Linha do Tempo, Sinop 50 anos
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1976
Grupo Machado

O MACHADO QUE ABRIU A PICADA DO VAREJO
Sinop chega aos 50 anos como o maior centro comercial do Norte de Mato Grosso, pulverizada com lojas e franquias das grandes marcas e com os dois maiores players do varejo nacional instalados em seu território. Essa clareira de progresso no portão da Amazônia Legal começou a ser aberta por 3 irmãos, na casa dos 20 anos de idade, que com um afiado instinto empreendedor ergueram uma rede de supermercados que o sinopense aprendeu a chamar de sua
“Você já deu uma passadinha no Machado hoje?”. Esse é um dos slogans dos vários jingles da maior rede varejista do Norte de Mato Grosso. A frase faz menção ao hábito corriqueiro de ir uma ou até duas vezes por dia, em uma das 7 lojas de atacarejos e supermercados que o Grupo Machado tem em Sinop. Lojas grandes, muito estruturadas, espalhadas pela cidade, com outros comércios agregados e que ficam abertas até tarde da noite ajudam a criar essa dependência diária. Com o “Machado” é muito fácil de se abastecer em Sinop. Na cidade, o supermercado tomou para si a função de padaria, de açougue e da quitanda, tamanha sua presença. Hoje o sinopense pode ir ao Machado uma vez por dia, mas quando tudo começou, era o Machado que vinha até o sinopense, com sorte, mais de uma vez no mês.
A história da maior e mais tradicional empresa supermercadista de Sinop começa em um “Brejão”, primeiro nome dado a cidade de Álvares Machado, pequeno município do interior de São Paulo, próximo a Presidente Prudente. Foi nesse local que Joaquim Martins Boigues se estabeleceu, teve filhos no final da década de 40 com Dolores Martinez Martins e operou um pequeno comércio.
O primeiro filho foi Irineu Martins, nascido em 4 de setembro de 1948. Em 23 de setembro de 1950 nasceu Joaquim Martins Neto e em 15 de março de 1953, João Carlos Martins. Esses três irmãos são os fundadores do Grupo Machado.
Ainda no interior de São Paulo, no final da década de 60, os irmãos faziam o transporte e venda de mercadorias. Eles compravam em Presidente Prudente e com uma camionete a gasolina rodavam pelas cidades menores, repassando os insumos. Na década de 70 veio a crise do Petróleo. Os Estados Unidos prestou apoio a Israel na Guerra do Yom Kippur, e em retaliação os países árabes organizados na OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), baixaram os estoques. No ano de 1974, em 5 meses, o petróleo teve um aumento global de preço de 400%.
O custo e a escassez da gasolina tornaram a operação dos irmãos Martins inviável. A saída brasileira foi o Proálcool, um programa federal para promover a substituição da gasolina pelo etanol. Mas a primeira leva de veículos com o novo combustível só chegaria no começo da década de 80.
A saída encontrada pelos irmãos foi tentar vender mais longe – fazer um frete longo ao invés de vários curtos. Havia notícia de ouro sendo encontrado no Norte de Mato Grosso e garimpo é sinônimo de muitas bocas para alimentar. Foi assim que, em 1974, Irineu, Joaquim e João Carlos fizeram suas primeiras viagens para a região. Um primo, Flávio Martins Simone, também participou da empreita. “Na primeira viagem, não vendemos porque não tinha cliente. As cidades estavam todas começando. Só tinha posto de combustível e borracharia. Na volta, fomos tirando os pedidos e no retorno foi melhor. Dalí em diante começou a valer a pena”. Essa é a narrativa de João Carlos, em um registro feito no ano de 2016 – ele faleceu em março de 2021, aos 68 anos.
Era uma dupla por veículo, carregados com frutas, verduras e grãos, carga que depois foi sendo diversificada, e virou um armazém de secos e molhados sobre rodas. A passagem no Rio Teles Pires era feita de balsa. Às vezes, era preciso baldear a mercadoria do caminhão com barcos pequenos. A rota que começava em Presidente Prudente terminava na Gleba Cafezal – como foi primeiramente chamada a cidade de Colíder. “Nós vínhamos de caminhão trazendo os produtos e entregando nas cidades. Naquela época, entre o pedido feito pelas pessoas e a entrega, demorávamos dias por conta da distância e pela condição da estrada. Quando chegávamos na cidade, a pessoa já tinha pego o produto com outro caixeiro viajante. Então, no fim da nossa linha sempre sobravam produtos. Resolvemos montar um local para colocar esse produto para que ele fosse vendido mais tarde. Assim que nasceu nossa primeira loja”, conta Irineu Martins.
A Casa Machado, aberta em 1975, foi o primeiro estabelecimento do gênero instalado na região. O casarão de madeira, com 4 águas, paredes vermelho-terra, com janelas e portas azuis era o centro comercial de Colíder e redondezas. O comércio prosperou, mas o traçado da BR-163, aberto pelo Exército Nacional, rasgou Sinop ao meio, deixando Colíder fora do eixo. A logística gritava a necessidade de um posto antes do final da rota.
E foi assim que, em 18 de agosto de 1976, os irmãos abrem o Supermercado Machado, na Rua das Primaveras, no centro de Sinop. A loja, que opera ainda com o mesmo CNPJ, foi a matriz do grupo ao longo desses 48 anos. “Quando construímos esse supermercado em Sinop, a cidade não tinha prefeitura, não tinha delegado, não tinha banco, e o ônibus [transporte intermunicipal] estava começando. Não tinha polícia, não tinha ladrão, não tinha nada. Mas era muito bom”, brinca Irineu.
Irineu tinha 27 anos quando abriu as portas do primeiro supermercado de Sinop. Joaquim tinha 25 anos e João Carlos 23. Eram jovens que com suas economias do trabalho na estrada fundaram um negócio que anos depois seria o maior empregador da cidade, com mais de 2,5 mil postos de trabalho.
Sinop só seria levada à condição de município 3 anos após o Machado abrir as portas. O começo contou com todo tipo de adversidade. A rede de energia elétrica só chegou anos depois. A comunicação era na base do rádio e da sorte. A logística fazia jus ao lema militar de “Integrar para não Entregar” – era um local que estava sendo ocupado do zero.
Na década de 80, a rodovia aberta pelos militares já estava deteriorada. Fortes chuvas, nenhuma manutenção e o fluxo de caminhões carregados com madeira extraída da floresta empenaram a via. Irineu lembra que as condições da estrada praticamente fecharam seu negócio. “Chegou um momento que o estoque acabou. Não tinha mercadoria e não tinha como trazer, porque o caminhão não passava na BR-163, não chegava até Sinop. De Cuiabá pra cá, os caminhões chegavam a ficar 10 dias na estrada. Perdemos cargas inteiras de frutas e verduras que simplesmente apodreciam no trecho”, conta o empresário. Nessa época, parte do abastecimento da população local foi feito através dos aviões Buffalo, do Exército Nacional, com um forte racionamento de mercadoria.
Em 1983, quando a CDL Sinop foi fundada, o Supermercado Machado foi o filiado 001. No ano da constituinte, em 1988, Irineu foi convidado a ingressar na política, como candidato a vice-prefeito na chapa encabeçada pelo médico e pecuarista Adenir Barbosa. A dupla venceu a eleição e Irineu atuou como vice-prefeito de Sinop entre 1989 e 1992.
O tempo foi passando e a situação de Sinop foi melhorando, com a chegada da rede de energia elétrica e do asfalto. Os irmãos começaram a diversificar a atividade investindo na criação de gado. Envolvidos com a sociedade local, ajudaram a fundar algumas das entidades tradicionais, como a Acrinorte (Associação dos Criadores do Norte de Mato Grosso), o Rotary, a APAE e a primeira loja maçônica da cidade.
Em 1998, o Machado abriu sua segunda loja, na Avenida dos Tarumãs, adquirindo uma estrutura do antigo Mercado Cisne, reformando e ampliando. Entre a primeira loja e a segunda em Sinop, uma janela de 22 anos. Nesses 22 anos seguintes, o crescimento da rede solapou no ritmo local, com 5 novos supermercados e duas concessionárias de veículos abertas no período.
O primeiro empreendimento dessa nova fase foi o Machado Itaúbas, uma loja com 8.600 metros quadrados de área coberta que entregava para Sinop um supermercado digno dos grandes centros urbanos. A estrutura inaugurada no ano de 2001 atingiu sua relevância e, anos depois, foi o primeiro supermercado a abrir até a meia-noite, 7 dias por semana.
Em 2003, a rede ampliou sua capilaridade com uma nova loja no Jardim Primaveras, bairro mais populoso da cidade na época. Em 2006, o grupo, ainda na formação original, ergue um novo e moderno supermercado, similar ao Machado Itaúbas, na cidade de Colíder. Em 2009, o grupo faz uma cisão. Irineu e Joaquim ficam com Sinop e o eixo. João Carlos e o primo Flávio, com Colíder – que depois expandiria para Matupá e Alta Floresta.
Em Sinop, Irineu se concentrava em dobrar a aposta do Machado Tarumãs. No ano de 2008, na região do Grande São Cristóvão – uma das mais periféricas da cidade, as margens da BR-163 – o empresário abre o maior supermercado de Sinop até então. Chamado de “Machado SuperCenter”, o novo mercado começou com uma área construída de 18 mil metros quadrados. Além de uma loja maior que o Machado Tarumãs, o complexo contou com uma rede de 18 estabelecimentos. Era um “mini-shopping” para Sinop na época, com direito a duas salas de cinema e uma praça de alimentação. O SuperCenter tinha loja de eletrodomésticos, farmácia, loja de brinquedos, confecção, joalheria, choperia e até uma agência bancária. “O SuperCenter nasceu como um projeto pequeno, que foi sendo incrementado mais e mais. Até hoje é um dos poucos supermercados do país que contam com um cinema em anexo”, comenta Gustavo Pepinelli Martins, filho de Irineu com Maria da Graça Pepinelli, um menino que cresceu dentro do supermercado do pai, andando de bicicleta pelos estoques e que hoje é diretor-geral do Grupo. A pluralidade do SuperCenter tem muito do dedo de Gustavo.
Abrir esse gigantesco complexo comercial foi, em certa medida, uma resposta empreendedora. Sinop começava a tirar o pé da lama da crise que assolou a região entre 2004 e 2005, atingindo o setor madeireiro e também a agricultura. Quando o SuperCenter abre as portas, o Atacadão – marca do abissal Grupo Carrefour – anunciava a construção da sua primeira unidade em Sinop.
Era o primeiro dos grandes players a entrar no mercado que os Martins construíram. Era indicativo de que a cidade já era suficientemente atrativa para os tubarões do varejo. Anos depois, em 2020, o Assaí Atacado abriu sua loja em Sinop. Esses dois players juntos representam mais de 50% do setor de mercados no país. Ao longo da história, o Machado acabou abrindo a picada do varejo para os gigantes, mas o grupo não frigiu frente a concorrência. “Quando as grandes redes chegaram, havia uma concorrência conhecida, que forçou o Grupo Machado a se reconhecer, avaliar as possibilidades e identificar nossos potenciais, para fazer aquilo que nos diferenciava dos demais. Isso gerou um esforço que levou à superação. A concorrência bem aproveitada te aprimora”, afirma Gustavo. “Os serviços, a qualidade dos nossos produtos, a limpeza e organização das lojas são os diferenciais do Grupo Machado. A nossa busca é para que quando um cliente entrar em qualquer outra loja pense: ‘mas no Machado é diferente’”, completa Ricardo Zocolaro, diretor comercial do Grupo, que trabalha há mais de 20 anos na empresa.
Seguindo sua linha de expansão, o Grupo abriu em 2011 sua 6ª loja. Localizado na Avenida André Maggi, uma via que dá acesso a vários bairros com alta densidade demográfica, o Machado Vitória Régia surge com a mesma proposta do SuperCenter. Uma loja grande, com 8,5 mil metros quadrados de área construída e mais 13 estabelecimentos em anexo. É nessa loja que tempos depois o grupo cunha seu novo perfil de operação, o Super Atacado Machado. “Era uma loja grande, a mais nova da rede, e mesmo assim decidimos ‘reformar’, construindo quase que uma estrutura do mesmo tamanho ao lado, para ampliar a operação. É difícil acompanhar o ritmo de crescimento de Sinop, mas tudo que nós pensamos até agora e fizemos, deu certo”, pontuou Gustavo.
As lojas do “Super Atacado Machado” foram moldadas para disputar diretamente com os atacarejos. Elas operam de forma similar às unidades dos grandes players, mas com as singularidades do Grupo Machado.
Repetindo o feito do SuperCenter em 2008, o Machado se antecipa ao lançamento do Assaí Atacado e inaugura em dezembro de 2019 sua mais ousada loja. Inspirado nos melhores supermercados de Orlando, nos Estados Unidos, o Machado Aeroporto elevou mais uma vez o parâmetro do setor em Sinop. Implantado na Avenida Bruno Martini, eixo da cidade em franca e rica expansão, o Machado Aeroporto foi projetado para atender um público mais exigente e com maior poder de consumo.
A estrutura tem 12 mil metros quadrados de área construída, que abrigam um mix de 30 mil itens. “Passamos mais de um ano construindo essa loja, que tem padrões modernos e poderia estar instalada em qualquer lugar do país. É um supermercado projetado para dar conforto e facilidade aos nossos clientes e colaboradores”, declarou Irineu.
O “miolo” do Machado Aeroporto é ocupado pelos tradicionais corredores. São 7 no total, perfazendo 8 linhas de prateleiras que acomodam o “grosso” de um supermercado. Na área de hortifrutigranjeiros, foram instalados equipamentos de refrigeração, para manter a temperatura dos vegetais mais sensíveis. A variedade é um dos destaques dessa seção. É possível encontrar desde nêsperas frescas até pimentas exóticas.
Na parte de carnes, foram duas ilhas duplas para os congelados. Para as carnes frescas embaladas e demais refrigerados, o Machado Aeroporto conta com uma “parede” de área fria, equivalente a 24 geladeiras. De um lado dessa seção, o tradicional açougue, para o atendimento personalizado. Destaque para peixaria com fábrica de gelo. Do outro, um hall dedicado para o churrasco.
Na sequência estão os freezeres com as bebidas frias. Para dedicar mais atenção ao crescente mercado de vinhos, o Machado montou uma adega nessa nova loja. O espaço confortável tem expositores ideais para a bebida, luz tênue e até uma mesa central para eventuais degustações.
