Na pasta de Obras, Contini capitaneou os maiores feitos da época, como a implementação do Parque Florestal, da Praça Plínio Callegaro e a demarcação do cemitério municipal. “O pai trabalhava demais. A gente mal o via em casa durante a semana. Sinop tinha muitos problemas de acesso, com os atoleiros e buracos durante as chuvas. Ele levantava cedo, e às 5 horas da manhã já estava com as equipes na rua”, comenta André.
Com o bom desempenho da gestão era natural que alguém do time de Adenir se apresentasse como possível novo prefeito. Desde o dia que foi convidado, Contini disse que trabalharia para o grupo, mas que queria ter liberdade para galgar postos maiores caso surgisse a oportunidade. Não é que ele almejava a carreira política. Foi apenas um “estalo” que teve na época, quase uma antevisão. “O pai sempre foi uma liderança, mas também sempre teve lealdade. Ele não voltava atrás com a palavra, não traía os amigos nem deixava ninguém no meio do caminho”, explica Estevan.
Por volta de março de 1992, Contini chega em casa e fala para sua esposa Ellen que vai ser o prefeito de Sinop. Ele entrega seu cargo na Prefeitura e constrói o seu grupo político para o projeto. Para ser seu vice, chama José Pedro Serafini, o radialista e vereador mais popular da época. O santinho de campanha anunciava a dobradinha: Toninho e Pedrinho para Prefeitura de Sinop.
Contini mobiliza toda a família para trabalhar na campanha. Seu sogro, Helmuth, foi concorrer a vereador para puxar voto. O candidato faz fotocópias do mapa de Sinop e entrega para sua equipe, que deveria visitar casa por casa e pintar quais foram abordadas. Do outro lado da disputa para prefeitura estava seu amigo, o ex-diretor da Acrinorte, Paulo Abreu. Enquanto o Brasil discutia o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, Contini faz em Sinop uma campanha relativamente tranquila, vencendo com 78% dos votos válidos. Essa foi a última eleição com o voto impresso na cidade.
Após vencer as eleições, Contini viaja com a esposa e filhos para sua querida Cianorte, a fim de compartilhar o feito com a sua família, em uma grande festa. Mais do que uma visita de auto-afago, Contini queria buscar inspiração para como deveria conduzir seu mandato de prefeito. Ele achou que passando um tempo onde cresceu perceberia as coisas que foram importantes na sua trajetória e poderia promover o mesmo em Sinop. A primeira lição veio de onde menos esperava. Era por volta das 5 horas da manhã. Contini dirigia seu carro, com os três filhos no banco de trás, quando parou em um semáforo, daqueles demorados, de 4 tempos. Não havia qualquer movimento na rua, então decidiu avançar o sinal. Assim que furou o sinal vermelho foi severamente repreendido pelos seus 3 filhos. “Não fui eu quem ensinou isso para meus filhos. Eles aprenderam que não pode furar o sinal na escola. Percebi naquele momento que o melhor que eu poderia fazer por Sinop era trabalhar para a formação das crianças. E também entendi que era preciso ser correto o tempo todo, mesmo que ninguém estivesse vendo”, comentou Contini em sua entrevista em 2020.
Dois dias depois, Contini participou de uma grande confraternização com os familiares. Como ele dizia, toda família italiana grande tem uma tia solteirona. Em dado momento, a solteirona da sua família chega carregando dois punhados de comprimidos, um em cada mão. Eram os remédios que seus avós tomavam. Contini faz perguntas e descobre que toda a aposentadoria do casal é consumida pelos medicamentos e que todas as outras despesas são pagas graças aos dois imóveis de aluguel que os velhinhos tinham. “Se para minha família estava difícil, imagina para quem era mais desamparado. Entendi então que o melhor que eu poderia fazer como prefeito de Sinop era cuidar das crianças e dos idosos”, comentou Contini.
Quando o novo prefeito assumiu, em 1º de janeiro de 1993, Collor já não era mais o presidente. Sinop tinha 46 mil habitantes e crescendo na casa dos 10% ao ano. Ellen foi para a Secretaria de Assistência Social com a missão de encampar os projetos que atenderam as prioridades vislumbradas por Contini: cuidar das crianças e dos idosos.
Na pasta, a primeira-dama monta uma padaria popular, fabricando pães para famílias carentes, e uma fábrica de fraldas descartáveis. A merenda, que era toda enlatada, é substituída por comida fresca, comprada de pequenos produtores locais. Ellen também é crucial na implantação do Projeto Guarda Mirim, que recrutava estudantes para ter atividades no contraturno da escola, seja vinculada ao comércio, esportes ou na horta comunitária. As famílias dessas crianças na Guarda recebiam 20% de um salário mínimo, e toda sexta-feira os guardas mirins voltavam para casa com uma cesta de legumes e verduras.
