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1974
Comercindo Tomelin

DO PAU AO P.O
Tudo estava certo para ir até o Paraguai encontrar madeira, mas quando chegou em Toledo, parou para comprar um revólver e ouviu falar de uma cidade sendo aberta no Norte de Mato Grosso. Preferiu gastar com gasolina do que com bala e chegou no dia da fundação de Sinop, sendo apresentado como “autoridade”, que anos depois de fato passou a ser. Conheça a história de um madeireiro que se tornou referência na criação de gado Nelore P.O e uma inspiração para muitos que recomeçaram suas vidas em Sinop
Comercindo Tomelin nasceu em 7 de julho de 1939, no recém-emancipado município de Rodeio (SC), formado por imigrantes italianos. Ele foi o primeiro dos 8 filhos de Serafino Tomelin e Rosa Tesarol, casal que se conheceu dentro do navio que veio da Itália em direção ao Brasil.
Serafino era marceneiro profissional. Com suas mãos, usando um traçador, construiu a casa da família, com tábuas de canela com 35 centímetros de largura, colhidas no próprio sítio. Na pequena propriedade, os Tomelin criavam porcos e vacas de leite. Aos 7 anos de idade, Comercindo começou a frequentar a escola. Estudou até os 10 anos. Preferia o mato e a roça ao caderno e o lápis. Gostava de caçar, pescar e fazer o serviço no campo. Quando sua mãe pediu que a ajudasse mais, Comercindo não hesitou em deixar a escola.
Quando completou 18 anos de idade foi até Curitiba (PR) para cumprir com o serviço militar obrigatório. Ele nunca tinha saído do interior de Santa Catarina. Quando desembarcou do ônibus na rodoviária da capital paranaense, se viu cercado de grandes prédios e avenidas movimentadas. Comercindo se sentiu perdido em meio ao caos da urbe, e na tentativa de se refugiar, procurou uma igreja, onde parou para se orientar. No alistamento foi designado para servir na Polícia do Exército. “Aprendi mais em 6 meses no Exército do que em 3 anos na escola”, revela Comercindo.
Em 1959, após ser dispensado do serviço militar, Comercindo volta para Rodeio. “Eu era apaixonado por terra, mas o pai não tinha dinheiro nem para escritura”, conta Comercindo. Em dado momento, aparece um negócio, intermediado pelo pai, para trocar 5 colônias de terra – cerca de 125 hectares – por 1,2 mil metros cúbicos de madeira, da essência Canela, devidamente cortada em pranchas. E então Comercindo foi “ganhar” a sua desejada terra. Na primeira semana ele derrubava as árvores com um machado. Na segunda, vinha um ajudante para segurar no outro lado do traçador e assim serrar as toras. Na terceira semana ele descascava e chanfrava. Na quarta semana, virava as pranchas e puxava com o cavalo. E assim o esquema era repetido, com o começo de um novo mês. Foram 3 anos nesse sistema, até Comercindo pagar a terra.
Nessa época, Comercindo tinha começado um “namorico”, que o chamou para ir no casamento de uma das filhas de Júlio e Dozolina Devegili. A menina em questão era prima da noiva. Durante a festa, outra filha dos Devegili começa a arrastar Comercindo pelo salão de baile, monopolizando o pé de valsa. Era Filomena Devegili. A festa terminou, e no dia seguinte teve um almoço na casa de uma família conhecida. Depois da comilança, uma turma de moças se reuniu nos arredores da igreja da comunidade. Os rapazes foram também. Na volta para casa, cada uma voltou com um acompanhante. Filomena caminhava com Comercindo. “Quando minha irmã viu, ela falou: ‘você veio com o filho do Serafino? Roubou o namorado da sua prima?’”, conta Filomena, em tom de diversão.
A família de Filomena é grande. São em 12 irmãos, sendo ela a terceira mais nova. Ela nasceu em 21 de janeiro de 1946, em Benedito Novo, distrito de Rodeio. Seu pai tinha uma serraria, plantava arroz, milho e feijão verde. A família tinha boa condição e “roubar” o namorado da prima não foi a única traquinagem que Filomena contou. “No Natal, quem trabalhava mais ganhava mais presente. Então, de tarde eu esfregava o piso e a casa toda ficava brilhando. De noite, quando a gente ia dormir, colocava um prato com o nosso nome na mesa, que era onde o pai colocaria nossos presentes. Eu e a Iza, minha irmã, ficamos acordadas esperando, e depois que o pai saía, a gente ia pegar as coisas nos pratos dos nossos irmãos e colocar no nosso. Geralmente chocolate e doce, mas o pai também dava roupa e calçado. Ele sempre deu coisa boa para nós no Natal”, conta Filomena.
Quinze dias depois daquele casamento, teve um terço de oração e Comercindo já rezava em outra capelinha. Ele foi com Filomena no círculo de prece, e naquele dia começaram a namorar. Depois de 2 anos e meio, se casam em 25 de janeiro de 1964, dias após o aniversário de 18 anos de Filomena. Comercindo estava com 24 anos na época. “Era uma menina linda, de boa família, religiosa e companheira. Foi o que eu senti quando a conheci e eu estava certo. Pude sentir suas qualidades ao longo da nossa vida juntos”, comenta Comercindo. O primeiro filho do casal, Tarcísio, nasce 9 meses após o casamento, em outubro de 1964.
Um ano antes, Serafino comprou uma marcenaria no município de Indaial, onde fabricava portas e janelas. Depois de 6 meses na atividade, Serafino quis encerrar as atividades e pediu para Comercindo comprar a marcenaria. O filho aceitou, mas pediu 3 anos para pagar. De pronto comprou uma respigadeira (máquina que faz as espigas para o encaixe das madeiras), e com isso aumentou sua produção. O prefeito da cidade, Hilário Vizarelli, visitou a marcenaria e gostou do entusiasmo de Comercindo, que trabalhava firme noite adentro. O gestor passou para a pequena marcenaria uma grande encomenda de portas e janelas, que seriam usadas nas escolas do município. Na segunda vez que Serafino veio à marcenaria, já havia outra máquina nova, e em 6 meses Comercindo paga a conta que prometeu quitar em 3 anos. “Meu pai então propôs vender a marcenaria e abrir uma serraria. Foi o que fizemos. Vendi o negócio e compramos uma pica-pau”, lembra Comercindo.