A loja também tem um espaço específico para os frios (queijos e embutidos), uma outra seção de gelados para os laticínios e comida congelada, além da panificação. Apostando na venda de comida pronta, o Machado Aeroporto conta com “mini-lojas” em seu interior. Há uma rotisseria, uma ilha com salgados, uma para montagem de pizza e outra para sushi. Outra novidade é um espaço separado especialmente para o café. Nesse local, dois moinhos de grãos foram instalados. É possível escolher o grão e moer na hora para levar para casa. Outra atração é o “mercadinho de importados”, um empório gringo dentro do Machado.
Os supermercados e os atacarejos (versão econômica) são dois dos três braços de atuação do Grupo Machado. O terceiro segmento é a parte de Atacado, que abastece estabelecimentos em praticamente todo o estado. Esse setor conta com 50 representantes que roda pelo Mato Grosso fazendo vendas. A central de distribuição opera até a meia-noite, recebendo pedidos e enviando os carregamentos com a larga frota do grupo.
Além da frota de caminhões, o Grupo adquiriu em 2017 duas concessionárias de veículo: Fiat e Mitsubishi. “Com a Mitsubishi nos ofereceram o prédio da concessionária e nós pedimos para que pudéssemos ficar também com as camionetes”, brinca Gustavo, lembrando de como surgiu a negociação. No ramo de veículos, em 2024, o grupo conta com 4 representações e 5 lojas, incluindo uma em Lucas do Rio Verde.
Desbravando na era moderna
Além de crescer, o Machado venceu o filtro do tempo e da concorrência se aprimorando. Ainda em 2016, o grupo lançou sua primeira plataforma de e-commerce, permitindo fazer o “rancho” pela internet. A inovação ganhou por 3 vezes o prêmio e-commerce mais eficiente do segmento supermercadista, na avaliação da Unilever.
O Machado também implementou um aplicativo para estimular o seu “Clube Mais” – uma espécie de cartão fidelidade, que em 2024 começa a trabalhar com a proposta de cashback.
Recentemente, os negócios do Grupo foram abraçados por uma holding, a GMP. Segundo Gustavo, as letras representam Grupo Martins e o “P”, as esposas dos fundadores: Maria Pepinelli, esposa de Irineu, e Marize Pichiori, esposa de Joaquim.
A gestão começa a ser transmitida para a segunda geração da família e também para um grupo de colaboradores de longa data. “Mas Irineu é nosso cajado guia”, aponta Ricardo. “O pai tem 50 anos de experiência com comércio. É claro que a gente aproveita o máximo dele”, completa Gustavo.
Um dos legados de Irineu seguido à risca pelos sucessores é o conceito de “gôndola cheia”. Seja por uma memória da falta de mercadoria nos tempos de logística precária ou por uma ideia de que a vida boa é a abundante, Irineu sempre quis que os corredores do Machado fossem lotados de produtos. “O pai sempre disse que a mercadoria tem que pular no carrinho do cliente”, replicou Gustavo.
Essa filosofia foi especialmente importante durante a pandemia. O grupo que sempre operou com estoques altos, se antecipou no momento em que várias atividades paralisaram e conseguiu garantir o abastecimento da cidade. “A gente comprou antes tudo o que a indústria conseguia fornecer. Teve um momento que a indústria não tinha mais embalagem (caixas de papelão). Isso porque as empresas de reciclagem não tinham mais a mão de obra dos catadores. Nós antecipamos essa situação. Chegamos a comprar itens na caixa de outro produto, tudo para garantir um bom estoque. E não faltou”, lembra Gustavo, citando o álcool em gel. “Até então vendíamos 300 unidades de álcool em gel por mês em toda rede. De repente, em menos de uma semana, foram 10 mil unidades. Mesmo assim fomos atrás e conseguimos repor”, completa.
O impacto foi tão grande na rede que houve momentos em que alguns supermercados operaram com 50% do quadro de funcionários – tamanho volume de afastamentos por questão de saúde. Uma suspeita de gripe já tirava os funcionários da escala. “Passamos muito medo, mas respondemos. Não faltou mantimentos em Sinop”, pontua Gustavo.
Para Ricardo, o que torna o Grupo Machado perene e relevante mesmo em uma cidade tão competitiva como Sinop é a capacidade de aperfeiçoamento. Ele cita que no quadro de 2,5 mil funcionários, há colaboradores com 40 anos de casa e muitos com mais de duas décadas. O diretor cita o volume de capacitações oferecidas à equipe, os processos de formação de líderes e o constante aprimoramento das unidades. Destaque para o volume de mulheres. Elas representam cerca de 90% entre os diretores. “O Machado é a empresa que mais investe em capacitação profissional em Sinop. Nossos diretores percorrem o Brasil em busca dos melhores conceitos de supermercado, de fornecedores e serviços. Hoje, cada loja do grupo foi montada dentro de uma técnica, de uma lógica, com um alto grau de organização e logística. Os hortifrúti, por exemplo, são retirados no local de produção, na roça, e são transportados por caminhão refrigerado até a gôndola. Tudo para manter frescor e qualidade”, explica Ricardo.
A afinação da equipe é tamanha que, em 2023, o Grupo iniciou a reforma e a ampliação da loja matriz, no centro da cidade, sem encerrar as operações. “Fizemos a manutenção com o avião em voo”, brinca Gustavo.
Irineu costuma dizer que ‘passado é passado, futuro é futuro e o presente é agora’ – e como tal deve ser aproveitado. Em um passado recente, o Machado investiu na aquisição de áreas. São 4 reservadas para novas unidades em Sinop. Destas, duas estavam sendo estudadas no começo de 2024, com projetos sendo modelados. Um deles, antecipa Gustavo, deve estar conjugado com outros negócios.
No presente, o Grupo trabalha na conclusão da sua primeira unidade na cidade de Sorriso. A loja de 20 mil metros quadrados é similar ao Machado Aeroporto, com a pretensão de atender vários públicos, mesclando mercado com empório. O Grupo ainda projeta um “super atacado” em Sorriso, que deve vir na sequência. “O Machado partilha da mesma mística em várias empresas no Brasil, que nasceram como familiares, conseguiram crescer e expandir, mas sem perder sua essência, sempre conservando um traço do seu fundador. E nada é mais conectado com a história do Machado que a cidade de Sinop”, afirma Gustavo. “O Machado faz parte de Sinop e Sinop faz parte do Machado. Cada sinopense tem sua loja preferida, onde se sente um pouco dono”, finaliza Ricardo.
1976
Dilceu Dal'Bosco

O LEGADO DAL'BOSCO
Ele chegou em Sinop quando tinha 9 anos de idade. Engraxou sapato para ajudar nas contas de casa, e graças ao futebol conseguiu emprego no banco. Mas quando teve a oportunidade de ser jogador profissional, desistiu para estudar e se formou engenheiro. Após enfrentar uma tragédia que quase apagou sua esperança, encontrou na política uma nova força, construindo uma carreira de impacto e realizações
Andar e andar até encontrar o seu lugar. Mais de 2,5 mil quilômetros de distância foram percorridos por Abel Dal’Bosco desde o local onde nasceu até onde finalmente cravou suas raízes para prover toda sua família.
A história desse gaúcho migrador começa em Antônio Prado (RS), a última colônia italiana criada pelo Governo Imperial em 1886, dois anos antes do fim da escravidão e três anos antes da proclamação da República. Abel era descende dos imigrantes italianos que formaram essa colônia no Rio Grande do Sul. Ele nasceu em 28 de agosto de 1937, filho de Armelindo e Rosa Dal’Bosco, agricultores que cultivavam cana-de-açúcar, produziam cachaça e rapadura.
No final da década de 50, a família cruzou o Rio Uruguai para ocupar o Oeste de Santa Catarina, que começava a ser povoado por migrantes gaúchos, majoritariamente descendentes de italianos e alemães. Abel se estabeleceu em Xaxim (SC). Lá, conheceu Gema Gasperine, outra filha de gaúchos descendentes de italianos. Gema nasceu em 26 de outubro de 1942, em Anta Gorda (RS). Seus pais cultivavam trigo e migraram para a região em busca de melhores terras.
Abel e Gema se casam em 1960 – ele tinha 23 anos e ela 17. O casal ganha uma colônia de terra em Jupiá (SC), na divisa com o Paraná, para se estabelecerem e começarem sua jornada. Nessa época, Abel trabalhava transportando madeira para uma serraria. A vida era simples e a sobrevivência exigia o árduo trabalho.
Em outubro de 1962 nasce a primeira filha do casal, Eva Dal’Bosco. Três anos depois, em setembro de 1965, nasce Dilceu Dal’Bosco. Abel negocia sua propriedade em Jupiá e muda com a família para Galvão (SC), ampliando um pouco suas terras. Lá, nascem Dilmar, em 1966, e Ladimir (popularmente conhecido como Billy), em 1968.
Com o bebê de colo, o casal se muda para Salto do Lontra (PR), em 1969. Sempre tentando buscar o melhor lugar para sua família, Abel arrasta todos para Nova Prata do Iguaçu (PR), em 1971. Em um intervalo de 11 anos, o gaúcho migrador morou em 5 cidades. Mas esse ainda não era o lugar para criar seus 4 filhos.
Em 1975, chega até Abel a informação de que o Norte de Mato Grosso estava sendo aberto e ocupado por migrantes sulistas, através de diferentes projetos de colonização. A promessa era de que com o valor das suas terras no Sul ele poderia adquirir propriedades muito maiores, em um lugar que o sol brilhava o ano inteiro e não havia frio para atrapalhar a produção. Com os corretores de imóveis ele vem conhecer o Norte do estado. Abel compra posses de terra entre Sorriso e Lucas do Rio Verde, no local que anos depois viria a ser chamado de Primaverinha.
A promessa de terra em abundância havia sido cumprida. O problema é que o vasto chão estava no meio do nada. Não havia estrutura alguma por perto. Abel então vem a Sinop, onde vê uma escola sendo construída. Como não abria mão que seus filhos tivessem acesso à educação, ele decide que irá se instalar com a família em Sinop, mas manterá sua terra em Primaverinha para produzir. “Lá, a vegetação era um cerrado baixo. Abel achava que seria mais fácil de abrir e fazer lavoura, comparado com Sinop, que era uma floresta”, conta Gema.
Em janeiro de 1976, em plena estação das chuvas, a família deixa Nova Prata com destino a Sinop. A viagem é feita em um caminhão Mercedes 1113. Abel e Gema vieram na cabine e os filhos na carroceria, junto com a mudança, embaixo de uma lona. Foram 10 dias de viagem até chegar no meio do nada.
O terreno comprado por Abel em Sinop ficava na Avenida das Embaúbas, ao lado de onde foi construída a Igreja Santo Antônio. Não haviam mais do que 20 casas na cidade. A escola que estava sendo construída quando Abel visitou havia ficado pronta. Seus filhos, na época com idades entre 12 e 6 anos, são matriculados no Colégio Nilza de Oliveira Pipino. “Eva fez parte da primeira turma formada no Colégio Nilza, e eu da segunda”, conta Dilceu Dal’Bosco.
Com um trator CBT, Abel tratou de abrir a propriedade em Primaverinha, que seria o sustento da sua família. O pioneiro passava dois meses investido na fazenda, até voltar para casa. Quando retornava, comprava mantimentos na unidade da Cobal (Companhia Brasileira de Alimentos), colocava em um saco, pegava o ônibus e voltava para o trabalho. No período das chuvas, era preciso pegar dois ônibus para fazer o trajeto. O primeiro levava até o Rio Lira, na divisa com Sorriso, onde todos desciam para fazer a travessia da ponte a pé, que estava encoberta pelas águas. Do outro lado, Abel pegava o segundo veículo para chegar até a propriedade. Com um financiamento pleiteado no Banco do Brasil de Rosário Oeste, Abel conseguiu formar sua primeira lavoura de arroz.
Enquanto isso em Sinop, a água também não dava trégua. Nessa época a cidade era chamada de “Sapolândia”, com suas ruas normalmente alagadas. Dilceu conta que, entre 1979 e 1980, as chuvas foram tão fortes que o pai precisou colocar toras de madeira, com pranchas por cima, para que a família conseguisse entrar e sair de casa. “A gente pescava da janela do quarto. Cansei de perder chinelo no barro. Se um caminhão passasse à noite carregado na rua, na manhã seguinte estava afundado na lama”, conta Dilceu.
Para a família se manter na cidade, os filhos buscavam as roupas sujas dos hóspedes de um hotel e levavam para a Gema lavar. Dilceu e Dilmar desde muito cedo trabalhavam engraxando sapatos, vendendo picolé e bolo pelas ruas da cidade. Com 11 anos de idade, Dilceu conseguiu um emprego na Lanchonete do Gordo, como era chamado o comerciante Manoel Rafael de Andrade. Lá ele atendia no balcão e fazia sorvetes. “A energia elétrica que tinha na cidade vinha de um gerador montado pela Colonizadora Sinop”, lembra Dilceu.
Aos 12 anos de idade, o menino foi trabalhar no Armazém de Secos e Molhados do Gauchinho, que foi o primeiro comércio de Sinop. Quando não estava trabalhando ou estudando, Dilceu jogava futebol. Embora fosse baixinho para a idade, o menino tinha desenvoltura com a bola. A ponto de chamar atenção dos funcionários do Bradesco. Nessa época havia uma acirrada disputa esportiva na cidade, promovida entre os times de futebol de diferentes empresas. Para reforçar sua equipe, o banco costumava recrutar seus funcionários no campo de futebol. Ser bom de bola contava muito no currículo dos candidatos a estagiário do Bradesco de Sinop.
Dilceu acabou sendo convocado para trabalhar no banco quando tinha 15 anos de idade. Ele era tão baixo que não alcançava no caixa, precisando de um banquinho para atender os clientes. Depois de 2 anos trabalhando no Bradesco, Dilceu recebe uma proposta de Balduíno Pan para trabalhar na Madeireira Braço Norte. O novo patrão dobrou seu salário do banco para que ele fosse gerenciar a serraria.
Enquanto os meninos iam encontrando seus caminhos na cidade, Abel enfrentava dificuldades com sua lavoura. Ele acabou não conseguindo honrar com as parcelas de um financiamento que fez para comprar uma colheitadeira. Incomodado com a dívida, o pioneiro acaba vendendo a propriedade em Primaverinha, no ano de 1981, para quitar a conta. “Meu pai era um homem que cortava o cabelo sempre no mesmo barbeiro. Um dia, ele acabou esquecendo a carteira em casa e o barbeiro disse que não havia problema, que ele poderia pagar na próxima. No dia seguinte meu pai saiu de casa e foi lá pagar. Ele não suportava ficar devendo. Não achava certo”, revela Dilceu.