Nesse período passaram pelas escolinhas de esporte do município 4 mil alunos – quase 10% da população local. Contini conseguiu articular politicamente para trazer o CAIC (Centro de Atenção Integral a Criança e ao Adolescente), que estava previsto para ser construído em Campo Grande (MS). Junto ao presidente Itamar Franco, o prefeito mobilizou o Governo Federal para iniciar as obras da sede da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), que foram concomitantes à construção do CAIC. Ainda no campo da educação, viabilizou a construção da sede da UNEMAT (Universidade Estadual de Mato Grosso). A estrutura contava com 5 mil metros quadrados de área construída, incluindo 26 salas de aula e um anfiteatro.
Essa foi a última obra inaugurada por Contini e aquela da qual mais se orgulha. Mas está longe de ser uma mosca perdida em um grande panela de sopa. Ao longo dos 4 anos da sua gestão, Contini inaugurou 54 obras e deixou outras 16 em andamento. A cada mês tinha algo sendo inaugurado – às vezes, muito grande.
No seu primeiro ano, Contini viabilizou a construção do Estádio Municipal Gigante do Norte. A obra, executada em um período de 90 dias, movimentou 13 mil caçambas de terra. O lar do Sinop FC foi entregue em setembro de 1993, sendo palco de grandes competições esportivas e eventos culturais. “Eu sempre quis aumentar a autoestima das pessoas de Sinop, que elas sentissem o mesmo orgulho que eu tenho da cidade. Nessa época, colocamos na entrada da cidade uma placa enorme escrito: Sinop, a Capital do Nortão. Era pretencioso na época, já que Alta Floresta era uma cidade maior, mas foi assim que Sinop acabou ficando conhecida”, revelou Contini na mesma entrevista.
Foi durante o mandato de Contini que Sinop deixou a era do diesel. Em 1994, o linhão de energia elétrica chegava à cidade, aposentando os velhos geradores que a Rede Cemat trouxe do Vietnã. Com energia em abundância, a indústria madeireira podia deslanchar e o município se tornava mais atrativo para novas empresas. Contini estabelece então o primeiro Distrito Industrial de Sinop, que direcionava terrenos públicos para empresas privadas, com o propósito de gerar emprego e renda. Embora controverso e alvo de uma discussão que se estendeu por 13 anos, o Distrito acabou sendo a base de instalação de várias empresas.
Nessa época, Sinop tinha 550 madeireiras cadastradas. Com as não registradas, beirava mil. Em determinadas épocas do ano, as pessoas passavam dias sem conseguir ver o céu, tamanha quantidade de fumaça emitida pelas madeireiras com a queima do pó de serra. Contini sabia que aquele ar não fazia bem para as crianças e idosos, que lotavam os postos de saúde no período das secas. Em uma manobra astuta, resolveu a questão sem arcar com o prejuízo político de confrontar os donos das indústrias que bancavam a economia local. “Meu pai foi até o promotor de justiça da cidade e pediu para que o Ministério Público intimasse as madeireiras para não queimar os resíduos no período das secas. Dessa forma, as serrarias pararam com as queimadas e, quando os donos das empresas recorriam na Prefeitura, meu pai apenas dizia que era uma decisão do Ministério Público, que não poderia fazer nada”, conta Estevan.
Com um ar mais respirável para todos, Contini seguiu sua gestão, abrindo as primeiras unidades com atendimento SUS da cidade, incluindo o Centro Dom Aquino, que atendia pacientes acidentados, em grande parte da própria indústria madeireira, que precisavam de fisioterapia e próteses. Foi também no seu mandato que constrói a primeira sede do Clube dos Idosos e implantou o Tiro de Guerra de Sinop. “Os motoristas de ônibus traziam as crianças do interior e ficavam esperando até fazer o trajeto de volta. Eu os coloquei para fazer nesse intervalo o transporte dos idosos. Foi uma medida simples, que custou o que? Uns 200 litros de diesel a mais no mês? O motorista estava pago, o ônibus estava ali, então nada melhor que colocar para servir a população”, contou Contini.
O quase engenheiro civil também fez asfalto. No seu mandato iniciou a pavimentação da Avenida dos Tarumãs. A obra parou uma quadra antes de chegar até a casa de Contini. Ele não queria que a população pensasse que aquela obra era para seu benefício. O slogan da sua gestão era “A Marca do Trabalho”, mas Contini acabou sendo chamado de “O Prefeito das Obras”, título que perdurou por pelo menos mais 10 anos depois que deixou a prefeitura, contaminando os gestores que vieram na sequência, estabelecendo um referencial de comparação.