E foi assim que, em 1965, surge a Indústria de Madeiras Tomelin, que com seu traçador mecânico produzia um metro cúbico de madeira por dia. Serafino era quem operava a máquina. Comercindo fazia a parte de marcenaria e as vendas. No ritmo da pica-pau, a serraria levava uma semana para encher o caminhãozinho que fazia a entrega.
Um ano depois, a serraria precisava urgentemente aumentar a produção. Comercindo vai para Ponta Grossa (PR) negociar uma serra fita, bem mais rápida. Mas não tinha nem dinheiro para o frete. Então, ele repete o que fez para conseguir as máquinas da marcenaria. Vai até um representante da fábrica, que atuava em Blumenau carregando os livros-caixa da sua empresa. Comercindo mostra o que produz, o quanto ganha e o que já tem, e consegue 80% do valor financiado junto ao Banco do Brasil. Os 20% restante pagou depois, como dava. E na confiança, o negócio foi fechado.
A fita é ligada em 1966. Com o aumento na produção ele compra um caminhão maior. Seguindo a roda da confiança, a madeireira vende a prazo para uma construtora, que no final da obra não paga a conta. Foi o primeiro baque financeiro. “Nunca tive medo de quebrar”, comenta Comercindo.
Quem tira a Tomelin do vermelho é o Remonato, um madeireiro de Curitiba. O comerciante aparece com fogo e vontade de comprar a madeira. Comercindo aposta na compra e enche o caminhão com peças serradas, o equivalente para fazer 3 casas de madeira, e vai dirigindo até Curitiba. O comerciante paga a carga e manda Comercindo trazer mais madeira. “Ele me disse: ‘você está mole, Tomelin! Me traz mais, preciso de mais’. Expliquei para ele que estava vendendo o almoço para pagar a janta. Eu tinha levado o que podia. Então, ele me deu dois cheques de 5 mil Cruzeiros para comprar mais toras. Nem recibo desses cheques ele me pediu”, conta.
O empresário volta com seu capital de giro e vai trabalhar. A madeireira já contava com uma equipe de 7 funcionários. Durante um bom tempo, a Remonato foi o principal cliente da madeireira. Nos anos seguintes, a Costa Faria, uma representação do Rio de Janeiro, se tornou um importante comprador da produção.
Nessa época, Comercindo e Filomena já tinham 3 filhos: além de Tarcísio, o mais velho, nasceram Norma Terezinha, em 1965, e Carmelita Maria, em 1966. Em 1968, Filomena estava novamente grávida. Um médico alemão fez o parto e terminou o procedimento com uma ligadura, sem pedir para Filomena ou para seu marido. “Ele só me falou depois”, conta Filomena. Comercindo estava trabalhando naquele di,a e quando chegou em casa tinha dois bebês. O parto tinha sido dos gêmeos Ademar e Ademir.
No ano de 1970, Lourival Tomelin, irmão de Comercindo, entra no negócio. Ele era formado em Administração, incrementando um conhecimento técnico em gestão na sociedade familiar. Com a profissionalização da atividade, a empresa cresce e logo constrói uma sede própria, com um barracão de 20 por 50 metros. Com uma frota de 3 caminhões, uma fita e uma marcenaria completa, a Indústria de Madeiras Tomelin empregava naquele ano 20 funcionários, vendendo sua produção para clientes no Paraná, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
A empresa cresce rápido, e na mesma velocidade a matéria-prima fica cada vez mais longe. Quinze anos antes, Comercindo colhia com o machado as canelas da propriedade do pai, e agora já cogitava buscar madeira em outro país. Depois de rodar por Santa Catarina e Paraná tentando comprar toras para fazer estoque, no ano de 1974 o empresário decide que iria até o Paraguai. Ele e mais dois companheiros embarcam em um Ford Corcel 2 rumo para o país vizinho. Mas antes, passam em Toledo (PR) para comprar um revólver – como segurança. “O dono da loja de armas me perguntou por que eu estava me arriscando em fazer negócios no Paraguai. Então ele me disse que tinha um lugar em Mato Grosso que estava sendo aberto e que tinha muita madeira. Ele me explicou a direção e ainda falou que, se eu apurasse, chegaria a tempo para a inauguração”, conta Tomelin.
Até então ele não tinha sequer ouvido falar de Sinop. No segundo dia da viagem, por volta das 9 horas da manhã, eles param no Rio Lira, em Sorriso, para fazer um café. Às 11 horas do dia 14 de setembro de 1974, Comercindo chega em Sinop, que estava toda enfeitada para a festa. Era o dia em que oficialmente a cidade estava sendo fundada. “Fomos bem recebidos e nos convidaram para o banquete. Era um churrasco farto, com carne de boi, muitas frutas, comida em abundância. Nos anunciaram como os representantes de Santa Catarina, como se fôssemos alguém importante”, comenta Comercindo em tom de riso.
O empresário acaba encontrando na festa um bispo que era conhecido dos seus tios e irmãs que frequentaram o colégio de freiras. Comercindo e seus companheiros acabam acampando no que seria a futura casa dos padres, na Avenida das Embaúbas. No dia seguinte, participam da inauguração de Santa Carmem. Em dado momento, Comercindo puxa o bispo de lado e pede a respeito da Colonizadora Sinop. O sacerdote disse que ele poderia fazer negócio sem escrever com a empresa, enfatizando a seriedade dos fundadores. No terceiro dia, Comercindo se convence e compra 400 alqueires de terra – quase mil hectares – na chamada Quarta Parte, pagando com uma pilha de cheques. Semanas depois, o corretor Ilsão de Melo foi até Indaial e Lourival renegociou a compra, reduzindo a área para 200 alqueires, que era o que a empresa dava conta de pagar. “Desde o primeiro momento eu vi progresso em Sinop, que era o futuro”, explica Comercindo.
Ainda em 1974, o empresário volta para iniciar a extração das toras. Filomena vem junto para conhecer a cidade que a aguardava. “Não tinha nada. Sinop estava muito no começo. Fui em uma vendinha pegar duas laranjinhas [refrigerantes] para nós, dei uma nota de 10 Cruzeiros e não voltou troco. Era muito mais caro do que a gente pagava no Sul”, conta Filomena.