Depois de pouco mais de um ano trabalhando na madeireira, Dilceu foi para Cuiabá tentar a carreira esportiva. Com 17 anos, ele é contratado para a equipe profissional do Operário Futebol Clube. Dilceu gostava da bola, mas não era deslumbrado. Quando estava nos treinamentos, via os grandes craques da época, Bife, Mosca e outros chegando no estádio de ônibus, com a chuteira na mão. Quando encerravam os 90 minutos de partida, não havia glamour ou reconhecimento. Dilceu logo percebeu que não queria aquela vida.
Então, começou a fazer cursinho pré-vestibular, e no segundo semestre de 1983, com 17 anos de idade, entrou para o curso de engenharia elétrica da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso). A escolha da carreira teve uma influência da Sinop Agroquímica. Na época o Colégio Nilza implantou no 2º grau a formação em Análises Químicas, a fim de gerar profissionais para a indústria. Dilceu fez esse curso e acabou percebendo que tinha aptidão para as disciplinas de exatas. “Era meio estranho querer ser Engenheiro Elétrico vindo de uma cidade que não tinha energia”, comenta.
Nesse período morou com uma tia em Cuiabá. Com a cabeça focada nos estudos, Dilceu esqueceu do futebol, mas nunca se desligou de Sinop. Nem mesmo quando a sua família deixou a cidade em 1984, indo morar no bairro Cristo Rei, em Várzea Grande. O que mantinha aceso o vínculo com Sinop era uma garota. Dilceu conheceu Cristhiane Archer nos Jogos Olímpicos da cidade, antes de ir para faculdade. Toda oportunidade que tinha, ele voltava para ver a namorada. Em 1988, quando concluiu a graduação e se tornou engenheiro elétrico, os dois se casaram. “Nesse retorno para Sinop, enquanto não casava, fiquei morando na casa do meu futuro sogro, em uma edícula nos fundos. Eu passava a noite nesse lugar fazendo meus primeiros projetos”, conta Dilceu.
Seu primeiro projeto foi para a Macon, uma empresa de materiais elétricos que começou como loja de material de construção. Dilceu projetou uma rede monofásica para um condomínio. Também conseguiu alguns serviços com a Instaladora Cometa. Ainda em 1988, nasceu Diego, o primeiro filho do casal.
As coisas começam a melhorar para o jovem engenheiro quando ele consegue um grande contrato em Lucas do Rio Verde. Uma empresa queria implantar uma rede monofásica, dos geradores da Rede Cemat (Concessionária de Energia), até seu endereço. Dilceu tinha feito o projeto, e ao saber que o contratante procurava outra empresa para executar o serviço, se ofereceu para a empreita. Nesse momento, o engenheiro era apenas um projetista, nunca havia executado nada. Ele contrata 4 funcionários, compra um caminhão, os postes, fios e demais materiais necessários e peita a obra.
O contrato, com um valor equivalente a R$ 700 mil, dá um empurrão na vida financeira de Dilceu e é também o marco da sua carreira como empresário. Em 1992, ele funda a Eletro Amazônia. Com a empresa, passa a executar boa parte das ligações de energia elétrica da cidade, conectando comércios e indústrias aos geradores da Cemat. A rede de energia, por linhão, só chegaria dois anos depois, no final de 1994.
Em 1993 nasce Gabriela, a segunda filha do casal. Com a cidade crescendo e querendo consumir energia elétrica, a empresa de Dilceu prospera. Seus irmãos, Dilmar e Billy, passam a trabalhar na Eletro Amazônia. A família toda havia retornando para Sinop em 1990. O sonho sinopense começava a se materializar.
Até que no dia 6 de junho de 1998, a luz se apaga. Dilceu fazia uma viagem em seu Fiat Tempra com a família. O engenheiro guiava o carro, com sua esposa no banco do passageiro e os dois filhos atrás. Quando estava perto de Nova Mutum, o carro sai da pista e bate em uma árvore. “Eu nunca consegui lembrar ao certo como foi que ocorreu o acidente. Muitas das minhas memórias dessa época foram apagadas pelo trauma”, conta Dilceu.
O engenheiro foi socorrido com vida e encaminhado para um hospital em Cuiabá. Enquanto ele ia para capital, o corpo da sua esposa e dos seus dois filhos seguiam para o caminho oposto. Assim que seu quadro de saúde se estabilizou, Dilceu veio de avião para Sinop. Seus irmãos, Billy e Dilmar, foram recebê-lo. Um de cada lado, como se tentassem sustentar Dilceu, os irmãos deram a notícia. “Cheguei na nossa casa e vi o caixão da mãe com os dois caixões dos filhos no lado. Foi desolador. Meu chão se abriu. A gente nunca esquece a perda dos filhos, apenas se acostuma com a ideia e tenta seguir a vida”, comenta Dilceu.
Para tentar dar um choque no viúvo, sua família e amigos trataram de manter Dilceu ocupado. O envolvimento direto com a política liga uma nova chave na cabeça de Dilceu, que consegue passar por cima de seu luto. Mantendo-se ligado à política, Dilceu foi coordenador de campanhas de vereadores e deputados.
O mesmo grupo formado na campanha de 1998 se manteve sólido e cresceu em 2000, com a eleição para a Prefeitura de Sinop, coordenando essa campanha. Com a vitória, o engenheiro é nomeado Secretário Municipal de Governo e, depois, de Finanças em janeiro de 2001. Para se dedicar à função pública, Dilceu se afasta da empresa, que passa a ser administrada pelos irmãos. “Meu patrimônio foi construído com a Eletro Amazônia”, revela Dilceu.
Em 2002, o grupo político estava ainda mais forte. O PSDB discutia quem seria seu candidato a deputado estadual naquele pleito. Haviam nomes de peso, como da vice-prefeita e herdeira política do finado deputado Jorge Abreu, Sinéia Abreu, o vereador de 3 mandatos José Pedro Serafini e o também vereador Paschoal Gimenes Hidalgo, o PC da Cerâmica. “O partido queria que eu fosse o candidato. Trancamos as portas do gabinete, dizendo que só sairíamos dali quando definíssemos quem seria o candidato. E foi assim que me tornei político. Dinheiro para campanha nós nunca tivemos, mas tínhamos um grupo forte, comprometido, o que ajudou a construir minha candidatura”, avalia Dilceu. Naquele pleito, conquista uma cadeira na Assembleia.
Como deputado, Dilceu tratou de “olhar Sinop de cima”, buscando ações regionais que refletissem positivamente para a cidade. Foi assim que viabilizou a estrada entre Marcelândia e Cláudia, reduzindo em 70 quilômetros o acesso até Sinop. Outro exemplo foi a MT-010, conectando a região do Simione à MT-220. Em 2004, quando estourou a crise do setor madeireiro, em decorrência de uma sequência de operações ambientais, Dilceu presidiu a comissão de Terras e também de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa. “Tive a oportunidade de conduzir o projeto do Zoneamento Socioeconômico Ecológico de Mato Grosso. Nesse trabalho, estive pelo menos duas vezes em cada um dos 141 municípios. Nosso estado tinha problemas com ONGs e com reservas indígenas que precisavam ser equalizados para que a produção crescesse sem travas. Como presidente, consegui concluir o Zoneamento, levando o projeto para votação e sendo aprovado. Estabelecemos com esse trabalho a segurança jurídica do uso das terras de Mato Grosso”, afirma Dilceu.
Na eleição de 2006, Dilceu é recontratado pelo eleitorado para atuar como deputado por mais 4 anos. No pleito de 2002, ele havia acumulado 21.490 votos, sendo o 10º deputado mais votado. Na reeleição, aumentou seu capital político para 30.159 votos, sendo o 9º mais votado.
Em 2010, Dilceu, já no DEM, foi convocado pelo seu partido para disputar a eleição como vice-governador, na chapa encabeçada por Wilson Santos (PSDB). Era um pleito duro, contra Silval Barbosa e seu gigantesco palanque político, montado dentro do Governo do Estado, enquanto era vice de Blairo Maggi. O “grupão” acabou vencendo no primeiro turno e a chapa com Dilceu ficou em terceiro lugar.
Mas os Dal’Bosco não perderam sua cadeira na Assembleia. No mesmo dia que anunciou sua candidatura como vice-governador, Dilceu trouxe para a luz da política Dilmar, que disputaria a vaga de deputado estadual. “Eu conheço meu irmão desde que ele nasceu e posso afirmar que ele será melhor deputado do que eu fui”, discursou Dilceu naquela coletiva de imprensa. A transferência de votos não foi automática, mas a estrutura de campanha e o prestígio acumulado por Dilceu garantiu a eleição do irmão. Dilmar somou 22.284 na sua campanha, entrando na Assembleia Legislativa, com o coeficiente eleitoral. Uma vez provado, fez jus à fala do irmão. Em 2014, ele se reelegeu com 38.290 votos, foi reconduzido ao cargo em 2018 e também no pleito de 2022, quando somou 42.156 votos, sendo o 7º mais votado. “A política do meu tempo foi diferente dos mandatos do meu irmão. Dilmar trabalha muito mais pelo estado, de uma forma geral. Ele abriu o leque. Já eu buscava ser mais ativo na região”, explica Dilceu.
Em 2012, o ex-deputado voltou a ser recrutado pelo partido para outro pleito difícil. Dessa vez Dilceu deveria enfrentar o prefeito de Sinop e candidato à reeleição, Juarez Costa – que além de ter grande aprovação, estava totalmente alinhado com os governos do Estado e Federal. Dilceu somou pouco mais de 38% dos votos válidos.
Dilceu não foi prefeito de Sinop, mas ganhou uma primeira-dama. Para cuidar da parte jurídica da campanha, o grupo contratou a advogada Aline Villa. Os dois já se conheciam. Aline foi estagiária no gabinete de Dilceu quando era deputado. Com a campanha em Sinop, os dois acabaram se aproximando e, alguns anos depois, um relacionamento surgiu.
Embora tenha morado na encharcada Sinop da década de 70, Dilceu nunca havia pego malária. Em 2013, durante uma visita a Guatá, distrito de Colniza, no Norte do estado, a doença o alcançou. De volta a Sinop, ele procurou atendimento e fez uma série de exames. Dias depois, já fora do hospital, uma médica amiga recomendou que ele também fizesse o PSA – exame de sangue que detecta o câncer de próstata. Dilceu se submete ao procedimento, que mostra alteração. Uma biopsia é realizada em Cuiabá, apontando um tumor de estágio 7. Quando a análise é repetida em São Paulo, já estava no nível 8 e na patologia chega ao 9. “Quando dizem que Deus escreve certo por linhas tortas, é verdade, se eu tivesse ganho a eleição em 2010, ou em 2012, eu jamais faria aquela viagem para Colniza, não teria pego malária e feito os exames que me levaram a descobrir que estava com câncer. Eu iria me focar no trabalho e não faria os exames, porque não sentia dor. Teria descoberto muito mais tarde, quando o tratamento talvez não surtiria mais efeito”, acredita Dilceu.
Em 2014, ele faz uma segunda cirurgia para a remoção de um novo tumor. Durante todo seu tratamento, Dilceu fez questão de deixar o assunto público, como uma forma de alertar outras pessoas para a doença. Várias pessoas próximas de Dilceu acabaram descobrindo e tratando câncer a partir do seu contato.
Dilceu continua seu tratamento até hoje, tomando sua medicação diariamente. Ele não tem limitações e repete exames pelo menos uma vez ao ano. Ao longo da sua vida, Dilceu teve outros filhos: Lucas, Ianka e José Eduardo Dal’Bosco. Em 2017, seu relacionamento com Aline dá a Dilceu a oportunidade de uma nova paternidade, com o nascimento de Dilceu Dal’Bosco Filho, em Miami, no Estados Unidos. “Com meus primeiros filhos eu não consegui aproveitar. Estava correndo na vida para tentar vencer. Agora, mais velho, a cabeça é outra. A gente ganha mais tranquilidade e discernimento para lidar com os filhos. O Dilceuzinho é uma benção em minha vida”, declarou. A segunda geração depois de Dilceu também começou: ele é avô de Vitório Antônio Orlando Dal’Bosco, de 6 anos, filho de Lucas e da nora Camila.
O legado da Sinop Agroquímica
Quando a família Dal’Bosco chegou em Sinop, já se falava nas ruas sobre uma usina de álcool que seria construída e alavancaria o crescimento da região. O boato se torna fato em 1979, quando inicia a construção da Sinop Agroquímica, projeto motivado pela Colonizadora Sinop, financiado com recursos do Governo Federal, que implantaria na cidade uma usina de etanol fabricado usando mandioca como matéria-prima.
A indústria funcionou por um tempo, até encerrar suas atividades em 1987. O negócio frustrado criou um passivo financeiro para a Colonizadora Sinop, que foi detectado pelo empresário João Carlos De Nez. No ano de 2001, João vem a Sinop e propõe à Colonizadora resolver o passivo da antiga indústria, equalizar as contas e ficar com o ativo do negócio – terrenos e a planta industrial.
Dilceu era secretário de Finanças do município nessa época e João bateu em sua porta. O empresário propôs uma parceria para Dilceu fazer parte do processo de liquidação da Sinop Agroquímica. Ele aceitou, ficando com 45% da massa falida de uma usina que não funcionava há mais de 13 anos.
Bem diferente do que fazia Abel, Dilceu teve que aprender a dever. Para conseguir abrir a renegociação das pendências que a Sinop Agroquímica tinha, Dilceu precisou contrair várias dívidas para levantar o dinheiro necessário para o custeio. Era preciso pagar uma parte da conta para, então, renegociar o resto.
Quando a cota foi alcançada, os sócios conseguiram colocar à venda a Fazenda Aeroporto, que fazia parte dos bens da usina. A área, atualmente uma joia na região de expansão da cidade, foi arrematada em 2002 pelo empresário e produtor Vilson Vian. A negociação permitiu encerrar as dívidas que a Agroquímica tinha com o Banco do Brasil, liberando os bens que estavam em garantia.
João ficou com o maquinário da indústria e alguns terrenos. A planta industrial foi desmontada e levada para São Paulo, onde funciona até hoje, não com mandioca, mas com cana-de-açúcar. A parte que coube a Dilceu foi honrada com as terras em frente à Agroquímica. São 1.010 hectares de frente para a BR-163, cortados pela MT-423. “Não faria esse negócio novamente jamais. Foi muito sofrimento, anos de instabilidade e dúvida”, comenta Dilceu.