No final de 1995, uma forte crise recaiu sobre o setor produtivo. Tanto a agricultura como a pecuária sofreram a ponto de beirar a falência. O setor madeireiro foi especialmente comprometido. Contini conta que nesse período o dinheiro simplesmente “desapareceu” de Sinop. A cidade virou um grande depósito de madeiras empilhadas nos pátios das serrarias. Metros cúbicos viraram a moeda corrente, com contas sendo pagas na oficina, no supermercado e no posto de combustível com notas de madeira. A falta de liquidez na economia local refletiu nos cofres da Prefeitura. No final do seu mandato, em 1996, Contini não tinha mais dinheiro para terminar as obras. Ao menos, após as eleições, conseguiu colocar em dia os salários dos servidores municipais.
Como não havia possibilidade de reeleição, Contini repristinou sua história, lançando seu secretário de Obras, Mauri Rodrigues de Lima, como candidato. No embate, o ex-chefe dos dois levou a melhor. Adenir voltou a ser eleito prefeito de Sinop naquele ano, com a cidade registrando uma população de 68 mil habitantes.
Fora da prefeitura, mas nunca da política
Quando entrega a cadeira de prefeito, Contini vai se dedicar em tempo integral à sua empresa, a Crismetal, que abriu em 1993 voltada para o segmento de construção de estruturas metálicas. O empresário sempre acreditou que a madeira era uma atividade com prazo de validade – extremamente importante na abertura e formação de novas regiões, mas com um ciclo curto de duração. Por isso, tratou de construir com aço.
De quando em quando, sua rotina de empresário era interrompida pela atividade política. Contini nunca deixou de ser uma figura recorrente no cenário. Participava das discussões, e com o passar dos anos acabou sendo uma espécie de conselheiro obrigatório para quem pretendia se candidatar. Em 1998, ele foi provocado para ser vice-governador, na chapa encabeçada por Dante de Oliveira. Recusou. Então, recebeu quase que uma intimação para ser candidato a deputado federal. Declinou novamente. Contini respondia mais de 100 processos do período que foi prefeito – nenhum por improbidade administrativa ou malversação do dinheiro público, fato do qual se orgulhava. No entanto, acreditava que, em dado momento, alguns desses processos poderiam interromper sua atividade política e ele não queria correr o risco de cometer um estelionato eleitoral, pedindo o voto dos eleitores sem a certeza que poderia honrar com o cargo e a confiança depositada. Se fosse eleito para algo, Contini trabalharia até o fim do mandato. Na dúvida, escolheu não se candidatar mais.
No começo do ano 2000, o empresário lê em uma reportagem que o avanço da produção agrícola exigiria uma grande demanda por armazenagem, o que mudaria o mercado do aço no estado. Não haviam fornecedores do metal ao Norte de Cuiabá. Observando a lacuna, Contini funda a Açometal, que toca em paralelo com a Crismetal por dois anos. O empresário percebeu que uma empresa canibalizava a outra. Ao vender aço com uma empresa e construir com outra, Contini gerava um conflito comercial com outras construtoras concorrentes. Em 2002, ele fecha a Crismetal para focar na Açometal. Nesse mesmo ano, Santo Contini morre, acometido por insuficiência cardíaca e é sepultado em Sinop.
Dentro da empresa, Contini deixava aflorar seu lado inventor. Ele projetava máquinas e implementos que otimizavam o trabalho. Sua empresa também foi pioneira na fabricação das telhas termoacústicas, que uniam uma chapa de aço frisada a uma camada de isopor, produzindo um material construtivo resistente, com propriedades isolantes, que reduzia significativamente o consumo de energia elétrica com ar condicionado. Muitas casas, barracões e indústrias de Sinop têm em sua cobertura as telhas da Açometal. A iniciativa rendeu à empresa um Prêmio Centro-Oeste de Inovação.
Contini viajava pelo Brasil e em outros países sempre buscando formas de aprimorar seu negócio. Em 2004, abre uma segunda unidade em Tangará da Serra – que acabou fechando anos depois – e um Centro de Distribuição em Rondonópolis.
Em 2005, a caçula Marina, com 18 anos de idade, começa a trabalhar na Açometal. Inicia de baixo, fazendo as funções mais simples da empresa até se formar em Administração na UNEMAT e assumir funções mais determinantes. “Tenho orgulho de ter estudado na faculdade que meu pai construiu”, comenta Marina.
Em 2008, quem conclui a formação é o primogênito. André cola grau como Engenheiro Civil, concluindo o que o pai começou e é integrado aos quadros da Açometal. Nesse mesmo ano, a empresa importa sua primeira remessa de aço diretamente da China, aumentando a sua competitividade no mercado.