Comercindo chegou a mandar algumas cargas de toras extraídas em Sinop para serrar em Indaial. Mas não compensava. O frete para transportar uma tora, que após serrada renderia a metade, tornava o negócio inviável. Em 1975, os Tomelin decidem instalar uma madeireira em Sinop. No dia 15 de abril daquele ano, Comercindo saiu de Indaial com uma picape Willys e duas famílias no veículo. Eram 7 crianças e 3 adultos, que viriam na frente para preparar o terreno. Serafino disse para o filho comprar uma pica-pau para começar a trabalhar e ver se ia dar certo. É o que Comercindo faz e passa a serrar madeira para o 9º BEC (Batalhão de Engenharia Civil), do Exército, que trabalhava na abertura da BR-163. A pica-pau trabalhava dia e noite para dar conta. Comercindo conta que não haviam pessoas que sabiam trabalhar com madeira em Sinop, o que obrigou a buscar mão de obra em Santa Catarina.
Quando Serafino veio visitar Sinop, ainda em 1975, mandou de imediato Lourival comprar uma serra fita e enviar para Mato Grosso. Era evidente o potencial. Os Tomelin compram o maquinário novo, mais um gerador velho, com motor Alfa Romeu – já que não havia energia elétrica na cidade. O gasto motor italiano foi o primeiro ganha pão de Afonso Teschima em Sinop, que largou tudo no Paraná para montar a Retífica Rey. O ‘japonês dos motores’ é uma das muitas pessoas que lembram de Comercindo com sentimento de gratidão.
A serraria foi montada na lateral da BR-163, do lado onde atualmente é a Retífica. Logo tratou de mandar duas cargas para seu comprador habitual, do Rio de Janeiro. Depois de 3 dias, o cliente liga para Lourival pedindo para tirar a madeira do pátio, porque os urubus estavam invadindo. A madeira em questão era Cupiúba, mais conhecida pela sua alcunha de “Peroba-bosta”. A essência que faz jus ao nome era muito abundante na região de Sinop, e apesar do cheiro desagradável quando recém-serrada, trata-se de uma madeira de qualidade.
No primeiro ano de atividade, a Madenorte – nome que os Tomelin escolheram para a indústria em Sinop – era uma operação melindrosa. A empresa tinha um capital estimado de 1,6 milhão de Cruzeiros, mas uma dívida de 1,8 milhão. Na “caneta”, estava quebrada. “Lembro de falar com meu irmão: ‘nós começamos com nada; se quebrar, voltamos para onde saímos’”, conta.
No segundo ano a situação se inverteu, com o capital passando o volume de dívidas. No terceiro ano, a Madenorte já era uma empresa sólida e lucrativa. Entre o final 1978 e início de 1979, na mesa de um restaurante, Comercindo, Filomena, Lourival e Norma faziam um resumo de quanto ganharam de dinheiro desde o início da operação em Sinop. Os dois irmãos faziam planos de crescer mais, sendo Comercindo mais arrojado e com menos temor, enquanto Lourival era mais estável e pé no chão, como administrador que é. Eles então cogitam vender a serraria. Toda a operação custaria 22 milhões de Cruzeiros, caso houvesse um interessado. Um pessoal do Espírito Santo se interessa e cobre a proposta.
Em 1980, com o dinheiro da venda, os irmãos montam uma nova indústria, instalando a Madenorte no local em que operou por muitos anos. Na unidade, começaram a fazer lâminas de madeira para fabricação de compensados. Com a atividade, tiveram um novo salto de progresso financeiro. A Madenorte chegou a ter 200 funcionários, sendo a mais importante madeireira da época.
Após dois anos, em 1982, Comercindo deixa a sociedade, vendendo a indústria para Lourival. Ele já estava cansado de trabalhar no setor madeireiro, e aos 43 anos de idade considerou que poderia fazer aquilo que sempre gostou: mexer com a terra. Comercindo fica com as áreas adquiridas pela empresa no passado para extração de madeira. Foram 8 mil hectares, divididos em várias matrículas. Em uma dessas propriedades, na Estrada Rosa, formou a Fazenda Bom Jardim, com 180 hectares de pasto. Sobre os campos verdes, Comercindo queria fazer algo além de criar gado. Ele queria produzir genética.
Então, viaja até Presidente Prudente (SP) e Nova Mutum (MT) para comprar suas primeiras 150 vacas Nelore P.O (Puro de Origem). Com as matrizes ideais, ele contrata a inseminação com genética de Touros P.O avaliados. Assim, Comercindo começa a estabelecer um plantel de alto padrão no Norte de Mato Grosso. “Edinilson Cott foi o primeiro funcionário que tivemos na fazenda e ele está até hoje conosco, cuidando do gado. É um excelente boiadeiro”, comenta Comercindo.
O ano de 1983 foi marcado por um triste episódio. Um incêndio se alastrou pela lateral da BR-163 em Sinop, atingindo várias propriedades. Uma parte da laminadora da Madenorte foi consumida pelo fogo. “Eu não fazia mais parte da sociedade, mas senti como se fosse meu”, relata Comercindo.
Lágrimas enxugadas, o empresário se foca na pecuária. Em 1988, para tristeza de Filomena, ele vende a Fazenda Bom Jardim, xodó da família, para comprar a Fazenda Macuco, que se tornaria a “marca” do seu gado de elite. Nessa época, Comercindo já vendia os reprodutores que criava para fazendas em Alta Floresta, Novo Mundo, Colíder e Castelo dos Sonhos (PA). E era convidado para expor nos grandes leilões de Mato Grosso.
A coroação do trabalho que Comercindo realizou da porteira para dentro veio no ano de 1998, quando ele foi convidado para participar de um leilão promovido pela pecuarista Mônica Marchetti, uma das autoridades na criação de Nelore P.O no Brasil. Comercindo levou para este estande a vaca P.O Funga da Macuco, o melhor exemplar produzido pela fazenda até então. “Quando nós carregamos a vaca para levar até o leilão, Comercindo estava nervoso, preocupado se iria receber bons lances. Ele falou que queria ganhar pelo menos R$ 100 mil com ela. Eu fiquei falando que ia dar mais... bem mais! Disse que chegaria até uns R$ 300 mil. Ele duvidou. Então apostei: o que passasse de R$ 300 mil, ele deveria me dar”, conta Filomena.