Vinte anos depois, Dilceu encontrou um uso para esse imóvel. Em 2022, ele começou a modelar o Eixo Norte, um loteamento industrial privado, com um Master Plan que prevê a ocupação futura também com residências no entorno. Para que seu empreendimento obtivesse sucesso, ele tratou a área como se fosse um shopping. Primeiro atraiu as “lojas âncoras”, indústrias e empresas grandes, que consolidaram o projeto. Na sequência abriu espaço para empresas maiores, fazendo com que aquelas terras enfim alcançassem o propósito para qual foram dedicadas: abrigar indústrias. Em 2024, restavam ainda 700 hectares da área para serem explorados.
O Eixo Norte não foi a primeira experiência imobiliária de Dilceu. Ao longo da última década o empresário implantou os loteamentos Jardim Milão 1 e 2, Residencial Gente Feliz, Vila Verde, Jardim Vila Rica, Jardim Liberdade, Chácaras Rio Verde, Recanto dos Canários, Morada Brasil e Jardim Bela Rosa. Em 2023 o empresário também deu start em um condomínio fechado com proposta inovadora, o Premier Aero Náutico Residencial, com pista de pouso e marina, onde será possível chegar em casa de barco e de avião.
O envolvimento com a área da aviação levou Dilceu a adquirir uma pista de pouso em Sinop, abrindo assim, em 2023, a DDA (Dilceu Dal’Bosco Aviation). O antigo aeroporto foi reformulado, oferecendo hangar, ponto de abastecimento, oficina e lavagem de aeronaves. “Deus pôs o dedo na cabeça de cada um, escolhendo quem veio para Sinop. As pessoas que aqui chegaram têm um espírito de progresso, de cooperação. É uma cidade que está no centro de tudo e longe de qualquer grande cidade que pudesse fazer sombra. Por fim, há uma onda de otimismo que nunca acaba; é difícil achar alguém que fale mal da cidade. A junção desses três fatores faz com que Sinop seja única. Eu sou louco por Sinop. Tudo que eu tenho, tudo que vivi eu devo a essa cidade”, comenta.
Para Dilceu o maior presente que seu pai poderia lhe dar foi trazer a família para Sinop. Abel morreu no ano de 2011, aos 75 anos de idade. Gema continua morando na cidade que sua família ajudou a construir.
1976
Família Flach

A JORNADA PARA CONQUISTAR UMA COLÔNIA
Para um roteiro comum, mas o exemplo de resiliência deste casal ilustra como era a vida de quem partiu do Sul em busca de novas oportunidades no Nortão de Mato Grosso
Essa é uma daquelas histórias de foco e determinação, de um casal que batalhou junto para construir um projeto de vida, superando uma coleção de adversidades. Parece um roteiro comum, de pessoas que deixaram o Sul do país e encontraram na região de Sinop uma oportunidade de prosperar. Mas são os detalhes que fazem da vida desse casal um exemplo de resiliência.
A história começa em uma localidade no interior do Oeste de Santa Catarina, chamada Linha Pitangueira, localizada entre os municípios de Itapiranga e São Miguel do Oeste. Foi ali que Agostinho Flach nasceu, em 17 de julho de 1954. A família de Agostinho era uma entre muitos colonos de origem alemã que começavam a colonizar aquela região.
Os Flach plantavam milho, criavam porcos e frangos. Agostinho foi um entre 14 irmãos. Logo os 3 irmãos homens mais velhos deixaram a roça para estudar no seminário dos Irmãos Lassalistas. Esse também era o desejo de Agostinho, mas ele acabou sendo tolhido pelo pai. O patriarca da família acreditava que Agostinho não teria uma vocação para vida de seminarista ou mesmo para os estudos e que sua habilidade era trabalhar. A fala do pai de Agostinho nesse dia foi profética.
Desde os 13 anos, Agostinho já trabalhava na roça. No relevo acidentado do Oeste catarinense ele lavrava a terra com o trator da família. “Um antigo Massey Ferguson”, lembra Agostinho, demonstrando um interesse acima do comum por máquinas e motores.
A proposta de desistir do seminário para continuar trabalhando veio acompanhada de uma promessa. “Meu pai disse que quando eu fizesse 21 anos ele me daria uma colônia”, conta Agostinho. “Colônia” era como se chamava uma pequena porção de terra rural naquela região, geralmente com 25 hectares.
O tempo foi passando. Quando Agostinho tinha 18 anos, em um daqueles bailes do interior, ele se aproximou de Rosa Schorr. Eles já se conheciam, haviam estudado na mesma escola e eram “vizinhos” na Linha Pitangueira. “Eu tinha 15 anos na época”, lembra Rosa.
Eles começaram a namorar e já falavam de casamento, mas nada da tal colônia de terra prometida ser dada para Agostinho. No Sul do país, costuma-se dizer que quando um alemão coloca uma coisa na cabeça, ninguém tira. E Agostinho agora queria ter uma colônia.
No ano de 1976, dois senhores de idade que moravam na região queriam visitar seu irmão, que havia se instalado na cidade de Vera, no Norte de Mato Grosso. Eles precisavam de um motorista para o “possante” Fusca, veículo que conduziria os três naquela jornada. Após uma semana dentro do Volkswagen, Agostinho colocou seus pés pela primeira vez na terra que um dia seria sua morada.
A topografia foi a primeira coisa que encantou Agostinho. Embora a paisagem fosse de mato e a viagem sido sofrida, o relevo plano conquistou o jovem que cresceu se equilibrando no trator nos morros de Santa Catarina.
A Colonizadora Sinop, empresa que colonizou o Norte de Mato Grosso, fundando as cidades de Vera, Cláudia, Santa Carmem e Sinop, fazia muita propaganda no Sul do país a fim de vender terras e atrair famílias para ocupar seu projeto. Muitas pessoas trocavam suas pequenas porções de terra em Santa Catarina, Rio Grande do Sul ou no Paraná, por vastas áreas no Norte de Mato Grosso. Agostinho não ganhou uma colônia para trocar, mas talvez pudesse encontrar nessa nova região, enfim, seu pedaço de terra.
De volta ao Oeste catarinense, Agostinho se casa com Rosa em 1976, e eles decidem se mudar para Sinop. Inácio, um conhecido que deixou Santa Catarina para abrir uma madeireira em Sinop, havia instigado Agostinho. “Ele disse: ‘pode vir pra cá que serviço tem’. O pai não queria deixar a gente sair”, recorda.
Mas eles vieram. Rosa lembra que quando chegaram em Sinop haviam apenas 14 casas na avenida principal (que viria a ser batizada de Avenida dos Mognos e, anos depois, rebatizada como Governador Júlio Campos). “Era uma aventura pra mim. Levou um ano para cair a ficha e entender o quão no meio do nada a gente foi morar”, comenta Rosa sorrindo.
Em solo sinopense, Agostinho se tornou tratorista na Madeireira Mafasa. Seu trabalho era manobrar as toras no pátio com um CBT 1.090. O casal morava em uma dessas casas “de vila”, construídas pela própria madeireira para abrigar seus funcionários. “Energia elétrica só tinha disponível durante o horário de funcionamento da madeireira. Para cozinhar, geralmente o almoço era feijão, arroz e paca. Quem queria verdura tinha que plantar. Para conseguir leite, só na Cobal, isso quando não chovia”, conta Rosa.
“Cobal” era a Companhia Brasileira de Alimentos, criada no ano de 1962 pelo governo militar, como forma de atender o crescimento da população urbana que sofria com a escassez de hortifrutigranjeiros. No processo de colonização do Norte de Mato Grosso, a Cobal teve papel determinante, apoiando inclusive os primeiros sitiantes a produzir legumes, verduras, frutas e ovos. Nos primeiros anos de Sinop, a Cobal fazia a função de “supermercado”. No entanto, na época das chuvas, a BR-163 ficava intransitável, isolando a região. Então, o abastecimento da Cobal era feito através de aviões Búfalos, do Exército. “Só podia pegar 3 latas de leite por pessoa”, comenta Rosa, lembrando do período do racionamento.
Enquanto isso, a madeireira operava em 3 turnos, embalada pela oferta de árvores da região amazônica e pela obrigação de abrir áreas. Agostinho fazia hora extra e poupava o dinheiro ao máximo. Não por costume, mas por propósito. Em 1978, nasce o primeiro filho do casal, Sidney Flach. Nesse mesmo ano, Agostinho começa a construir sua primeira casa. O diretor da Colonizadora Sinop na época, Ênio Pipino, dava um lote na cidade para quem construísse uma casa com no mínimo 60 metros quadrados, desde que fosse completamente pronta e pintada. Agostinho aceitou a proposta, pegou as tábuas e barrotes na madeireira e ergueu sua casa.
Mas quem pensa que esse foi o lar da família Schorr Flach, com seu recém-chegado filho, se engana. Rosa e Agostinho não moraram um dia sequer na casa. Agostinho trocou o imóvel por um caminhão Chevrolet D-60, com motor a diesel. Depois de 2 anos e meio trabalhando na serraria, agora ele se tornava caminhoneiro, puxando tora seca para as madeireiras e transportando mercadorias de Cuiabá para a Cobal em Sinop. Entre seus muitos fretes, Agostinho transportou as primeiras mudas de café para Sinop, uma iniciativa do IBC (Instituto Brasileiro do Café), provocada pela Colonizadora Sinop, que pretendia difundir a cultura na região e, assim, atrair os cafeicultores do Paraná e São Paulo. Apesar da propaganda e dos empenhos, o café só se tornou economicamente viável na região nos últimos 10 anos, com a seleção de novas variedades. Ainda assim, trata-se de uma atividade restrita a pequenas propriedades da agricultura familiar.
Comprar o caminhão parecia um desvio, mas tudo fazia parte do plano inicial. Pouco depois de Sidnéia, filha do casal, nascer, em 1980, Agostinho trocou o Chevrolet por sua primeira terra. Era uma propriedade perto do Rio Caiabi, com 35 alqueires – cerca de 85 hectares. “Era coberta de mato, mas já tinham tirado a madeira. Peguei a terra porque o negócio era bom”, conta Agostinho. Essa ainda não era a sua “colônia”.
Enquanto Agostinho trabalhava com o caminhão, Rosa e os filhos moravam em uma “meia água” na cidade. Ela lavava roupa para fora e às vezes vendia banana. “O Agostinho levava frente para Juara e voltava com as bananas. As mais maduras que não vendia eu fazia doce para vender”, lembra Dona Rosa.
Para conseguir sua sonhada colônia, o casal terminou a meia água, transformando em uma casa de fato. Eles repetiram a fórmula, pegando o terreno da Colonizadora, construindo uma casa e depois vendendo. O imóvel foi trocado por uma chácara, na região onde hoje se localiza a Comunidade Nossa Senhora de Fátima, nas proximidades de onde fica o Jardim Bougainville. Foi nesse lugar que a família Flach voltou a viver na roça.
Ali, a família plantou mandioca para abastecer a Sinop Agroquímica – uma grande usina de etanol fino, implantada com recursos de um programa de incentivo do Governo Federal. A lavoura de Agostinho foi parte do programa. Ele recebeu um custeio, mas só podia pagar o valor com produto – garantindo assim a oferta de matéria-prima para a indústria. O dinheiro ajudou a abrir a propriedade, mas, para Agostinho, não valeu a pena. “Só plantei mandioca por um ano. Produzia bem, mas o preço era ruim. Muita gente insistiu na mandioca e quebrou”, comenta.
No ano seguinte a família plantou arroz. Agostinho havia descoberto uma semente durante um frete para Cuiabá, a variedade IAC-25, um arroz de sequeiro que produzia em 3 meses. Além de ajudar na formação de áreas recém abertas, a cultura era uma boa opção. “Produzia bem e o preço era bom. Além disso, tinha o armazém da Conab que secava o grão, comprava e armazenava. A gente vendia para o governo também”, conta.
Ao mesmo tempo, Agostinho seguia com o caminhão. Em uma mudança que fez para Santa Catarina, trouxe no frete de volta uma vaca holandesa. Com ela, Rosa comandava a produção e venda de leite. “Um litro de leite era o mesmo preço de uma garrafa de cerveja”, lembra Rosa.
O negócio foi prosperando, novas chácaras ao lado foram sendo compradas e o rebanho aumentando. O leite bancava as despesas da casa e da família. O que Agostinho ganhava com o caminhão, guardava para comprar mais terra. Sua predileção era por propriedades na chamada “4ª parte”, entre Sinop e Cláudia. “A terra era melhor, com mais argila”, explica Agostinho.
Quando a febre do ouro estourou em Peixoto de Azevedo (200 km de Sinop), Agostinho voltou para São Miguel do Oeste, mas apenas para financiar seu novo veículo: uma F-4000. Foi com o Ford, mais leve que um caminhão, que Agostinho fez muitos fretes para o garimpo. O carro-chefe era diesel para abastecer as dragas, mas também ia comida e insumos. “Muita gente tinha medo de fazer frete para o garimpo, porque na verdade era perigoso. Mas eu ganhei muito dinheiro nessa época”, conta.
Agostinho fazia uma jornada longa, passava muito tempo nesse vai-e-vem para Peixoto. A única regra era receber apenas em dinheiro. Não aceitava ouro de forma alguma, para não correr o risco de ser enganado. “Mas teve uma correntinha que você trouxe pra mim e que tá guardada até hoje”, lembra Rosa.
O dinheiro era convertido em terra e em mais caminhões. Ele chegou a contar com uma pequena frota de 5 veículos, com motoristas contratados fazendo mais fretes. Como o leite bancava as despesas da família, o lucro dos caminhões era revertido em mais propriedades rurais. Comprava o que tinha bom preço, geralmente áreas pequenas e não conectadas.
Aos poucos, Agostinho foi negociando suas terras para aglomerar suas propriedades e formar uma área maior, voltada para agricultura e pecuária.
A agricultura que se fazia na época não chega perto do nível de mecanização de hoje. Agostinho conta que o arroz foi plantado com semeadeira hidráulica, desviando dos tocos. Não havia maquinário pesado para tirar tocos. Para transformar uma área de mata em lavoura, as ferramentas eram foice, motosserra, fogo e depois capim braquiária. Depois de 3 anos cultivando arroz dessa forma em 30 hectares, a família experimentou a soja.
Agostinho foi um provocador da cultura. Ênio Pipino, fundador da cidade, se referia a ele como “o homem da soja”. Isso porque, toda vez que encontrava com o Colonizador, Agostinho dizia que deveriam trazer maquinário pesado, arrancar os tocos e plantar soja. Por incrível que pareça, na época essa ideia não era tão popular.
Mas a soja já havia entrado na cabeça de Agostinho. Com o trator de esteira e um CBT 1.000 da propriedade, ele arrancou os tocos possíveis e plantou soja na antiga área do arroz. Colheu e vendeu a produção para Conab. Com o valor, mais o CBT, comprou 242 hectares na região da 4ª parte, que estava de olho há tempos.