Estevan, que se gradua em Direito, lateralmente entra no empreendimento familiar atuando como advogado da empresa. Com os herdeiros sob a batuta de um provado mestre de obras, a Açometal segue seu curso de crescimento, implantando uma nova unidade em Várzea Grande, no ano de 2010.
Contini era um homem pleno. Encontrou o amor da sua vida e com ela teve filhos que continuavam honrando seu legado. Foi e se mantinha sendo útil na construção da cidade que escolheu para chamar de sua e, por fim, era um competente senhor de negócios, estabelecendo uma empresa que poderia ser um ponto de partida elevado para seus herdeiros. Ele parecia ter pleno domínio sobre seu entorno, mas a verdade é que ninguém tem.
No ano de 2012, Ellen demonstra lapsos de memória e alguns comportamentos incomuns para uma pessoa habilitada como ela, como a dificuldade de expressar ideias abstratas. Exames são realizados e detectam um quadro de demência frontotemporal e Alzheimer. Contini reluta em aceitar o diagnóstico. Ellen falava 4 idiomas, pintava quadros em tinta óleo com maestria e tocava praticamente qualquer instrumento musical. Era uma pessoa com altas habilidades que em geral operam como uma “vacina” para Alzheimer. “Meu pai queria ter domínio sobre algo que não era possível controlar. Ele tentou a todo custo reverter o problema de saúde da minha mãe. Procurou os maiores especialistas do país e até do exterior, mas não havia nada a ser feito a não ser aceitar. Em sua plena forma, minha mãe foi uma pessoa formidável, encantadora. Foi o amor da vida do meu pai e ele sabia que só foi tão grande porque tinha ela”, desabafa Marina ao contar sobre como o quadro de saúde da sua mãe foi recebido por Contini.
A doença de Ellen se agrava em pouco tempo. Depois de relutar, Contini aceita e se organiza para ampará-la na nova vida. A família acaba se unindo ainda mais diante da situação. “Demorou muito para que eu visse meu pai como um ser humano. Ele sempre foi um super-herói, forte, cheio de liderança, quase um símbolo para todos. Quando minha mãe adoeceu fui que pude perceber que ele também sentia dor”, comenta André.
De outro lado, a Açometal chegava a seu auge em 2014, empregando 185 funcionários e projetando a abertura de uma nova unidade em Sinop. Em menos de um ano, problemas internos geram uma crise financeira que leva a empresa a abrir recuperação judicial em setembro de 2015.
Em 2020, com 67 anos de idade, Contini começa a desacelerar. No ano seguinte, passa a gestão da Açometal para André, seu filho mais velho. Marina havia se desligado da empresa em 2021 para seguir outros projetos. Com as responsabilidades delegadas, Contini curte a vida, dedicando seu tempo para cuidar e acompanhar sua esposa, aproveitando cada momento. O empresário, que nunca aprendeu a nadar, desenvolve um hobby tardio. Em uma pequena chácara às margens do Rio Teles Pires, o quase engenheiro tentava a lidar com uma ciência bem menos exata, a de pescar. Quando estava na cidade, assuntava as novidades da política nas mesas de baralho. “Como um legítimo descendente de família italiana ele brigava, chorava e pedia desculpas, tudo na mesma frase. Era uma pessoa intensa”, comenta Marina.
No dia 27 de agosto de 2022, um sábado, Contini estava no seu pesqueiro, na beira do rio, quando uma chácara próxima começou a pegar fogo. Não era preciso, mas mesmo assim ele foi ajudar a conter o incêndio. Passou a tarde sob o sol escaldante, perto das chamas. À noite, quando o sinistro foi controlado, Contini decidiu voltar para casa. Ele poderia ter pernoitado no seu rancho de pesca, mas preferiu pegar a estrada. Por volta das 19 horas, o veículo que Contini dirigia colidiu contra outro, onde estavam dois adultos e três crianças. Com a batida ambos saíram da pista. O carro de Contini tombou.
Ele foi resgatado e encaminhado para a UTI do Hospital Santo Antônio, com diversas fraturas e os dois pulmões perfurados. Os filhos cogitam leva-lo para outra unidade, com mais recursos. Contini reluta e diz que não queria sair de Sinop, pois pretendia ficar perto dos filhos e na cidade que ama.
Contini passou 13 dias internados na UTI do hospital, os 3 primeiros acordado. Enquanto estava consciente, Contini pedia todos os dias sobre Ellen. Ainda deu tempo de conversar com os filhos André, Estevan, Marina e o sobrinho Pedro Henrique.