Os lances foram abertos e subiram em galope. Compradores do Rio de Janeiro, de São Paulo e da Bolívia disputavam o animal. No fim, a Funga da Macuco foi arrematada por R$ 308 mil. Foi o maior preço já pago por uma vaca Nelore P.O do Mato Grosso, recorde que se mantém até 2024. “O mais engraçado é que naquela noite que vendemos a vaca premiada mais cara da história, dormimos em uma espelunca, um hotel de beira de estrada que foi o que conseguimos achar na volta para casa. Acho que foi um recado para a gente não esquecer de onde viemos”, brinca Comercindo.
O pecuarista vendeu o exemplar, mas manteve a genética em seu plantel. Nos anos seguintes, a filha de Funga foi a campeã na Exposição de Uberaba (MG). A Fazenda Macuco se tornou referência nos grandes leilões de gado Nelore do país, colocando Sinop no mapa da genética de bovinos.
Comercindo e Filomena também se tornaram pilares da Acrinorte (Associação dos Criadores do Norte de Mato Grosso). Eles estão entre os primeiros sócios da entidade, que por anos realizou a Exponop e agora oferta seu Parque de Exposições para a Feira Agropecuária Norte Show. Comercindo nunca quis ser presidente da Acrinorte, mas ajudou a construir as primeiras estruturas da entidade. Filomena inaugurou uma das tradições da associação. Em uma das primeiras reuniões para falar da Exponop, ela levou uma polenta que tinha feito. Agradou, e ano após ano pediam para a pioneira levar o seu prato. Foram 33 anos fazendo polenta para o jantar da Acrinorte. “Uma vez veio o governador Dante de Oliveira no jantar e ele falou: ‘eu conheço esse angu, é famoso’. Eu respondi a ele: ‘não é angu, é uma autêntica polenta’”, lembra Filomena.
Os anos foram passando e o progresso foi tornando Sinop menos inóspita. Já tinha rede de energia elétrica (a primeira casa ligada foi a de Tomelin, na Rua das Aroeiras). Chegou telefone, TV, rádio, internet, asfalto e aeroporto com voos comerciais. E depois que todo o conforto estava instalado, “novos donos” apareceram para reivindicar o que os pioneiros abriram. Em 2006, um empresário paulista move uma ação na justiça reivindicando a propriedade de 142.605 hectares, localizada entre Sinop e Itaúba. Ele apresenta uma matrícula emitida pelo extinto DTC (Departamento de Terras e Colonização), no ano de 1965. Era, portanto, o documento mais antigo dessa área chamada “Gleba Atlântica Grandes Matas”.
Nessa porção de terra estavam as propriedades rurais de vários pioneiros de Sinop, incluindo a Fazenda Macuco. A insegurança e a instabilidade de ações judiciais fizeram com que alguns desses proprietários fizessem acordos com os advogados do empresário paulista, recomprando suas terras. Mas não Comercindo. “Nunca tive medo de perder a Macuco. Só pedia para ninguém medir a terra. No começo, quando a pressão para fazer um acordo era maior, acampávamos na fazenda. Depois, essa tentativa de tomar as terras perdeu a força. Mesmo com os valores baixando, eu não fiz o acordo e não vou fazer. Na minha cabeça, eu já comprei e paguei por essas terras”, comenta Comercindo, revelando que as últimas propostas foram de 2 sacos por hectare – uma mixaria comparado ao valor real.
Atualmente, a Fazenda Macuco tem um plantel de 1,1 mil cabeças de gado Nelore P.O. No ano de 2020, Comercindo arrendou o rebanho para seu filho Ademir e seu neto Jefferson Zubler Tomelin. O neto se tornou médico veterinário e é quem administra a Macuco. “Quando eu olhava para o gado, cuidava da beleza do animal. Meu neto já vê outras características, como precocidade, leite, formação de carcaça. É um processo mais profissional do que eu fazia”, avalia Comercindo.
Com o gado de elite nas mãos dos profissionais, Comercindo e Filomena curtem suas aposentadorias trabalhando. O casal ainda mora no mesmo endereço desde que chegou em Sinop, em uma casa simples. Comercindo continua ligado a terra. Em 8 hectares, ele formou um pomar com coco, acerola, banana, cupuaçu, açaí, goiaba e mamão. Nesse espaço, faz a produção comercial que abastece feiras da cidade e uma mini fábrica de polpas.
Boa parte das pessoas ouvidas pela Fator MT, nesse projeto de 50 anos de Sinop, relatam alguma história sobre esse casal de pioneiros, esboçando gratidão e admiração. Há, inclusive, quem diga que o que tem foi porque Comercindo ajudou. “Eu sempre gostei da pessoa que tem vontade de trabalhar e crescer. Então se eu ajudei, foi porque senti isso. Eu acho que apenas repito o gesto de boa vontade que também tiveram comigo quando eu comecei sem nada. Acho que isso faz parte da vida. A gente dá o que recebe”, ensina Comercindo.
Você vai ser prefeito!
Não foi uma pergunta, mas uma afirmação, feita pelo fundador de Sinop, Colonizador Ênio Pipino. Em 1982, a cidade precisava eleger seu primeiro prefeito, que sucederia o interventor nomeado em 1980, Oswaldo Paula. O primeiro nome que vem à cabeça do dono da Colonizadora é Comercindo Tomelin.
A frase não foi impositiva. Era quase um “pedido de favor” que Ênio fazia para Comercindo. O empresário então olha nos olhos do colonizador e responde: “eu tenho duas filhas lindas e não quero que elas sofram com isso”.
Ênio não teria construído o que construiu se aceitasse um primeiro não. À noite, ele vai até a casa de Comercindo dialogar com a família. Comercindo se atrasa no trabalho, chegando depois da polenta. Quando vê Ênio na mesa, logo dispara: “Se o senhor veio para jantar, é bem-vindo. Se está aqui para convencer minha família para eu ser prefeito, esquece”.