Ao longo dos anos a família foi repetindo a fórmula, plantando arroz, milho, soja e brizantão para o gado leiteiro. Quando introduziu a raça Gir para cruzar com a holandesa, formando assim a Girolando, a produção de leite cresceu. Chegaram a ter 70 vacas, ordenhadas manualmente pela família. “A gente levantava às 3 da manhã para tirar leite. Mas era divertido. Quando a gente faz o que gosta, não é sofrido”, recorda Rosa.
O leite era levado do sítio para as casas e comércios em taros de leite, por meio de uma parceria que Agostinho fez com um freteiro. À medida que iam ganhando dinheiro, compravam mais terras. Hoje, na região da 4ª parte, a família tem 1,9 mil hectares de área plantada – outros 2 mil hectares da área total são destinados à preservação de reserva. Essa grande área é formada de muitas pequenas propriedades, todas abaixo de 4 módulos – ou 242 hectares.
Em 1990, Agostinho parou com a vida de caminhoneiro. Vendeu a frota para investir na lavoura. Durante anos, metade da terra ficava com o gado de leite, metade para agricultura. A soja foi se mostrando a opção mais rentável, e ao longo dos anos foi ganhando o espaço do pasto. Hoje, o casal mantém um pequeno número de vacas, “apenas porque a gente gosta”, dizem.
Cerca de 7 anos depois, em 1997, construíram a casa na fazenda da 4ª parte. É o mesmo imóvel em que atualmente, já idosos, vivem Rosa e Agostinho. Os dois filhos do casal continuam com um pé no campo, produzindo em áreas agora arrendadas dos pais. Rosa e Agostinho alcançaram no Mato Grosso a prometida “colônia” e agora aos poucos fazem a transição dessas terras para os filhos plantarem.
Muitos outros frutos foram colhidos graças à obstinação desse casal. Dos dois filhos vieram 5 netos: Nathalya (22 anos), Rafael (18 anos), Vitória (13 anos), Arthur (13 anos) e Heitor (6 anos). Com sua “aventura” para Mato Grosso, Rosa ainda conseguiu atrair sua família. Seus pais e irmãos vieram morar no Nortão em 1985. Na sociedade, o casal foi atuante na comunidade católica, participando da construção das igrejas São Cristóvão, São Camilo, Santo Antônio, Nossa Senhora de Fátima e São João Batista. “Foi uma luta, mas nosso sonho foi concretizado. Ter conhecido Sinop no começo, ver como a cidade está grande hoje e saber que de alguma forma nós ajudamos a construir tudo isso dá um sentimento de satisfação”, declarou Rosa. “Nós não teríamos conseguido se ficássemos lá no Sul”, completou Agostinho.
O sonho da “colônia” foi alcançado, e é nela que hoje o casal, que está junto há 47 anos, vive. A primeira chacrinha, onde começou a vida na roça em Mato Grosso, agora já é cidade. Atualmente, a família trabalha em parceria com uma empresa imobiliária para transformar a propriedade em dois loteamentos. Em breve, onde Rosa começou com suas vaquinhas de leite, será o Jardim Havenna e o Villa Vorata, terra que receberá a semente do sonho de outras pessoas.
1976
Família Dal Maso

O PRIMEIRO PREFEITO QUE SINOP ESCOLHEU
Um pioneiro, um conselheiro, um homem de visão, um empreendedor, um humanista e uma pessoa afeita a desafios. Essa é a coleção de predicados do primeiro líder que o povo de Sinop elegeu
O governante é um reflexo da sociedade. É o que diz o ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Se o mantra de um dos maiores líderes políticos for verdadeiro, entender quem foi o primeiro líder que a população de Sinop elegeu é uma forma de desvendar como era a sociedade embrionário que erigiu esta cidade.
Oito anos após a fundação e três anos após a emancipação de Sinop, a população local foi as urnas para escolher, pela primeira vez, quem seria o seu líder. O ano era 1982. Não faltaram opções. Nas velhas urnas de malote, os eleitores locais poderiam depositar sua escolha, escrevendo nas cédulas de papel um dos 4 nomes: Ari Daher, Geraldino Dal Maso, Sebastião de Matos ou Vasco de Medeiros. Dois candidatos do PDS e dois do PMDB. Naquele novembro de 1982, dos 10.741 eleitores registrados em Sinop, 8.212 compareceram para votar. Destes, 5.094 votaram no PDS e 2.482 no PMDB. Com mais votos, Geraldino Dal Maso foi o escolhido.
O primeiro prefeito de Sinop morreu em dezembro de 2016, aos 74 anos de idade, acometido por um câncer. Nos últimos anos de sua vida ele lia muitos livros, rezava, meditava e escrevia. Seus registros cuidadosos relacionam fatos e fotos de uma história que ainda não foi publicada. Com esse acervo em mãos, é a família de Geraldino, através de sua esposa e filhos, que narram a trajetória desse homem para a Fator MT, nesse projeto que quer contar os 50 anos de Sinop a partir da história das pessoas que construíram essa cidade. Se o primeiro prefeito foi um reflexo da sociedade de Sinop, a vida de Geraldino e seu legado são uma síntese do espírito sinopense.
Geraldino nasceu no ano de 1942, na cidade de Passo Fundo, Rio Grande do Sul. Ainda criança, sua família migrou para Toledo, no Oeste do Paraná, em busca de melhores terras para plantar e quem sabe melhorar de vida. Foi o mesmo caminho feito por Nelsa, que nasceu em 1944 em Sarandi (RS), e rumou com sua família para as terras roxas. Os dois se conheceram ainda na adolescência e tempos depois se casaram. Depois de anos trabalhando na lavoura com seus pais, Geraldino comprou um caminhão. Saiu da roça e foi para a estrada, puxando mercadorias em um Brasil cada vez mais rodoviário da década de 60 – e que depende até hoje dos caminhoneiros para se abastecer.
No Oeste do Paraná, a família se multiplicou. Em 1964 nasceu Sirlei, a primeira filha do casal. Em 1965 veio Lourdes, e em 1969, Teresinha. Já em 1972 nasce Jair. “Meu pai sempre foi um homem que soube da importância do conhecimento, da cultura. Quando eu tinha 9 anos de idade ele me falou de um vendedor de livros que viria a nossa casa e que ele iria comprar uma [Enciclopédia] Barsa. Eu nem sabia direito o que era isso. Os livros foram usados à exaustão, e quando viemos para Sinop, acabou sendo a fonte de pesquisa para muitos alunos. Nossa casa fazia a função de biblioteca”, comenta Sirlei.
Sinop surge na vida da família Dal Maso pela propaganda da Colonizadora Sinop e pelo mote do Governo Federal de ‘Integrar para não Entregar’. A convocação retumbava na alma desbravadora de Geraldino, que logo tratou de comprar uma terra na nova cidade. O pioneiro foi até Maringá, onde embarcou em uma comitiva da empresa para conhecer o projeto Sinop. Voltou decidido a se mudar.
Em janeiro de 1976 Geraldino prepara seu caminhão e parte para o Norte de Mato Grosso. Na carroceria, trazia uma geladeira, fogão, colchões e cama. Parte da mudança ficou para trás, sendo transportada depois.
O pioneiro, sua esposa e 4 filhos, com idades entre 11 e 4 anos, percorreram mais de 2 mil quilômetros em direção ao nada. “A estrada era boa, o Exército tinha acabado de fazer. De Cuiabá até Sinop fizemos em um dia. Quando chegamos em Sinop tinha 33 casas”, lembra Nelsa.
Fazia menos de dois anos que Sinop havia sido fundada. Era uma clareira em meio a Amazônia. Não havia energia elétrica, tampouco água encanada. A geladeira que veio na mudança logo foi convertida a gás – um luxo para época. “Eu tinha uma máquina de lavar roupas automática que ficou 3 anos parada, até que a gente tivesse o primeiro gerador”, conta Nelsa. Água só do poço, não que fosse um problema para cavar um. O lençol freático era tão aflorado na área central de Sinop que qualquer buraco vertia água – o que era mais um problema do que uma facilidade, pela quantidade de atoleiros que causava. Isso do ponto de vista dos adultos, é claro. “O Jair era pequeno, tinha 4 anos de idade e aproveitou todas as poças de água da cidade”, brinca Sirlei, lembrando do irmão na infância.
Com 4 crianças em idade escolar, um lugar para estudar era prioridade para a família. A única escola era o Colégio Nilza de Oliveira Pipino. Com a família Dal Maso, o educandário iniciou 1975 com 286 alunos. Isso porque, além das 33 casas na cidade, haviam as famílias instaladas em chácaras mais distantes.
No começo, o sustento vinha do trabalho com o caminhão. Geraldino carregava seu caminhão com madeira e levava até Cuiabá. Na volta, trazia mercadorias, a maioria alimentos, que abasteciam a Cobal – um mercado da Companhia Brasileira de Alimentos, que era o principal ponto de distribuição de insumos para as famílias colonizadoras. “O pai ia para Cuiabá e se preocupava em trazer coisas para gente que aqui não tinha. Trazia frutas, leite, pão ( de uma padaria de Cuiabá e trazia congelado, em uma térmica). Outra coisa que ele sempre tentava trazer eram revistas, pra gente se manter informado. Lembro da revista Manchete e da Revista Cruzeiro, que depois viravam material de pesquisa. Aquele cheirinho de revista nova, sabe? Era um mundo novo para nós que estávamos em Sinop naquela época”, conta Sirlei.
Mas a boa logística com a capital não durou muito tempo. Cerca de um ano depois a BR-163 se deteriorou com as chuvas, o fluxo de veículos pesados e a falta de manutenção. Se na primeira viagem eles fizeram o trajeto em um dia, agora era preciso 3 dias para chegar a Cuiabá. As vezes mais. Com o caminhão quebrando constantemente, Geraldino decidiu vender o veículo e comprar uma lanchonete, não em Sinop, mas em Itaúba. “No começo, Geraldino teve um arrependimento e pensou em desistir, em ir embora. Eu falei para ele: nós chegamos até aqui, nós viemos e vamos ficar”, lembra a esposa.
A família continuou em Sinop nesse período, que durou pouco mais de um ano. Em 1978, Geraldino aluga um posto de combustível com um restaurante, localizado onde hoje está o Posto Caiçara, na entrada da cidade. Geraldino administrava o posto e Nelsa o restaurante.
Quando não estavam trabalhando, estavam engajados na sociedade. Em 1977, Geraldino participou, junto com Waldemar Brandão e alguns amigos, da fundação do CTG (Centro de Tradições Gaúchas), Porteira da Amazônia – o primeiro de Mato Grosso, que depois virou Amazônia Clube. Estreou como Patrão da agremiação. Muito religioso, o casal também se envolveu com a Paróquia Santo Antônio, única igreja da cidade. Juntos ajudaram a construir a Casa Shalon, um local de retiro espiritual que continua quase intacto até os dias de hoje. Na parte escolar, o pioneiro passou a fazer parte da associação de pais do Colégio Nilza. “Eu me lembro de uma vez que o governador iria fazer uma visita e os professores queriam fazer manifestação contra por causa dos salários atrasados. Meu pai acalmou os ânimos e sugeriu que fosse feita uma recepção amigável, pacífica. No fim foi o que deu certo”, lembra Sirlei.
Nos negócios, Geraldino prosperou administrando o Posto de Combustível. Logo comprou um terreno para construir o seu e encerrar o arrendamento. O imóvel ficava na rua das Caviúnas, de frente para BR-163, exatamente onde hoje está a Loja da Havan. “Naquela época era mato, um brejo. O pai abriu tudo e colocou cargas e mais cargas de cascalho para aterrar. Por anos a Rua das Caviúnas foi chamada de Rua do Geraldino, porque o posto era o único ponto de referência”, conta Sirlei.
Neste local, Geraldino montou um posto e a Churrascaria Galpão Gaúcho. A revenda de combustível tinha a bandeira Ipiranga, bem antes de existir o bordão “Pergunta no Posto Ipiranga”, o pioneiro já praticava. Em 1980, ele trouxe um “consultor” de Santa Catarina para fazer uma capacitação com os funcionários. Caminhoneiro por muitos anos, Geraldino entendia que um posto na beira da rodovia era o principal ponto de orientação para os viajantes. Se alguém estivesse passando por Sinop e precisasse de algo, era só perguntar no Posto Ipiranga. “O pai sempre dizia que era obrigação dos funcionários saber informar qualquer pessoa que pedisse por ajuda. Numa cidade que estava começando, ele acreditava que você tinha que ter no mínimo uma informação que ajudasse. O ‘não sei’ meu pai não aceitava”, conta Sirlei, lembrando que a tal capacitação foi tão inovadora que dos 10 funcionários do Banco do Brasil, cinco deles participaram.
Além da orientação, no posto os viajantes encontravam conforto. Nelsa conta que o banheiro era todo azulejado, em perfeito funcionamento, sempre limpo. “Em casa não tinha um banheiro tão bom quanto o do posto”, lembra a esposa.
No começo da década 80, Geraldino já esboçava um engajamento acima da média com a cidade. Ele ajuda a organizar os primeiros desfiles cívicos da cidade. Em dezembro de 1979 Sinop foi emancipada e o então governador de Mato Grosso, Frederico Campos, nomeia Osvaldo de Paula como administrador de Sinop até a primeira eleição, marcada para 1982. Em 1980, o presidente da República, general João Batista Figueiredo, vem a Sinop participar da inauguração da Sinop Agroquímica (usina de etanol de mandioca). Geraldino, que tinha uma Chevrolet Veraneio – talvez o melhor carro da cidade na época – foi incumbido de fazer o transporte presidencial. “Algumas pessoas da cidade queriam fazer protestos, mas Geraldino e Ênio Pipino [colonizador de Sinop] contornaram a situação. O seu Ênio organizou uma recepção para o presidente, no Aeroporto, para sensibilizar as autoridades, onde as mulheres, todas acenando com lenços brancos, pediam melhores condições de vida para suas famílias. Foi assim na chegada e na partida do presidente. Pedimos que trouxesse para Sinop a rede de telefone e o sinal de televisão. Seu Ênio depois disse para Geraldino que o presidente assinou o documento autorizando a implantação do telefone e da TV quando ainda estava no avião”, conta Nelsa.
E aconteceu. Meses depois o Governo Federal iniciava a implantação da torre da Embratel, bem na esquina da Avenida das Sibipirunas com Figueiras – onde está até hoje. A casa dos Dal Maso ficava pertinho, na Rua das Primaveras, em frente a Rádio da Meridional. “Eu era criança, tinha uns 9 anos de idade, quando começaram a chegar os contêineres com os equipamentos de instalação e teste. A gente ficava lá, curioso, olhando aquilo, tentando ver algo pelas televisões que tinham lá dentro. Quando estavam instalando os telefones, a gente tinha um aparelho em casa e as primeiras vezes que tocava eu e a Teresinha corríamos para ver quem atendia. Não era ninguém, era só teste”, recorda Jair.