Era um misto de preocupação e saudade. No leito, Contini proíbe André de pegar seu celular. Ele queria responder pessoalmente as mensagens que recebeu. Naquela entrevista que concedeu em 2020, Contini falava que o celular é a maior ferramenta que uma pessoa tinha em mãos, capaz de trazer informação e de aproximar. “O que sobra na vida é o vínculo que você faz com as pessoas. Meu pai sempre entendeu isso”, comentou André. Pedro foi o último a vê-lo acordado, na noite de terça. Uma hora depois da visita, Contini teve parada cardíaca, foi entubado e o quadro de saúde se agravou. Pelos 10 dias seguintes, ele continuou sedado.
Contini tinha uma lista de transmissão no WhatsApp com 1.300 pessoas com quem se comunicava com frequência. A cada manhã ele mandava um bom dia para essas pessoas. No hospital, os ‘bom dia’ de Contini pararam de chegar. Às 9h20 do dia 9 de setembro de 2022, sua vida chega ao fim.
O ex-prefeito de Sinop foi velado na Câmara de Vereadores da cidade, com direito a honras e luto oficial. A Casa de Leis ficou lotada de pessoas querendo se despedir do pioneiro. Durante a cerimônia, o pastor perguntou quem ali presente recebia o Bom Dia de Contini. Uma multidão levantou a mão. “Quando ele partiu deixou um vazio enorme em nossas vidas”, revela Marina.
Aos 69 anos de idade, sendo 42 vivendo em Sinop, Contini foi sepultado ao lado dos pais, Santo e Iracema, na cidade que ajudou a erguer. Ele ainda é uma figura viva na memória de Sinop. À sua família, coube superar a perda e se acostumar com a ausência, conservando seu legado. Ellen segue inspirando cuidado dos filhos. A Açometal superou a fase de recuperação judicial em maio de 2024. Atualmente a empresa produz toda a siderurgia para a construção metálica civil e industrial, empregando 135 funcionários. O legado de Contini pode ser visto e sentido pelas ruas e logradouros públicos de Sinop. Assim como desejou sua mãe, “Toninho” se tornou um construtor, não apenas de prédios, mas de pessoas.
1982
Norival Curado

DA ESCASSEZ PARA UM LUGAR SEGURO
Sinop já foi apresentada como sendo a “Terra de Toda Gente”, uma alusão à ausência de donos ou coronéis, à pluralidade da sua população e à gritante capacidade de gerar oportunidades para uma pessoa mudar de vida. O personagem dessa história estava lá no momento em que o bordão foi criado e sua trajetória é um exemplo de como o mote faz sentido
Na cidade de Poconé, em uma casa humilde, que não tinha nem mesmo um rádio, nasceu no dia 11 de agosto de 1962, Norival Campos Curado, o caçula de uma família com 13 filhos, que deixou a roça para morar na cidade a fim de que os filhos pudessem estudar. O pai de Norival era funcionário público – trabalhava na Prefeitura de Poconé. Já sua mãe fazia bolos e pasteis para vender na rua. Aos 11 anos de idade, ele já percorria as calçadas da pequena cidade vendendo os quitutes que a mãe fazia.
Ainda menino, Norival adorava futebol. Dizem até que era jeitoso com a bola. Seu jogo era de pés descalços, já que não tinha tênis. O primeiro par de Kichutes só veio com 16 anos. Em casa não era diferente. Ao invés da cama, seu leito era a rede - mobília que ele só foi experimentar quando estava perto de completar a maioridade. “Apesar das dificuldades, cresci em um lar com muito carinho, respeito e afeto”, revela Norival.
Por algum tempo, a mãe de Norival escondeu em segredo um câncer. A falta de instrução fazia algumas pessoas acreditarem que se tratava de uma doença contagiosa, encarando o portador como tal qual um leproso. Em silêncio ela sofreu até não resistir mais. Quando tinha apenas 12 anos de idade, Norival perdeu sua mãe.
A partir da morte ele foi morar com o irmão, Nilton. Aos 15 anos de idade começou a trabalhar como ajudante de funilaria, em uma oficina e passou a morar sozinho. Nunca deixou os estudos e ainda tratou de fazer um curso de datilografia, para melhorar as chances de um emprego melhor.
Quando estava com quase 18 anos, um amigo que trabalhava no Banco Bamerindus foi promovido e indicou Norival para o seu antigo cargo. O curso de datilografia foi de larga serventia para preencher os formulários. Ele fazia a inspeção em sinistros, para o caso de seguros, registrando o ocorrido e abrindo o processo em caso de pagamento da apólice. “Achei aquilo tudo mole demais”, comenta Norival, comparando o trabalho no banco com o ofício anterior, na funilaria.
O emprego no banco em Cuiabá pagava plano de saúde, vale alimentação e vale transporte – além de conferir um “status”, como um bom posto de trabalho para um jovem que está começando. Logo foi transferido para Rondonópolis, em uma espécie de progressão da carreira.