Vendo que seu pleito não seria atendido, Ênio puxa uma conversa macia sobre política. Discute com Comercindo quem poderia ser um bom prefeito. O empresário sugere Geraldino Dal Maso, e também Oraci Moro, de Vera. Geraldino acaba sendo o escolhido pelo “Grupo do Ênio” e chama Comercindo para ser vice. Recebe mais uma resposta negativa. Oraci, sua segunda sugestão, se torna o vice e a chapa ganha a primeira eleição da história de Sinop.
Comercindo nunca disputou um cargo público.
1974
Rosana Martinelli

A RESILIÊNCIA DA MULHER QUE ASSUMIU O COMANDO
Fibra e superação marcam a história da primeira mulher que Sinop alçou ao posto de prefeita. Pioneira, mãe, esposa e líder, uma mulher de negócios e também de purpurina, alguém que conseguiu servir a todos sem descuidar dos seus, envergando sem nunca quebrar
Praticamente todos em Sinop sabem quem é Rosana Dallastra Martinelli. É a primeira mulher eleita prefeita da cidade, a gestora que atravessou a pandemia. Esse é um resumo muito superficial. Nos 50 anos que Rosana está em Sinop, ela já viveu o suficiente para 5 vidas. Sua história é marcada pela resiliência, com uma capacidade de superar e se adaptar frente às adversidades, em um desmedido e tragicômico exemplo de jornada dupla.
Rosana nasceu no dia 9 de dezembro de 1966, na cidade de Palotina, no Oeste do Paraná. Ela é a caçula da família, com 4 irmãos mais velhos. Seus pais, Valentim Dallastra e Domicilde Gasperin Dallastra, moravam em um sítio, típico da agricultura familiar, onde se plantava basicamente o que consumiam. O extra vinha da produção de hortelã. A erva era vendida para a fabricação de óleos essenciais.
Aos 6 anos de idade, Rosana se mudou para a cidade. O pai havia vendido o sítio. Com parte do dinheiro comprou uma casa na área urbana. O restante foi usado para abrir uma serraria, em sociedade com dois primos, no Norte de Mato Grosso – na região hoje conhecida como Castanhal, entre Sinop e Itaúba.
Na época, a Colonizadora Sinop dava um terreno na cidade para quem abrisse uma empresa. O lote que a família Dallastra recebeu ficava na esquina da Avenida dos Jacarandás com a Avenida das Figueiras – hoje centro da cidade, mas que na época ficava na quina da porção que havia sido aberta. Valentin construiu uma casa no terreno, e em 1974 trouxe sua família para Sinop. No mesmo caminhão que trazia a mudança, a mãe e os 5 filhos se revezavam entre a cabine e a carroceria, alternando conforme o cansaço. Na noite de 21 de abril, eles chegam no que seria o novo lar. “Eu tinha só 8 anos de idade e para mim toda a viagem foi uma aventura. Eu lembro que quando chegamos só tinha aquela pequena clareira aberta na floresta, que a gente vê nas fotos mais antigas de Sinop. Quando chegamos estava chovendo. A coisa que eu mais estranhei foi o cheiro do local. Era muito forte e muito ruim”, conta Rosana, em uma clara menção ao odor de peroba, árvore abundante na área onde Sinop foi instalada que, apesar de ter uma ótima madeira para construção, fede como excremento.
A família chegou no ano que a cidade foi fundada e participou da solenidade de fundação, que foi realizada no local onde hoje estão as ruínas do prédio histórico do Restaurante Colonial. A festa foi bem na frente da casa dos Dallastra. Rosana lembra que as crianças foram colocadas em fila, com bandeirolas na mão, para recepcionar as autoridades – gesto que era repetido em qualquer solenidade dali pra frente.
Em Sinop, Rosana teve uma infância “raiz”. Brincava de casinha nas leiras de galhos arrastados dos terrenos abertos e andava de bicicleta por tudo. O bosque da Praça da Bíblia, na época era um mato. Ela lembra das vezes que viram pegadas de onça enquanto brincavam dentro da mata e da vez que um caçador matou uma onça e trouxe para cidade. “Era um monte de criança brincando naquele mato, sem ter noção do perigo. A gente se agarrava nos cipós e se balançava. Um dia eu cai um tombo feio e fiquei 24 horas sem conseguir falar”, lembra Rosana.
Nessa época, em um dia normal na residência dos Dallastra, a carne na panela era de paca. A casa recebia uma visita frequente, dos funcionários da Sucam (Superintendência de Campanhas de Saúde Pública), passando veneno do lado de dentro e de fora. Essa era a política pública para combate da malária no Norte de Mato Grosso da década de 70.
O começo não foi nada fácil para a família. Além das dificuldades enfrentadas por todos migrantes dessa leva – como falta de energia elétrica, água tratada, saneamento, comunicação, logística e abastecimento –, os Dallastra tiveram um infortúnio. Todo sustento vinha da serraria que Valentin montou. Só entrava dinheiro na casa se o pai puxasse tora, serrasse e vendesse. Foi assim até que o patriarca sofreu um grave acidente com um caminhão carregado de toras. Ele teve uma fratura exposta no tornozelo. Valetin foi socorrido e encaminhado ao Hospital Celeste – única estrutura de saúde na cidade, com um único médico, Dr. Silvestre. Valetin sobreviveu, mas não conseguiu mais voltar ao trabalho na madeireira depois disso. Sem sua presença, a serraria faliu.
Nos meses seguintes, o arrimo da casa foi Juarez, o irmão mais velho de Rosana. Ele havia feito um curso e abriu uma oficina de conserto de motosserras. O negócio funcionava na casa da família. Como a extração de madeira era a principal atividade da primeira década de Sinop, motosserras a gasolina e óleo dois tempos eram as principais ferramentas. Não faltou motor para Juarez consertar, e com isso conseguiu calçar seus pais e irmãos. “Durante um bom tempo, quem bancou a casa foi meu irmão”, recorda Rosana.