Até então caçula da família, Jair tem a primeira memória de ver uma lâmpada de luz se ascendendo aos 8 anos de idade. A família preparou uma surpresa para Geraldino ao voltar de uma viagem: ao entrar em casa, acenderam-se as luzes! Foi um grande susto. Antes a iluminação vinha do lampião e de velas. A TV e o telefone vieram logo em seguida, como se fosse um “boom” tecnológico que chegava de uma vez, mas com um delay de décadas. A novidade encantou tão rápido quanto se tornou tediosa. Quando o primeiro sinal de TV fez o aparelho da casa brilhar para além dos chuviscos de estática, a imagem contava a emocionante história do “Homem que Derreteu”. E durante meses, foi esse mesmo filme lançado em 1977 a única programação da TV local, sendo exibido em looping para os testes. “Depois começaram a trazer a novela Roque Santeiro, que passava com um atraso de dias, mas a gente achava ótimo”, conta Nelsa.
Em 1981 o casal tem mais uma filha, Rafaela, o primeiro fruto da família em solo sinopense. Os negócios com combustível cresciam e a família já contava com outras 4 unidades nas cidades do Norte. Nessa época, o posto de Geraldino alcançava a marca do comércio que mais vendia diesel em Mato Grosso. Com as coisas indo bem, o pioneiro compra um motorhome e passa a fazer viagens com a família sempre que possível. “O pai e a mãe sempre buscaram formas de melhorar a nossa vida em família. Fosse comprando uma Barsa, trazendo uma revista ou leite. Mas também me lembro dele fazendo muito pelos outros. Havia um sentimento de comunidade entre as pessoas que iam chegando, de se ajudar, de colaborar. Quando tinha qualquer problema, todo mundo se engajava”, relembra Sirlei.
Entre 1981 e 1982, o Norte de Mato Grosso teve uma estação de chuvas atípica. A BR-163 ficou intransitável. Nelsa conta que os caminhões de combustível que saiam de Cuiabá demoravam 21 dias para fazer o trajeto até Sinop. Isso afetava diretamente o negócio da família, mas não foi essa a preocupação do pioneiro. Geraldino foi até Irineu Martins e mais amigos – fundador do Grupo Machado, que já possuía um comércio de alimentos na época – e junto com outros comerciantes, encheram uma camionete com mantimentos. O propósito era levar água e comida para os caminhoneiros que estavam parados na estrada, atolados no meio do nada, sem qualquer recurso. Não era uma questão de caridade, mas de empatia de alguém que tinha sentido na pele essa mesma dor. “A gente costumava dizer que o pai e a mãe eram tipo um juiz de paz. Se um casal brigava, mandavam conversar com eles pra resolver. Briga de vizinhos? Fala com seu Geraldino. Mas isso era porque ele tinha essa veia administrativa, conciliadora, de resolver conversando. Ele precisava cuidar de uma família grande, em uma cidade sem muitos recursos, estando sempre na linha de frente de tudo o que acontecia em Sinop”, resume Sirlei.
Essa era a natureza de Geraldino e logo a população de Sinop percebeu.
Quem vai ser o prefeito?
Essa era a pergunta que a sociedade de Sinop precisava responder em 1982. Alguns nomes foram postos, mas nenhum chegava perto de ser um consenso. Geraldino e Nelsa não tinham qualquer pretensão política. Seu exercício se resumia a ir votar, nada mais.
Mas a vida do pioneiro estava entrelaçada com Sinop. Se por anos ele foi o “juiz de paz” e o “conselheiro” de muitos, agora Geraldino recebia de volta o aperto dos laços que criou. Nelsa e Sirlei contam que muitas pessoas na época procuraram o empresário pedindo para que ele fosse candidato. Geraldino havia se tornado refém de suas virtudes. Ele sempre dizia que a cidade deveria ser comandada por quem a conhece, por alguém que tenha compromisso com a coletividade e que saiba administrar. Ele cumpria todos os requisitos, mas ainda assim não queria disputar o pleito. Muita gente pediu para que Geraldino fosse candidato, incluindo o fundador da cidade, Ênio Pipino. “Seu Ênio via no pai o perfil de prefeito, de alguém que luta pelo município, que é conhecido e reconhecido pelos serviços prestados. Ele virou político porque era um bom administrador, e as pessoas sabiam reconhecer isso nele, tinha visão empreendedora, era o que Sinop precisava. Ele queria que a cidade fosse pra frente”, contextualiza Sirlei.
Em junho de 1982 Geraldino se convenceu do inevitável e colocou seu nome para apreciação popular. Foi eleito em novembro e assumiu como primeiro prefeito eleito de Sinop em 1983.
Começou montando uma equipe. Formou equipes para tributação e elaboração dos primeiros códigos e normas do município. Preocupado com a organização urbana, foi atrás de uma equipe de especialistas, em Toledo (PR), para proceder com o cadastramento dos imóveis, assegurando a aplicação do projeto urbano de Sinop como medida para suportar o crescimento demográfico e a expansão do território. Com esse trabalho, a prefeitura de Sinop fez uma espécie de “Censo territorial”. Técnicos percorreram todos os imóveis da cidade, fazendo a medição de terrenos e construções, regularização de projetos e edificações. Deste trabalho nasce o primeiro código de obras e a primeira lei de parcelamento do solo, que remontam o ano de 1983 – algo que só foi revisado em 2022 e 2023.
Geraldino podia estar dentro do gabinete do prefeito, mas não se esqueceu da lama. O agora gestor municipal contratou um estudo de solo, afim de encontrar uma solução para o problema de drenagem. Com isso foram abertos os primeiros valetões nas avenidas principais, o que acabou enxugando a área urbana de Sinop. “Antes disso era uma dificuldade fazer um simples trajeto, da BR-163 para os mercados e mercearias, no período das chuvas. Andar um quilômetro cidade adentro era uma penúria. Eles faziam taipas de madeira para puxar mercadoria de carriola”, lembra Jair. “Muitas grávidas não conseguiam nem chegar ao hospital (Dois Pinheiros) para dar à luz. Duas ou três quadras antes juntavam-se entre dois e três homens, traziam uma rede, e carregavam as gestantes até o hospital para ter neném. Não tinha como chegar, era tudo atoleiro”, emenda Nelsa.
Com o solo mais seco, é viabilizado o primeiro asfalto em Sinop, no ano de 1984. A contribuição, do então governador Júlio Campos, rebatizou a Avenida dos Mognos, pavimentada pelo político que até hoje emplaca a via.
Na sua gestão, atuou na sede da prefeitura - no mesmo local que é ainda hoje, e instalou as subprefeituras em Santa Carmem e Cláudia. O novo município de Sinop se estendia até Marcelândia. “O pai sempre teve uma boa relação com os madeireiros, com quem fez muitas parcerias. A Prefeitura entrava com o maquinário e os madeireiros com a matéria-prima. Se tinha de construir escolas, os madeireiros faziam a escola e a Prefeitura fornecia os professores. Se precisava de ponte, os madeireiros forneciam a madeira e a Prefeitura a mão de obra. Era assim que se desenvolvia Sinop e as outras regiões na economia e no social”, explica Jair.
Outro marco da sua gestão foi a implantação da APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais). Nelsa conta que o processo de aprendizado para preparar a estrutura levou quase 3 anos, com muita viagem e pesquisa. A implantação veio acompanhada do recrutamento de Bernardete Laurindo, uma professora de Florianópolis (SC), que já tinha larga experiência com a educação de excepcionais. Fundada em 1985, a APAE de Sinop conta hoje com uma ampla estrutura, atendendo 280 alunos. “Como tudo que se faz pela primeira vez, sem muita referência, esse mandato teve muitos acertos e erros, porque não conhecíamos o processo”, conta Nelsa.
Geraldino foi o prefeito de único mandato que passou mais tempo no cargo. Seu mandato foi prolongado em dois anos para além dos 4, em um processo que separou as eleições federal e estadual do pleito municipal, no modelo que temos hoje.
Em dezembro de 1988, sem qualquer vaidade, ele encerra seu mandato e nunca mais se candidata a nenhum cargo político. “A verdade é que meu pai saiu muito machucado da vida pública. Ser prefeito o obrigou, de certa forma, a deixar seus negócios particulares de lado e financeiramente isso não foi bom para ele. Além disso, ele foi severamente massacrado pelos opositores políticos. Apesar de tudo, ele nunca perdeu o amor por Sinop”, revela Sirlei.
É preciso pensar grande
De volta a vida privada, Geraldino tenta reaver os negócios que arrendou e restabelecê-los. Mas os 6 anos de vida pública cobraram um preço alto. Ele retorna aos seus negócios e monta uma transportadora.
Por dois anos, Geraldino tentou se reerguer, mas não foi nada fácil. Ele havia dado seu nome como avalista em um empréstimo no Banco do Brasil. No final da década de 80, com o Plano Sarney, juros galopantes aumentaram a dívida de forma exorbitante e sendo avalista, e o pagamento dessa dívida custou boa parte de seu patrimônio.
Aos poucos a competência de Geraldino foi devolvendo seu patamar financeiro. Em 1991 ele inova implantando o primeiro confinamento de gado da cidade – em uma época que sequer havia estrutura para abate. O empresário traz a primeira leva de animais da raça Simental, afim e produzir uma carne com maior qualidade. Quando viu que a sua pecuária intensiva estava funcionando, provocou a prole. “Ele disse para gente: vocês são comerciantes; precisa de um lugar para vender essa carne com esse diferencial. Cabe a vocês”, comenta Sirlei.
Foi assim que ele comprou um açougue e incumbiu as filhas Sirlei e Teresinha de administrar e trabalhar na casa de carnes, abastecida pelo gado abatido no confinamento. A família conta que o empresário sempre pensava em voz alta a respeito da falta de prédios na cidade. “Ele se perguntava como que a cidade vai ser um polo, uma capital, se falam que aqui não dá para construir prédios mais altos?”, comenta Nelsa.
Na época dizia-se que o solo de Sinop era tão ruim que não comportaria uma edificação com mais de dois andares. Geraldino acreditava que era viável e contratou uma empresa especialista em estudo de solo, ação pioneira na região, que comprovou que sim, era possível. Ainda na primeira metade da década de 90 ele começa erguer o Residencial Jacarandás, o primeiro – e por muitos anos o único – edifício de Sinop. A iniciativa foi amplamente desacreditada. Sirlei conta de um episódio em que o mestre de obras chegou a mostrar com um prumo que o prédio não estava nem um pouco inclinado. “O mais incrível é que na mesma época meu pai recebeu uma proposta para construir em Meia Praia, em Santa Catarina, mas preferiu fazer em Sinop, para mostrar que era possível erguer um edifício nessa cidade”, revela Sirlei.
Com problemas financeiros, Geraldino se viu obrigado a paralisar a obra e depois se desfazer do seu projeto. Foram vendidas poucas unidades, na planta. A estrutura de 12 andares estava pronta e estava no início da parte de alvenaria (20%). Em 1997, a família vende a estrutura do Residencial Jacarandás. Quem compra é o empresário Roberto Dorner. O novo dono encontra a mesma resistência em convencer as pessoas de que o edifício era sólido. Somente em 2002, o edifício é concluído. Ao inaugurar o Residencial Jacarandás, num ato de reconhecimento, Dorner faz uma homenagem e instala uma placa dizendo que aquela foi uma obra iniciada por Geraldino Dal Maso. Roberto Dorner costuma dizer que teve que morar no edifício para convencer as pessoas de que era (seguro). “Foi o desassossego do meu pai que quebrou o tabu. Hoje, como vemos, a cidade está em plena verticalização. Ele pagou o preço do pioneirismo”, avalia Sirlei.
Durante sua vida, Geraldino foi um homem que semeou legados, seja pelos exemplos que deixou ou pelo que construiu. Ao se tornar sinopense de coração, gerou o mesmo vínculo com sua esposa e filhos, hoje pessoas ativas na sociedade. “Eu costumo dizer que nossa família é como uma orquestra, cada um com seu instrumento, operando com sua especialidade, buscando evoluir naquilo que é melhor. Cada um faz sua jornada solo de evolução, mas quando é preciso nos reunimos por um mesmo som”, resume Sirlei.
Sirlei, a filha mais velha, se tornou administradora de empresas e no momento explora um nicho de negócio na área de paisagismo e floricultura. Teresinha é uma microempresária bastante envolvida nas atividades da sociedade em Verê-PR. Jair é proprietário de uma das mais renomadas revendedoras de automóveis da região. Lourdes seguiu a carreira de funcionária do Banco do Brasil, instituição que trabalhou até sua aposentadoria. Rafaela, a filha mais nova, inspirada pela vivência com a construção de um edifício, escolheu a arquitetura como profissão. Consolidou-se como arquiteta empreendedora, criando uma Feira de Design em Sinop e se dedicando a Área de Projetos de Negócios. Hoje vive e tem sua base profissional em São Paulo.
Um dos grandes prazeres dos filhos é encontrar por Sinop pessoas que lembram da memória de seu pai, sempre com exemplos que mostram o quanto Geraldino era um líder a frente do seu tempo.
Você pode fazer tudo
Era o que ele dizia. E não é discurso de político. O que Geraldino pregava, se aplicava a ele também.
Em outubro de 2012, aos 70 anos de idade, Geraldino decidiu que faria uma viagem de bicicleta entre Sinop e Chapada dos Guimarães. Foram 560 quilômetros acompanhado de Sirlei, que narrou a aventura feita sobre duas Caloi Elite 2.7. “Meu pai planejou toda o itinerário. Seria uma viagem noturna, evitando assim o sol e o trânsito pesado da BR-163, pedalando em média 120 quilômetros por noite. Tínhamos um carro de apoio com alimentação, hidratação e para descanso, sempre com o apoio do filho Jair”.
Foram cinco noites de pedalada. Durante o dia, descanso e atendimento aos curiosos. “Chegamos às 8h30 do dia 9 de outubro. Minha mãe e meu filho estavam nos aguardando, bem como alguns veículos de comunicação em busca de entrevistas”, conta Sirlei. “Foi um prazer e uma realização ter tido a oportunidade de conviver momentos tão preciosos com ele. Meu pai foi disciplinado para esta aventura. Treinou bastante, seguiu à risca a alimentação, mas sobretudo com muita força e foco para iniciar o caminho”, encerra a filha.