Em julho de 1982 ele veio pela primeira vez a Sinop. A viagem a trabalho foi para fazer uma inspeção em um acidente com várias vítimas, cuja empresa de transportes tinha seguro. Era para ser uma visita ocasional, de quem trabalha no grande centro e em casos excepcionais atende o interior. Mas Sinop é uma cidade que draga as pessoas.
Três meses depois, a direção do banco colocou sobre a mesa de Norival uma proposta. Duas novas agências seriam abertas, uma em Sinop e outra em Rio Branco, no Acre. A proximidade geográfica com a capital querida pesou, mas não foi o único fator. “Eu via em Sinop uma terra de oportunidade, um lugar que tinha tudo para se fazer e uma chance de crescer nesse processo”, explicou.
E foi assim que, em outubro de 1982, Norival fixa residência em Sinop para abrir a agência do Bamerindus. Na época só havia o Bradesco. Um mês depois, no dia 22 de novembro de 1982, debaixo de muita chuva, com a Avenida dos Mognos coberta de lama, é inaugurada a unidade do Bamerindus mais ao Norte de Mato Grosso. “A falta de estrutura em Sinop era assustadora. E também havia uma questão cultural. Quem estava bem estabelecido em Sinop havia vindo do Sul. Me chamavam de ‘Negrinho do Filho de Deus’. Mas na minha cabeça eu só pensava que agora era inspetor de Banco, então valia a pena encarar as dificuldades”, pontuou Norival.
Foi nesse tempo que ele conheceu Norma Tomelin. Ele tinha 18 anos e ela 16. Namoraram por um tempo, até que em fevereiro de 1984 o pai de Norival morreu. Quando recebeu a notícia, ele agora tinha recursos, veículo, tempo e influência. Mas nada disso adiantou. Norival perdeu o velório e o sepultamento. Ele só conseguiu sair de Sinop 4 dias depois em razão dos atoleiros que deixaram a BR-163 intransitável.
Impactado pela perda, ele voltou para Rondonópolis com a ideia de que assim estaria mais perto da família. A namorada queria ter se mudado junto, mas a família dela não permitiu. Dentro do viável, a relação foi nutrida à distância.
Em julho de 1985, Norival volta a ser dragado para Sinop. Retorna e abre uma loja de carpetes, tapetes e pisos. Em uma época em que ninguém entrava com calçado dentro de casa – que estavam sempre sujos de barro ou pó – ter um cômodo da casa coberto de “carpê” era o auge do conforto e do luxo. Um caminhão carregado com piso cerâmico era pesado demais para percorrer a barrenta BR-163, mas um cheio de carpetes fazia a viagem sem maiores problemas. “Vendia muito bem. Quando não era para as primeiras casas de alvenaria que estavam surgindo era para o garimpo, em Peixoto do Azevedo, que comprava os carpetes para forrar as peneiras e segurar o ouro”, explica Norival.
Dono de uma das maiores indústrias madeireiras dessa época, Comercindo Tomelin, sogro de Norival, procurava alguém para gerenciar o negócio e o genro foi postulado. Por um ano e meio Norival trabalhou na Tomelin Madeiras. “A questão era uma só: trabalhando com o sogro, se ficasse rico iam dizer que sou ladrão; se ficasse pobre, falariam que sou burro. Então decidi sair da empresa e procurar outro caminho”, brinca Norival.
No ano de 1987, a Sul América Seguros convidou Norival para ser inspetor. Até então, o serviço de seguro era algo retido aos bancos, sendo mais um produto entre tantos outros, que em geral prometia mais do que entregava. No final da década de 80, várias empresas começaram a mirar nesse mercado, oferecendo um serviço personalizado, com mais atenção. Combinado com a Constituição de 1988, que referendou direitos trabalhistas, o ramo do seguro teve um “boom” nessa época, com diversas corretoras sendo abertas Brasil afora. Desse movimento surgiu a Curado Corretora de Seguros, a primeira do Norte de Mato Grosso – criada para atender a Sul América Seguros.
As madeireiras eram os principais clientes. Além dos seguros de vida dos funcionários, a indústria de base florestal também contratava apólices para seus geradores e transformadores de energia elétrica. E assim a corretora foi crescendo.
Em abril de 1989, nasce Mariana, a primeira filha do casal. Em janeiro de 1991 vem Joandre, o segundo filho. Três anos depois, em 1994, Norival e Norma se separam. Ela fica com a loja e ele com a corretora.
No mesmo ano o empresário troca um Chevrolet Monza por dois terrenos na Avenida Júlio Campos. Sobre os imóveis ele constrói um prédio de dois andares, onde a Curado Seguros está até hoje. Nessa fase, Norival também montou uma pequena transportadora, com 5 caminhões, que anos depois negociou por uma fazenda, onde desenvolveu pecuária bovina. “Era uma questão de estar atento às oportunidades. Eu via as necessidades que a cidade tinha e buscava investir. Acabava fazendo o serviço que todos precisavam e comercialmente prosperava”, enfatiza Norival.