A escola que tinha na cidade era o Nilza. Rosana lembra que começou estudando junto com 3 turmas de outras séries na menor sala da pequena instituição. Ela guarda um carinho grande pelo Professor Perdigão. José Marques Perdigão começou lecionar Educação Física no Nilza em 1977 e ficou na função por 30 anos. Ele também foi o primeiro instrutor de fanfarra, da qual Rosana participou. Perdigão foi o responsável por desenvolver o Handebol em Sinop. Na década de 90, as escolinhas do professor chegaram a ter 600 alunos. Rosana praticou a modalidade desde cedo até a sua fase adulta.
“O professor Perdigão foi muito importante para mim, para muitos jovens e para cidade. Ele tinha uma disciplina rigorosa, mas também acreditava nos atletas. Perdigão ajudou muita gente a se aperfeiçoar através do esporte”, avalia Rosana. “Nossa vida era escola e treino. Lembro quando viajávamos para participar dos jogos em outras cidades ou concursos de fanfarra. Uma vez, quando ganhamos em Alta Floresta, retornando para Sinop tinha um comboio de veículos na BR-163 para recepcionar a equipe. Foi uma época incrível”, completa Rosana.
Aos 12 anos de idade ela já fazia algumas diárias como babá. Também fez curso de datilografia, o que lhe ajudou a conseguir um emprego no Banco Bradesco aos 14 anos de idade. Com o primeiro salário comprou uma Caloi 10, bicicleta que guarda até hoje como uma relíquia e como memória para não esquecer que, antes disso, ia para o trabalho a pé. No ensino médio, fez o curso técnico de Contabilidade, evoluiu de função no banco e então emplacou uma GC Honda, vermelha, para chamar a atenção. “Eu era a única mulher de moto na cidade”, brinca Rosana.
Nos idos de 1984, um dos principais eventos sociais da cidade era o Carnaval, no estilo de salão, promovido pelo CTG (Centro de Tradições Gaúchas). Cada turma montava seu bloco, se reunia em um local e depois marchavam para o barracão do CTG Porteira da Amazônia – que anos depois virou o Amazônia Clube. O “esquenta” do bloco que Rosana integrava era na casa de Neide Lopes – provavelmente a primeira colunista social da cidade. Todos fantasiados, rumavam para festa com os candidatos a Rei Momo e Rainha do Carnaval. Foi no Carnaval de 1984, com 17 para 18 anos de idade, que Rosana ganhou sua primeira eleição, sendo escolhida como Rainha do Carnaval. Ao seu lado estava, outro candidato vitorioso: Plínio Callegaro, o primeiro vereador de Sinop, naquela noite escolhido como Rei Momo. “A gente se preparava o ano todo para o Carnaval, fazíamos as fantasias em casa, reuníamos o pessoal. Virava a madrugada pulando e no outro dia ia trabalhar. Nunca mais Sinop teve um Carnaval assim”, lembra Rosana.
Foi em um desses bailinhos que Rosana acabou se aproximando e fazendo amizade com Osmar Martinelli. Era uma cidade pequena e os dois já tinham se conhecido no Bradesco. Osmar era agrônomo, contratado pela Emater, e veio com a família do Paraná com o propósito de investir em pecuária. Isso no resto do ano, porque durante o Carnaval, Osmar era membro ativo do “Bloco das Piranhas”, formado por homens, que se vestiam de mulher, da forma mais caricata possível. “O Osmar era o homem mais bonito da cidade, agrônomo, inteligente. E como se não bastasse, andava por Sinop com uma Honda CB 400, preta e uma camionete F-1000. A mulherada toda caia em cima dele”, revive Rosana, que tal qual a Caloi 10, também guarda a “lendária” moto do galã em seu acervo pessoal.
Os dois começaram a namorar em 1986, dois anos depois daquele Carnaval. Nesse mesmo ano, Rosana concluiu o ensino médio e pediu demissão do Bradesco. Ela já vinha atuando em paralelo em outros dois empregos, em uma revenda de máquinas e em um escritório de uma agropecuária. Trabalhava durante o dia e treinava handebol a noite. “Nosso time era muito forte”, garante.
Em 1987, Osmar e Rosana casaram, ele com 27 anos e ela com 21. Em 1988, conta Rosana, a cidade estava bem desestruturada e um grupo começou a se reunir com o propósito de eleger Adenir Barbosa para prefeito. Várias lideranças locais foram chamadas para compor com o projeto, construído para eleger pela primeira vez alguém que não fosse o “preferido” da Colonizadora Sinop. Osmar e Rosana se envolveram na empreita, trabalhando nas bases e pedindo voto. Osmar foi eleito vereador, compondo a segunda legislatura da cidade até 1992, em um período onde foram estabelecidas as leis orgânicas municipais e o regimento interno da Câmara. No segundo mandato de Adenir, entre 1997 e 2000, Osmar foi chamado para dirigir o departamento de Tributação da Prefeitura. “Eu viajava muito com a dona Zezé, a primeira-dama, buscando ações para Sinop. Estava sempre nos bastidores, trabalhando com o Osmar pelo município”, lembra Rosana.
Osmar não pleiteou a reeleição. Nesse hiato de mandatos, o casal trabalhou junto na pecuária, que se especializou na produção de Nelores P.O. (Puro de Origem), genética que consagrou a criação de gado no Norte do estado. No começo da década de 90, o casal arrendou uma fazenda em Lucas do Rio Verde. Em 1993, decidiram investir no segmento de beneficiamento de madeira para exportação, fundando a Madenop Indústria e Comércio de Madeiras. A proposta era implantar uma indústria moderna para fabricação de decks e vigas lamelares com madeira tropical. Os maquinários para operação foram importados da Itália. Osmar foi até São Paulo para recepcionar o equipamento e enviar para Sinop. No trecho, próximo a Jaciara, o ônibus em que estava sofreu um acidente grave. Osmar ficou bastante ferido, fraturou costelas e teve que retirar o baço.
Recuperados do trauma, Osmar e Rosana fizeram a Madenop funcionar. Naquela época, a indústria de beneficiamento mais fino de madeira em Sinop era a produção de compensado. Não tinha estufa para secagem na cidade. As plainas nacionais não davam o acabamento exigido pelo padrão internacional. O casal teve que fabricar as ferramentas e estruturas que não conseguiu importar para conseguir produzir dentro da exigência do mercado externo.