Dona Nelsa, próxima de completar 80 anos, continua sendo uma mulher muito ativa, dedicada ao voluntariado, ao artesanato e cuida de sua saúde através das atividades físicas. Não abre mão de sua autonomia, dirige seu próprio carro e está sempre disposta para boas e longas conversas.
Legado
Narrar a história de uma família ou de um homem apenas pelos seus marcos temporais ou grandes feitos profissionais e patrimoniais pode ser um tanto desleal com o verdadeiro legado. O maior patrimônio da família de Geraldino e Nelsa Dal Maso certamente é a forma como conduziram a vida cotidiana.
O dia a dia de acolhimento de todas as pessoas que chegam na cidade, dos amigos, amigos dos filhos, amigos dos amigos. Dificilmente alguém que teve contato com essa família não relata a maneira cordial, gentil e acolhedora que sempre foi recebida.
A espiritualidade diária (independente de religião) presente em todos os momentos, bons ou ruins. Essa inabalável fé, manteve a família, amigos, conhecidos e desconhecidos inspirados e confiantes. Essa característica fez com que a família sempre estivesse envolvida e contribuísse com comunidades religiosas.
1976
Paulo Cardoso de Andrade

LIGADO NA HISTÓRIA DE SINOP
O fundador de uma das principais empresas de material elétrico da cidade está ligado a vários episódios da história de Sinop. Ele foi responsável pela abertura da primeira loja de móveis, instalou o primeiro padrão de energia da cidade, jogou no primeiro time do Sinop FC, iniciou a cultura do rodeio em cavalos e ajudou a fundar a Acrinorte
Se for para você morar em uma cidade que está começando, faça isso direito. Esse não é, mas poderia ser o lema de vida de Paulo Cardoso de Andrade, proprietário da Dimel Distribuidora de Materiais Elétricos. Sua empresa, por mais relevante que seja no setor, não traduz a participação que Paulo teve na história de Sinop. Ele chegou cedo, se envolveu em quase tudo que pôde, saiu para olhar de fora e depois voltou.
A trajetória desse pioneiro começa no Sul de Minas Gerais. Paulo nasceu no dia 1º de agosto de 1954, filho de Euclides Cardoso Ribeiro e Tereza Batista Cardoso, numa família de agricultores de subsistência que viviam em Carmo do Rio Claro. Ele é o segundo de uma família com 8 filhos. Quando criança, aos 7 anos de idade, percorria 10 quilômetros a cavalo para chegar à escola. Em 1968, quando o lago da usina hidrelétrica de Furnas encobriu parte da propriedade rural da família, mudaram-se para Colorado, um pequeno município no Norte do Paraná, que assim como Paulo tinha 15 anos de existência.
Aos 17, foi trabalhar na cidade. Começou em uma lanchonete, depois passou para uma empresa que estocava adubo e, por fim, uma loja de móveis. Em pouco tempo se tornou um vendedor prodigioso, dotado de uma facilidade incrível em conversar com os clientes e fazer amizades.
No final de 1975, a Brasília Móveis, onde trabalhava, decidiu implantar uma loja de móveis na cidade de Sinop. A missão foi dada para Paulo. Ele tinha 21 anos e viu aquilo como uma oportunidade de se tornar o funcionário com a responsabilidade de inaugurar uma loja em um lugar novo. “Eu escutava as propagandas da Colonizadora Sinop, na época sempre enfatizando a cidade de Vera. Ainda assim, os donos da empresa onde eu trabalhava decidiram por abrir a loja em Sinop”, relembra Paulo.
A única coisa que Paulo sabia do Norte de Mato Grosso era o que a propaganda da Colonizadora dizia. Em janeiro de 1976, embarca em um caminhão carregado com os móveis, rumando para Sinop, a fim de abrir a loja. Sinop só seria elevada a condição de distrito de Chapada dos Guimarães em junho daquele ano. Ou seja, Paulo estava indo abrir uma loja de móveis – no que ainda era – um ‘mini distrito’.
De Cuiabá até o Posto Gil a viagem foi demorada, visto que a estrada não estava em boas condições – trechos da BR-163 estavam às vésperas de ser receber asfalto pelo 9º BEC (Batalhão de Engenharia Civil) do Exército Nacional. Dalí para frente, a estrada de terra era bem conservada por ser recém-construída. Depois de algum tempo, o primeiro sinal de civilização: um restaurante, o único na jovial Sorriso, que só seria reconhecida como município uma década depois.
Depois de uma longa viagem, Paulo chega em Sinop às 10 horas da noite. Nada de luzes acesas ou movimento. Era como se o vendedor tivesse chegado em uma fazenda. No papel rabiscado ele trazia o endereço do local onde deveria abrir a loja. E ali, naquele galpão de madeira peroba, ele estacionou o caminhão para passar sua primeira noite em Sinop. “Me ajeitei debaixo do galpão e comecei a sentir um cheiro forte. Achei estranho! Olhei por tudo e não achei a origem do mal odor. E era muito forte. Só dias depois é que fui descobrir que era por causa do tipo da madeira, peroba, que realmente tinha esse cheiro”, conta Paulo.
Na manhã seguinte, o vendedor começou a descarregar o caminhão. Na primeira remessa tinha colchões, camas, jogos de armário e sofá, além de algumas miudezas. O barracão ficava na segunda quadra da avenida principal (que ainda não havia sido nomeada como Avenida dos Mognos), atualmente Avenida Governador Júlio Campos, ao lado de onde hoje está instalado o Banco Itaú. “Então fui me dar conta de onde é que eu estava. Milho não produzia. Mandioca também não. Não tinha energia elétrica na cidade toda, nem água encanada. A única loja de móveis da cidade era aquela que eu estava abrindo. Eu pensava: ‘onde foi que me enfiaram? Ninguém vai comprar móveis nesse lugar’”, relembra Paulo.
Nem estudar era simples. O vendedor não chegou a completar o antigo ‘ginásio’. Em Sinop, tentou voltar a estudar. Quando foi até o Colégio Nilza de Oliveira Pipino, o único da época, a freira o informou de que haviam 3 pessoas matriculadas, ele era a quarta e que a turma só abriria se chegassem em 10 alunos – o que não aconteceu. “Eu não via perspectiva nenhuma de futuro em Sinop, mas acabei sentindo um amor pela cidade. Eu fui muito bem acolhido aqui e depois ajudei a trazer muita gente. A minha falta de estudo foi compensada pela companhia de pessoas inteligentes. Logo no começo pude conviver com pessoas como David Demarchi, Plínio Callegaro, Osvaldo de Paula... o Osvaldo inclusive foi meu avalista no banco quando comecei meu negócio, e muito mais que isso: me deu curso de casamento e também foi meu conselheiro”, pontua Paulo.
Difícil mesmo era fazer um churrasco com os amigos. Paulo conta que havia um açougue no centro de Sinop, mas que nunca tinha visto ele aberto. Descobriu que o estabelecimento funcionava por encomenda. Ao longo da semana as pessoas iam até o açougue e faziam seus pedidos. Nada muito específico: 2 a 3 quilos de carne para cada pedido. Quando o açougueiro percebia que a lista de compras dava uma vaca, ele ia até Nobres, trazia para abater em Vera, e só então carregava para Sinop. Isso porque no entorno da cidade não havia criação de gado. Quem coordenava essa operação era Tonho Santana, que conserva o título de primeiro açougueiro de Sinop. “Não tinha esse modelo que é hoje de escolher o corte da carne. Era tudo picado no machado. E também só tinha carne no dia que o Tonho chegava, porque ninguém tinha geladeira, quase ninguém tinha energia! O que acontecia às vezes era de você trocar a carne com outra pessoa, que não havia feito o pedido na semana, mas precisava porque tinha recebido visita, parentes”, relembra Paulo.
Carne de boi era uma proteína rara, mas não a única. Paulo conta que pela cidade era fácil encontrar alguém vendendo pedaços de anta ou paca. Outra coisa abundante era o peixe, pescado no Rio Teles Pires. “Como tinha Piraíba. Nossa!”, comenta, referindo-se ao peixe de couro que pode chegar a 150 quilos.
Os primeiros meses testaram a capacidade de adaptação de Paulo. De lazer, “bailão e bolão”. O bolão é um jogo similar ao boliche, um raro atrativo local para um jovem solteiro. Já o “bailão” era uma das esporádicas festas no “Xingu”, uma espécie de salão muito típico na época, onde as pessoas iam para se encontrar, beber algo e dançar. Paulo foi testar o baile no Xingu. Lá viu um rosto novo, que certamente não lhe passaria despercebido naquela minúscula cidade. Loira, jovem, muito bonita e desacompanhada. Foi assim que Paulo descreveu Noeli Hilbig, filha de Eugênio Ignácio Hilbig e Amida Hilbig, agricultores que se vieram com a família para Sinop em maio de 1976. Noeli nasceu em 21 de fevereiro de 1957, então naquele encontro ela tinha 19 anos de idade.
Depois do primeiro xote, o casal não se separou mais. “Eu tinha uma bicicleta, daquelas cargueiras, e com ela buscava e levava a Noeli para o trabalho”, recorda Paulo.
E o casal marcaria história no esporte sinopense. Paulo, quando não estava trabalhando, jogava bola. Em 1977, ele integrou o primeiro time do recém-fundado Sinop Futebol Clube, a esquadra mais tradicional da cidade. Ele conta que os jogos aconteciam no Pipinão, nome do campo dado em homenagem ao colonizador Ênio Pipino, que ficava onde hoje está instalado o Senai. Já Noeli fez parte do primeiro time de voleibol cidade – e praticou o esporte por mais de 40 anos, “aposentando-se” recentemente.
Pioneira na cidade, a loja de móveis vendia, mas abaixo do esperado. Os negócios deram certo, os colchões tinham boa saída, mas ainda assim Paulo não pretendia seguir no negócio. Depois de um ano e meio tentando, o vendedor deixa a loja para ir trabalhar em uma revenda de material de construção. “Não tinha emprego em Sinop. Não é como hoje, que até quem não quer trabalhar acaba empregado. Tinha nas madeireiras e nos matos, mas na cidade era muito difícil”, lembra Paulo.
O momento não era bom. Meses depois, a loja de material de construção fechou. Paulo estava noivo e desempregado. O que ele tinha para receber, entre salário e acertos, acabou pegando em materiais que sobraram no estoque. Em junho de 1978, um amigo, Zé Galani, ofereceu um “salãozinho” para Paulo guardar o material. Mas estava sem dinheiro, então tentava vender ou permutar os produtos para tentar comprar o que precisava. Acabou virando uma loja. Em agosto daquele ano, pegou um dinheiro emprestado com o pai, fez uma compra melhor de materiais de construção e o negócio engrenou.
Um mês depois, em 9 de setembro de 1978, Noeli e Paulo se casam e a loja vai bem. Então, ele aluga o antigo galpão de peroba onde abriu a loja de móveis para abrigar a Macon, Materiais de Construção. “A Colonizadora Sinop dava terreno no centro da cidade naquela época. Eu não peguei porque teria que construir em 3 meses. Então aluguei o barracão, que era maior e tinha uma casa nos fundos, onde eu e minha esposa fomos morar”, explica Paulo, contando que 4 anos depois acabou comprando o barracão.
Em 1979, a Rede Cemat – Concessionária de Energia em Mato Grosso – começou a instalar os primeiros geradores de energia elétrica em Sinop. Movidos a diesel, esses motores abasteceriam os comércios e residências, trazendo luz para cidade e iluminando um novo caminho para os negócios de Paulo. No mesmo ano, ele converte a Macon Materiais de Construção em uma empresa de instalação elétrica. O foco era a instalação dos padrões medidores de consumo nos comércios e nas casas. “O primeiro padrão ligado à rede foi instalado pela Macon. Foi no Hotel Celeste, que na época ficava na Avenida dos Mognos”, lembra Paulo.
O negócio prosperou e o empresário começou a ganhar dinheiro para se manter e expandir. Em janeiro de 1980, nasce Ivanise, a primeira filha do casal. Nesse mesmo ano, ele abre uma loja de parafusos, que acabou vendendo tempo depois. Em 1981, quando já não havia mais resquícios do cheiro da peroba, o velho barracão da loja é derrubado para dar espaço a um prédio de alvenaria. “Foi pouco mais de um ano para terminar a construção. Nesse tempo, aluguei um salão da Maria Alice Testa para colocar a Macon”, relembra.
Em junho de 1981, nasce Vanessa, a segunda filha, e em novembro de 1982, Paulo de Andrade Junior. Nesses últimos anos, Paulo começou a difundir em Sinop a cultura dos rodeios com cavalo. Iniciou com um grupo de amigos de um jeito bem informal, até que foi ganhando corpo. Em 1982, a brincadeira dá origem à Acrinorte (Associação dos Criadores do Norte de Mato Grosso), entidade que hoje reúne pecuaristas da região, e que por anos promoveu a Exponop, hoje convertida em Norte Show. Paulo tem a carteirinha de número 4 como sócio fundador da entidade. “A Acrinorte começa por causa do rodeio. Eu era juiz de rodeio nessa época. Depois, nessa associação, fomos trazendo shows, fazendo festas. Trouxemos show do Teixeirinha, do Moacir Franco, do Ovelha... a gente trazia os artistas que estavam no auge. A cidade parava! Outra coisa que todo mundo gostou de imediato foram os circuitos de rodeio e as exposições. Marcou época”, registra Paulo.
Sinop crescia, e no ano de 1984, quando a Avenida dos Mognos perdia seu nome em troca de uma fina camada de asfalto que foi embora na segunda chuva, Paulo recebe uma proposta pelo barracão de alvenaria que construiu para Macon. Eram as Lojas Pernambucanas, chegando na cidade.
Com o dinheiro, comprou uma fazenda, de 380 hectares, localizada entre Sinop e Itaúba. Lá criou nelores. Ele também investiu em uma empresa de transporte boiadeiro, tendo um caminhão próprio e alugando outros.
Em janeiro de 1987 nasce Kamila, a 4ª do casal. Nessa fase da vida, Paulo sentia que havia alcançado a estabilidade e a segurança financeira. As dificuldades não passavam de perrengues do dia a dia. O lugar que nada prometia acabou sendo generoso e farto.
No ano de 1995, ele vende a fazenda e a empresa de transporte boiadeiro para abrir um Disk-Entulho. Em 1997, quando os filhos chegam perto da idade de ingressar na faculdade, Paulo vende a empresa e se muda para Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Na nova terra, ele repete a experiência com uma loja de materiais elétricos. “A saída de Sinop, nessa época, foi necessária para mim e para minha família. Digamos que eu tinha os vícios de quem estava na cidade desde o começo e eles não me deixavam crescer. Acabava dando muita atenção para os rodeios, para as festinhas, a rotina de ir ao bar, a politicagem... enfim, fazendo as mesmas coisas que fazia lá no começo, que foram boas, mas agora não cabiam mais”, reflete Paulo.