Em 1996, o empresário foi chamado para ser presidente da liga de futebol amador da cidade. Hoje, pode parecer um cargo “de várzea”, mas na época o esporte vivia um auge, embalado pelo tetra da Seleção Brasileira em 1994, e sendo uma das opções de lazer acessíveis àquela geração. Naquele ano, Norival realizou a final do Campeonato Amador em Sinop, sorteando para o público presente dos aparelhos de televisão. Mais de 17 mil pessoas encheram o Estádio Gigante do Norte.
Logo, foi alçado a secretário municipal de Esportes – cargo que ficou vago quando Baiano Filho se lançou a vereador. Dentro da gestão municipal, conseguiu atrair uma fase do Campeonato Brasileiro de Handebol.
No final da década de 90, o grupo de empresários e amigos ao qual Norival era mais próximo demonstrava descontentamento com o grupo político que predominava em Sinop. Nessa época, o prefeito era Adenir Barbosa, um médico/pecuarista que já havia sido prefeito entre 1989 e 1992, retornou 4 anos depois e no ano de 2000, com a mudança da lei, galgava a reeleição. Norival está lá quando a semente da oposição começou a ser plantada. Esse grupo apostou no jovem Nilson Leitão, na época com 31 anos de idade, que havia sido eleito vereador no pleito municipal anterior e alcançado uma vaga na Assembleia Legislativa do Estado como suplente. José Carlos Ramalho, vereador mais expressivo naquele momento e concorrente de Norival no ramo do Seguro, era para ser o vice de Leitão, mas no final ficou como vice de Adenir.
“Eu fiquei responsável por arrecadar o dinheiro para a campanha. Arrecadei R$ 1 milhão. Adenir tinha muita aprovação no centro da cidade, então o que fizemos foi rodar os bairros. Passamos de casa em casa pedindo voto, e no último comício, o Nilson estava especialmente inspirado. Nasceu naquele momento a filosofia de cuidar das pessoas, de fazer Sinop crescer e vender a cidade como o local de futuro. Conseguimos muito apoio na região do Grande São Cristóvão, que era repleta de serrarias, com muitos trabalhadores. Quando começou a contagem dos votos e vimos que tivemos cerca de 15% a menos no centro, já comemoramos. Sabíamos que a diferença de votos nos bairros nos elegeria”, relembra Norival.
Adenir fez 15.755 votos na eleição de 2000. Leitão fechou com 17.255 – uma diferença exata de 1.500 votos. O jovem derrotou o veterano e novidades surgiram. “Os primeiros prefeitos de Sinop foram competentes, tinha credibilidade e dinheiro. Eram os ‘líderes tradicionais’ da cidade. A eleição do Nilson mostrou que a política podia ser para todos, que a cidade não era um feudo e que havia espaço para novas lideranças emergirem. Foi um momento de uma Sinop feliz, leve, alegre, com envolvimento da comunidade; algo que abriu as portas para muitos jovens ingressarem na política e outros que estavam fora retornarem. Como dizia o bordão da gestão, Sinop era terra de toda gente”, acrescenta Norival.
Para “vender” Sinop, Nilson criou a secretaria de Indústria, Comércio e Turismo, com Norival assumindo a repartição. Em um voo sobre a cidade, o então governador Dante de Oliveira – mentor político de Nilson e de boa parte do seu grupo – viu o “Cortado”, formado por uma ilha com uma praia no Rio Teles Pires. Dante sugeriu que se aproveitasse essa riqueza natural e foi assim que foi criado o Festival de Praia – evento que, após um hiato de 16 anos, retornou ao calendário oficial de Sinop em 2022.
Como secretário de Indústria, Comércio e Turismo, Norival procedeu com a regularização do primeiro Distrito Industrial da cidade, atraiu o Banco da Amazônia para Sinop, viabilizou a iluminação do aeroporto para voos noturnos e implantou o Centro de Eventos Dante de Oliveira. Quando a crise de 2004 e 2005 aplacou o setor madeireiro, as cidades do Norte iniciaram uma “caça” por indústrias, a fim de garantir a geração de emprego. Lucas do Rio Verde conseguiu “abocanhar” uma unidade da Sadia – o que na época foi encarado como uma derrota de Sinop. Não para Norival. Com sua intermediação, Sinop procedeu com a doação de terrenos para a Fasipe e para a Unic, atraindo duas instituições de ensino superior para cidade. Em paralelo, iniciou a busca por implantar a UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), que já estava no município desde 1992, mas só foi consolidada como campus, com cursos permanentes, em 2006. “Eu disse na época que 25% do que a UFMT traria para Sinop valia mais do que 5 Sadias. Tive que passar uns 10 dias escondido. Queriam me matar. Muita gente não entendia que uma universidade era muito melhor que uma indústria para trazer progresso e dinheiro a uma cidade. Do dia para noite Sinop se tornou uma cidade universitária e hoje colhemos os frutos disso”, avalia Norival.