Quando a produção foi organizada, o casal foi atrás do mercado. Percorriam feiras internacionais levando um catálogo com as amostras de produto. Foi através dos pioneiros do deck que a madeira de Sinop foi conhecida pelo mercado internacional. As peças feitas em Cedrinho iam para os Estados Unidos. Já o beneficiamento com Cumaru (também chamado de Ipê Champanhe), encontrou clientela na Bélgica. A empresa chegou a fornecer madeira para a construção do “Burj Al Arab”, popularmente conhecido como o “Hotel em forma de Vela”, um prédio de 60 andares erguido sobre uma ilha artificial, em Dubai.
Com a realização profissional encaminhada, a única coisa que faltava era deixar uma semente. Depois de um tempo, o casal descobriu que Osmar não podia ter filhos. “E ele era louco por criança”, pontua Rosana. Ou eles tentavam a inseminação artificial ou adotavam. Foram na primeira opção. Rosana procurou em São Paulo especialistas da área e após vários exames iniciou um tratamento. Medicação em grandes quantidades e procedimentos desgastantes marcaram o processo. Rosana não engravidou. Depois de um tempo, reiniciou o tratamento e tentou mais uma vez. E depois outra. Após 3 tentativas, estava claro que Rosana não teria a experiência de ser gestante. Lhe restava a de ser mãe.
O casal foi para fila de adoção. Após um ano de espera, a primeira oportunidade. Osmar queria um menino, mas adotar não é como entrar em um supermercado e escolher um produto. Porém, o recém-promovido a pai teve sorte. Em 2001, o lar do casal recebe Osmar Martinelli Junior, ou Osmarzinho, como passou a ser chamado. “Nos informaram do dia para noite que tinha chegado nossa vez na fila da adoção. Eu cursava Administração na época e larguei tudo para preparar o quarto e as coisas do bebê. No começo, a gente não dormia e foi uma jornada para ensinar ele a se alimentar direito, mas tudo valeu a pena. Preencheu um espaço sem igual em nossa vida. Posso dizer sem sobra de dúvidas que o Osmar se realizou como pai”, revela Rosana.
Uma nova forma de amar
Osmarzinho crescia, os negócios andavam bem, os boletos estavam pagos e o casal vivia um momento de êxtase, compartilhando um novo jeito de amar. Tanto Osmar quanto Rosana tinham uma vida plena.
No dia 4 de setembro de 2004, um sábado, Osmar promoveu um churrasco no barracão da empresa para funcionários e convidados. Era época de campanha eleitoral. Então o evento era uma espécie de comício, em uma época em que uma carninha e uma cerveja, acompanhada de promessa política, não violavam a lei eleitoral.
Osmar fez o costelão, dividiu algumas geladas com a esposa, escutaram o Leitão e voltaram para casa. No dia seguinte, um domingo, Osmar sentiu fortes dores de cabeça, que não poderiam ser justificadas nem pela carne gorda, nem pela marca da cerveja ou o rumo da prosa. Relutou um pouco em procurar atendimento médico. Entretanto, o diagnóstico apontava para meningite. “Como ele perdeu o baço naquele acidente, ele teria que ter tomado a vacina. Mas acabou não tomando”, conta Rosana.
No incidente, Osmar perdeu tanto sangue que teve uma lesão cerebral. Precisava ser internado em uma UTI, que não existia em Sinop até então. Rosana chama uma UTI Aérea, mas no aeroporto da cidade não havia instrumentos para operar um pouso noturno. No dia 7 de setembro, em pleno feriado, amigos foram mobilizados para que com seus carros, com os faróis acessos, margeassem a pista do aeroporto para orientar o pouso do avião com a UTI móvel. Osmar foi levado para um hospital em Cuiabá, onde ficou internado em um leito de UTI e induzido ao coma. “Passamos 4 meses no Hospital em Cuiabá. Decidi que precisava encontrar outro recurso. Levei para São Paulo e, depois de 15 dias, no Hospital Albert Einstein ele teve alta”, conta Rosana.
Durante esses 4 meses, Rosana tentava lidar com a situação sem parar os negócios. A cada 15 dias, ela voltava para Sinop para tocar a indústria, se revezando com a família. “Durante esse período, em um esforço que me deixava no limite, aprendendo a lidar com essa situação e ouvindo todo mundo dizer que o quadro dele era irreversível. Ainda bem que não desisti”, desabafa Rosana.
Após o tratamento no Einstein, o quadro se estabilizou e então foi possível começar a perceber as sequelas. Rosana chegou a fazer um curso para aprender a cuidar de um paciente na condição que estava seu marido. Não haviam profissionais com essa qualificação em Sinop na época. Apesar dos esforços, depois do Natal de 2004, Osmar nunca mais falou.
As sequelas comprometeram sua capacidade motora e cognitiva. A família de Osmar chegou a pedir que o deixasse sob seus cuidados. “Eu disse ‘não’! Ele é meu marido”, rebateu Rosana. Dia após dia ela cuidou de Osmar, achando formas de dar qualidade de vida para seu esposo e aprendendo uma nova forma de amor. “Eu sempre pensava: ‘é melhor eu estar fazendo por alguém do que precisar que façam por mim’. Não era eu quem mais sofria. Era o Osmar”, reflete Rosana.
A única esperança de reverter o quadro de Osmar era o tratamento com células tronco, mas a ciência não se desenvolveu a tempo. No dia 25 de janeiro de 2021, aos 61 anos de idade, Osmar conheceu a morte. Foram 17 anos de vida sob o cuidado integral de sua parceira. “Osmar é o homem da minha vida”, disse Rosana na entrevista concedida no começo de 2024.
Vivendo pelos dois
Rosana tinha um filho de 2 anos de idade quando Osmar foi acometido pela doença. Ela precisava continuar sua vida, tanto por si, quanto pelos seus. Católica devota, Rosana acredita que a existência é um presente divino e como tal, não deve ser desperdiçado. Então ela começou a viver não apenas por si, mas pelos dois.
Osmar era um homem politicamente engajado. Sempre esteve envolvido nas causas de Sinop, sonhava em ser prefeito da cidade, mas agora não tinha mais pernas para correr atrás ou voz para reivindicar. Pelo menos não as suas.