Ainda no ano 2000, Norival se casou pela segunda vez. Ele se uniu a Rosangela Rodrigues, a quem conheceu nas ações do Rotaract e do Interact. Após dois anos de namoro, eles casaram e em 2001 tiveram o Matheus, que em 2024 está no 6º semestre de Medicina.
O legado da Curado
“Eu entrei no ramo de seguros por necessidade e fiquei por paixão”, admite Norival. Ao longo da sua jornada, o empresário construiu uma corretora sólida, tão próspera quanto Sinop. Sua equipe tem funcionários com mais de 30 anos de casa – colaboradores que foram premiados com um carro pelo tempo de contribuição.
Em 2024, a Curado Seguros resguarda mais de 30 mil vidas e bilhões de reais em bens assegurados. A empresa trabalha com mais de 100 produtos de 25 seguradoras diferentes. “Uma corretora de seguros ajuda no progresso de uma região. Não é apenas sobre vender um seguro, é como fazer, porque fazer e acima, de tudo, fazer do jeito certo”, explica Norival.
Mariana, sua filha mais velha, se formou em engenharia na FURB (Universidade Regional de Blumenau). Já Joandre está dentro da Corretora. Ele estudou até os 18 anos e depois voltou para trabalhar com o pai, mas não para ser um gestor. Norival contratou uma consultoria profissional que fez uma formação com sua equipe. Estudioso, Joandre despontou e começou a se preparar também para gerir os negócios da família. “Herdeiro não é sucessor. Sucessor de uma empresa é quem quer e se prepara para isso. O Joandre trilhou esse caminho e está pronto para dar a sequência na Curado Seguros”, afirma Norival.
Em 2015, o empresário ainda encabeçou o movimento para a fundação da primeira cooperativa de crédito genuinamente sinopense, a Sicoob Norte MT – que em 2024 ultrapassa a marca de 28 mil associados, 950 sócios-fundadores e uma cota de ativos de mais de R$ 1,2 bilhão. A importância do Sicoob Norte MT é tamanha que terá um capítulo à parte dedicado exclusivamente a sua história.
Aos 61 anos de idade, com uma jornada de negócios bem resolvidos, contribuições coletivas para cidade e a sucessão da sua empresa encaminhada, Norival está bem longe daquela rede do casebre em Poconé onde repousava, mas também distante da rede em uma praia qualquer, daquelas que são o típico destino de um aposentado. Ele está ativo e operante como um jovem, mas com conselhos que só quem já viveu muito pode dar. “A vida passa rápido. Ninguém é mais importante que ninguém. Ninguém e insubstituível e nós só estamos aqui de passagem. A vida só vale se for bem vivida. Em geral, a gente planta e é a geração seguinte que colhe. Aqui, em Sinop, as pessoas conseguem plantar e colher. É uma cidade sem feudo, aberta para todos. O grande mentor de tudo isso [Ênio Pipino] fez a cidade e não morou nela, não fez do lugar o seu feudo. Eu conheço muitas cidades e países mundo afora, mas nenhum lugar é como Sinop. Quem quiser de verdade vai encontrar nessa cidade seu espaço e sua felicidade”, reflete Norival.
Este é o que pode se chamar de um conselho Seguro.
1982
Dom Henrique Froelich, 1º Bispo de Sinop

IGREJA CATÓLICA
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Nesse ano, ocorre a instalação da Diocese de Sinop, criada pela Bula Papal “Quo Aptius Espirituali” concedida pelo Papa João Paulo II
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A Diocese de Sinop é desmembrada da Diocese de Diamantino, e sua área de abrangência incluía praticamente todo o Norte de Mato Grosso
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No dia 23 de maio de 1982, o 1º Bispo de Sinop, Dom Henrique Froelich, acompanhado de várias autoridades eclesiásticas, chega ao antigo aeroporto da cidade, sendo recepcionado por autoridades e por católicos de vários municípios que passaram a fazer parte da nova Diocese
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Após a recepção no aeroporto do 1º Bispo de Sinop, é celebrada uma missa campal; após a missa, ocorreu a cerimônia de lançamento da Pedra Fundamental na área da futura Catedral de Sinop
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Ainda no ano de 1982, foi instalado o Seminário São Camilo, pela Ordem dos Padres Camilianos. Na área onde foi instalado o Seminário, atualmente se encontra o Colégio Regina Pacis