Em 2007, Rosana é convidada pelo então prefeito Nilson Leitão para assumir a Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo da cidade. Ela havia acabado de encerrar as atividades da madeireira. Era o final do segundo mandato do gestor, mas foi o suficiente para marcar o ingresso, ou melhor, o retorno da família Martinelli ao campo político.
Quando sua passagem pelo Executivo municipal encerrou, em 2009, foi para Acrinorte. Osmar deveria ter sido o próximo presidente da entidade, o que só não ocorreu por conta da doença. Ao lado de Antônio Antoniolli e Aparecido Granja, Rosana foi secretária-geral da Associação, ajudando a promover a Exponop.
Em 2012, ela é convidada para ser candidata a vice-prefeita, na chapa encabeçada por Juarez Costa. Era uma migração para o outro lado do espectro político que havia atuado até então. “O Juarez precisava conquistar o apoio do agronegócio e da classe empresarial. As pesquisas apontavam que o meu nome agregava”, revela Rosana.
A dupla foi vitoriosa. Por 5 vezes ao longo do mandato ela assumiu o posto de prefeita. Era uma realização parcial do sonho de Osmar. Rosana acabou construindo seu espaço e crescendo politicamente. Em 2016, acabou tendo seu nome aprovado pelo grupo político e pelo seu antecessor. Lançou sua candidatura a prefeita em uma disputa direta contra dois pioneiros da cidade, ricos e militantes de longa data na política: Roberto Dorner e Dalton Martini. Venceu. Em uma eleição acirrada, com 39% dos votos válidos, Rosana se torna a primeira prefeita da história de Sinop.
Para os fortes, o fardo mais pesado. Rosana assumiu a Prefeitura em um dos momentos menos favoráveis desde a fundação. No cenário nacional, seu mandato foi antecedido pela crise que levou ao impeachment da presidente Dilma Rousser, a primeira mulher no comando do país. Dentro do estado, período do governador Pedro Taques, marcado pela total inércia. Em seu domicilio eleitoral, uma Prefeitura com uma dívida de precatórios na casa dos R$ 100 milhões (metade do orçamento anual da época), um monte de obras recém-inauguradas, como creches e postos de saúde, que precisavam ser operacionalizadas e a evidente necessidade de fazer uma reforma administrativa. “O contexto geral não era nada favorável. Não tinha dinheiro, não tinha gente e tinha um monte de coisa pra fazer”, lembra Rosana.
A prefeita começou pela reforma e pela implementação de tecnologias para aprimorar a gestão. Colocou o Restaurante Popular que estava pronto para funcionar, assim como escolas e unidades de saúde recém entregues. Conseguiu avançar bastante na reestruturação do aeroporto municipal e foi determinante no processo de atração da Inpasa, usina de etanol que se instalou em Sinop durante seu mandato.
Na função, Rosana conseguiu um financiamento de R$ 100 milhões para obras de asfalto e drenagem, levando o déficit de infraestrutura perto de zero. Talvez a marca mais evidente de Rosana como prefeita tenha sido na Educação. Os alunos da rede municipal passaram a receber apostilas, uniformes, inclusive tênis, além de farto material pedagógico, como mochila, cadernos e um estojo cheio. A iniciativa, que começou com Rosana, foi perpetuada no mandato seguinte e dificilmente algum prefeito conseguirá retroagir.
Passados 3 anos da sua gestão, quando conseguiu “organizar a casa”, chegou a pandemia de Covid-19, obrigando Rosana a lidar, mais uma vez, com algo novo. A gestora conseguiu imprimir uma boa performance durante a pandemia, organizando as equipes de saúde, promovendo uma comunicação clara e conseguindo equilibrar as interdições necessárias ao comércio, eventos e demais atividades que geram aglomeração de pessoas.
Ela poderia ter disputado a reeleição e acredita até hoje que teria vencido. Mas acabou abrindo mão pela família. “Minha família precisava de mim”, declarou Rosana. Desistir da reeleição permitiu a Rosana se dedicar mais a Osmar em seu leito de morte.
Mesmo sem cargo, Rosana não deixou de exercitar sua veia política. Assumiu o PL no município, e na eleição de 2022 se consagrou como suplente do senador Wellington Fagundes. Existe a expectativa de que ela assuma a cadeira no Senado Federal por um período de 4 meses em 2024. “Nesse momento, estou ensinando meu filho a trabalhar para que ele possa assumir os negócios da família no futuro e fazer a sucessão. Ele está tocando uma fábrica de esquadrias de alumínio. Em paralelo, continuo ativa na política, atendendo muita gente, discutindo e cuidando das causas de Sinop”, garante Rosana.
É sempre bom ter alguém para cuidar da gente.
1974
Fundação de Sinop

CELEBRAÇÕES DE FUNDAÇÃO DE SINOP
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Dois anos após a abertura das primeiras ruas, quadras e avenidas, e a chegada das primeiras famílias pioneiras, foi realizada a fundação oficial de Sinop, que contou com a presença do Ministro do Interior, Maurício Rangel Reis, dos Colonizadores, de autoridades estaduais e federais, das famílias pioneiras e de um grande número de habitantes da Gleba Celeste
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Essa celebração aconteceu na manhã do dia 14 de setembro de 1974, no antigo aeroporto da cidade
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As solenidades de fundação ocorreram na entrada principal da cidade, com o hasteamento das bandeiras ao som do Hino Nacional e o descerramento da Placa de Fundação de Sinop
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Após as solenidades oficiais, foi realizado o desfile comemorativo, na Avenida dos Mognos (atual Gov. Júlio Campos), que contou com a participação da Banda da Polícia Militar de Mato Grosso, alunos, professores, esportistas e famílias pioneiras de Sinop e da Gleba Celeste
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Concluído o desfile cívico, foi celebrada a Missa de Fundação de Sinop, na Capela Santo Antônio, pelo Bispo D. Henrique Froelich, na época Bispo de Diamantino
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Após a missa, foram feitas três inaugurações em Sinop: do posto dos Correios, do Posto da SUCAM e e das primeiras salas de aula
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Concluidas as solenidades oficiais, a Colonizadora ofereceu um grandioso almoço de confraternização às autoridades, convidados e famílias pioneiras, numa área localizada na confluência das avenidas Jacarandás e Figueiras, onde mais tarde seria construído o resturante O Colonial