Em Campo Grande ele foi convidado a integrar o Lions Clube, um clube de serviço. Sem as amizades habituais, Paulo se voltou completamente para família. Os seus 3 filhos mais velhos também tiveram o benefício da cidade grande, conseguindo cursar e concluir uma faculdade. Em Sinop, no ano de 1997, eles teriam acesso apenas à Unemat, que na época tinha apenas cursos de licenciatura (para formar professores).
Com a prole encaminhada, Paulo e Noeli decidem tentar mais uma vez em Sinop. Eles pegam os materiais da loja em Campo Grande e reabrem a Macon. Com novos costumes e uma visão diferente, Paulo vive uma nova fase da sua vida e chega a tempo também de ver a virada de chave em Sinop. A cidade que cresceu estimulada pelo setor madeireiro trocou de pilar econômico na primeira metade dos anos 2000. Mais empresas chegavam, faculdades e estabelecimentos de saúde começavam a se instalar e a madeira foi perdendo a importância até colapsar. Mas para o azar de Paulo, seu negócio foi tragado pela derrocada do setor madeireiro. O ano era 2004, momento em que estourou a Operação Curupira. A Macon estava no vermelho. Não vendia, e o que vendia não recebia. Os fornecedores também estavam atrasados, não tinha dinheiro em caixa. Desorientado, Paulo decide se aconselhar com um velho amigo, Osvaldo de Paula, tão antigo quanto ele em Sinop e que já havia sido seu fiador no passado. “Eu disse a ele: ‘quero um conselho, estou na pior situação’. Mostrei para ele um monte de notas que a Macon tinha para receber e outro monte que tinha para pagar. Ele me disse: ‘rasga e joga fora, isso só está atrapalhando, e você não vai receber o que te devem. Eu já vi você cair e levantar 3 vezes’. Segui o conselho dele, e foi aí que deu uma virada na minha vida”, revela Paulo.
Desde então o empresário carrega consigo uma espécie de mantra, que busca seguir à risca: “importância de ter humildade para pedir, sabedoria para ouvir, determinação para fazer e honestidade com tudo”. Alicerçado nessas premissas, ele rasgou as notas, matou a Macon e abriu a Dimel – Distribuidora de Materiais Elétricos. Ele virou o negócio do avesso, saindo das vendas no varejo e focando no atacado. “A Dimel começou do zero. Com R$ 65 mil eu comprei as primeiras cargas de fio. Esse era o produto. Nada de uma quantidade enorme de itens que demoravam no estoque para girar. Foi assim que nos reestabelecemos”, explica o empresário.
Passados 8 anos da abertura, em 2018, a Dimel já era uma empresa sólida e lucrativa. Com isso se permitiu diversificar, ampliando a variedade de produtos e abrindo também para o varejo. Em 2024, a empresa conta com 22 funcionários, entre eles os dois filhos, Kamila e Paulo Jr, que encontraram no negócio da família a sua vocação.
Aos 70 anos de idade, Paulo ainda acompanha a empresa, mas sua atenção é dividida com a casa do sítio, onde ele e Noeli passam boa parte do tempo com os netos Alicia, Isadora, Olívia, Pedro Paulo, Laura e Daniel. “Ser avô é a melhor função que já tive”, finaliza Paulo.
1976
Antônio Carlos Martins

CONTANDO OS GIROS QUE A VIDA DÁ
Um contador apaixonado por aviação, que sai do maior centro urbano do país para fazer projetos de financiamento na primeira cooperativa de Sinop, arrumando no Governo Federal dinheiro para os colonos abrirem suas terras. Ele vira piloto de avião, plantador de café, de guaraná e dono de farmácia, funda o primeiro aeroclube de Mato Grosso e ajuda a resolver um problema histórico do aeroporto de Sinop. Nessa conta do contador ainda entra o primeiro loteamento da cidade que não foi aberto pela Colonizadora
Antônio Carlos Martins nasceu em São Paulo (SP) no dia 13 de setembro de 1947. É o segundo filho de José Martins Vasquez e Otília Uliana Martins. Seu pai quase nasceu no navio em que seus avós vieram da Itália. O avô paterno de Antônio acabou morrendo durante essa viagem. A família teve que recomeçar sua vida no novo país sem seu patriarca.
A infância de Antônio foi no bairro da Mooca, na época um lugar tranquilo, não muito povoado, onde o padeiro entregava sua mercadoria nas casas, de carroça. Quando criança, Antônio estudou no Colégio Comercial Brasilux, perto da sua casa. A disciplina e o respeito pelos professores eram traços da sua personalidade.
Aos 13 anos de idade teve seu primeiro trabalho formal, de carteira assinada. Foi na mesma empresa que o pai trabalhava, como vendedor de bombas de poço. Antônio foi auxiliar de escritório. À medida que crescia dentro da empresa Antônio também fazia uns bicos vendendo roupas na feira e material tipográfico. Quando fechou uma venda de anuários para os formandos de um Colégio, recebeu o suficiente para comprar seu primeiro carro: um clássico Vemaguet.
E com 18 anos descobriu duas paixões. A primeira foi a bordo do seu recém comprado bólido. Um amigo em comum pediu para que Antônio fosse pegar uma moça em sua casa para lhe dar uma carona. Essa “moça” era Celina Dias. Daquele contato casual surgiu um namoro que depois viraria um relacionamento de três décadas.
A segunda paixão que Antônio descobriu foi em uma máquina mais potente. Com 18 anos de idade, ele entrou em um avião pela primeira vez, em um voo de São Paulo ao Rio de Janeiro. A aviação despertava a sua curiosidade desde criança. Ainda menino, ia com a família visitar os primos em Pirassununga e passava algumas horas contemplando, de longe, as aeronaves na Academia da Força Aérea. “Meu encanto não era pela questão militar, mas pelo avião. Quando embarquei em um voo pela primeira vez, fiquei maravilhado”, conta Antônio.
Ele continuou se dedicando aos estudos, e em 1967 concluiu o segundo grau com a formação técnica em Contabilidade. No mesmo ano, começou a atuar como auxiliar de contabilidade em uma indústria de tecelagem. Em fevereiro de 1968, já era contador no Colégio São luiz
Em 1969, Antônio e Celina se casam. Com o Vemaguet, vão para Florianópolis passar a Lua de Mel. Lá acabam conhecendo um casal francês que tinha trabalhado na Indústria Aeronáutica Neiva, uma empresa que fabricava os aviões da Força Aérea Nacional e que acabou sendo incorporada pela Embraer. Era mais uma coincidência que Antônio via como um sinal.
No mesmo ano, ele dá sequência na sua formação como administração de empresas, ingressando na faculdade de Economia São Luiz. Ele também começa a trabalhar como contador na Aliança Francesa até 1971. Quando deixou a instituição, já falava o francês de forma fluente em razão do contato que tinha com os professores que eram todos franceses. Em março de 1972, nasce Renata Martins, a primeira filha de Antônio e Celina. No ano seguinte, em agosto de 1973, Caio Martins vem ao mundo.
Em 1974, ele conclui a faculdade de contabilidade e agora está livre para voar. Antônio faz a sua inscrição na escola de pilotos a fim de obter seu brevê. Todos os sábados ele ia até Jundiaí (SP), onde ficava o aeroclube, para tomar suas lições. Dos 15 alunos que fizeram o curso, apenas 3 passaram. Antônio ficou em primeiro lugar, tirando seu brevê em um intervalo de 3 meses.
Nessa época, ele estava trabalhando na Almeida Silva, uma empresa especializada em ferramentas. O grupo tinha uma fazenda em Porto Velho (RO), que teve problemas relacionados ao recolhimento das taxas do extinto INPS (Instituto Nacional da Previdência Social). Antônio tinha que viajar até Rondônia para resolver a situação e decidiu ir de avião. “Eu me recordo o como foi encantador para mim ver aquela imensidão lá de cima. Extensas áreas de floresta que pareciam não acabar mais. Grandes fazendas com áreas de pasto, cheias de gado. Vi algo muito diferente do que eu via em São Paulo. Conheci um Brasil, que era enorme, sendo construído”, revela Antônio.
No final de 1975, a Almeida Silva acaba encerrando suas atividades. Antônio chega a receber uma proposta para ir trabalhar na Inglaterra. Jonathan, da Royal English, cunhado do seu ex-chefe, foi quem fez o convite. Um ano antes, Antônio havia ajudado Jonathan no que foi a primeira operação de leasing realizada no Brasil a Videorent. A ação foi especificamente para locação de aparelhos de televisão em cores. Mas Antônio declinou do convite.
Ele pede as contas da Almeida Silva para trabalhar na Usiminas. Mas antes, decide tirar férias – a única vez que tinha feito isso até então foi na lua de mel. Um dos outros dois pilotos que se formaram com Antônio o convida para conhecer a serraria do seu pai, na cidade de Sinop, e pescar nos rios de Mato Grosso. “A gente queria fazer o trajeto de avião. Nos programamos para alugar um Cherokee 180, de asa baixa. Meu amigo acabou desistindo. Então resolvi fazer a viagem de carro”, conta Antônio.
A bordo de um Ford Corcel, em março de 1976, o jovem contador/aviador parte para Sinop, esperando ver mais daquilo que contemplou quando foi para Rondônia. A partir de Nobres (MT), encontrou uma estrada em perfeitas condições, recém aberta, que o permitiu fazer o trajeto até Sinop em 4 horas e meia. Ele chega e se hospeda no Hotel do Italiano. No dia seguinte, dá um passeio para ver a nova cidade e acaba conhecendo Nilton Ribeiro Lima, então presidente da Comicel (Cooperativa Mista Celeste). Na época, a Comicel era uma espécie de balcão de recepção da cidade. Os recém-chegados ao projeto da Colonizadora Sinop encontravam na cooperativa um suporte para iniciar suas atividades, para fazer negócios ou mesmo agilizar contatos com quem já estava produzindo. Nilton acaba convidando Antônio para trabalhar na cooperativa e o contador aceita. “Naquela visita eu vi tudo que ia acontecer em Sinop. Olhei a localização no mapa, Sinop era o centro de Mato Grosso. Tinha uma BR recém-aberta, uma imensidão de terra e muita gente chegando. Eu vi naquele momento que Sinop ia bombar”, conta.
Ele volta para São Paulo, e no dia 10 de agosto de 1976 se muda com a família para Sinop. Passam um mês morando no Hotel do Italiano até que a casa da família, na Rua dos Lírios, fosse concluída.
Como contador, Antônio havia aprendido como fazer os projetos do “Pró-Terra”, um programa do Governo Federal que viabilizava crédito para a instalação de propriedades rurais. Pelo programa, era possível pegar dinheiro da União para financiar a derrubada do mato, construção da casa, perfuração de poço, cerca para o gado, plantio... basicamente tudo que precisava para abrir uma propriedade e torná-la rentável. Antônio conta que as condições eram muito atrativas: juros de 6% ao ano sem correção, prazo de 12 anos para pagar, com 6 anos de carência. “As pessoas chegavam em Sinop, batiam na Cooperativa e já saíam com o financiamento encaminhado. Os projetos eram feitos para módulos de 100 alqueires, que para mim na época era uma enormidade de terra. Com o contrato de compra da área, já dávamos entrada no processo. Saía uma grana boa, algo como o valor de 3 ou 4 carros. Eu fazia os processos, pegava um ônibus e ia até Cuiabá com as cédulas do financiamento e voltava com o dinheiro em espécie. No começo fazia uma viagem por mês. Depois, comecei a precisar fazer de 15 em 15 dias. O dinheiro ia sendo liberado por etapas e a cooperativa fiscalizava a aplicação. Sem dúvidas, a Comicel foi o grande suporte para a Colonizadora Sinop vender suas terras na Gleba Celeste, porque era a ferramenta que viabilizava a instalação das famílias que chegavam”, relembra Antônio.
Nessa época, a Cooperativa tinha cerca de 500 associados. Pertencer à Comicel garantia acesso a orientação técnica, a ter um local para comercializar a produção e também à saúde, já que tinha um convênio com o hospital local. Antônio era um “moderninho” paulista de 29 anos de idade, com um rebelde cabelão, que agora estava à frente de toda essa operação. O visual era questionado pela mãe-fundadora da cidade. Nilza de Oliveira Pipino dizia que o gerente da cooperativa tinha que cortar o cabelo para ter uma aparência compatível com sua responsabilidade. Por 3 anos Antônio escutou o sermão da fundadora, mas não cortou o cabelo. Depois dessa passagem pela Comicel, em 1980, a família voltou para São Paulo.
Antônio se dedicou à produção agrícola. Ele foi acumulando terras e também conhecimento com o engenheiro agrícola da cooperativa. Em 1977, ele abre uma roça com 35 mil pés de café. A variedade plantada foi o Catuaí, material genético desenvolvido no Brasil a partir de grãos africanos. “A gente derrubava e queimava o mato até o dia 25 de agosto, porque no dia 26 já podia chover. Aí plantava as mudas. Quando os pés estavam maduros, caía uma boa chuva e a lavoura ficava branca de flor, coisa mais linda. Aí passavam 20 dias sem chover, debaixo desse sol de Mato Grosso. Era difícil. Eu consegui colher muito café aqui. Dava uma renda, que hoje seria equivalente a algo em torno de 22%”, relembra Antônio.
Ele também abriu o caminho para outras culturas que marcariam a primeira e a segunda década de Sinop. De uma Gleba no Rio Ferro ele busca mudas de pimenta-do-reino e planta 1.200 pés. Antônio também conhece o guaraná. O colonizador Ênio Pipino trouxe de Maués as primeiras sementes das quais seriam feitas as mudas para disseminar a cultura na Gleba Celeste. Mas no começo houve pouco interesse. Antônio faz o primeiro plantio de guaraná em Sinop com 1.300 pés. Tempos depois, ele monta um viveiro para multiplicar mudas e começa a vender para outros interessados. O guaraná se mostra bem mais lucrativo que o café. Antônio vendia a produção para um laboratório em São Paulo.
Entre 1980 e 1985, Antônio ficou com um pé em Sinop e outro em São Paulo, plantando em duas áreas de 150 alqueires, localizadas na Quarta Parte, e mais um sítio de 25 alqueires. Na época, o mercado de contadores em Sinop estava bem servido e Antônio teria dificuldade de ter uma boa renda trabalhando com sua profissão. Mas ele entendia que precisava voltar em definitivo para o Norte de Mato Grosso. Era preciso ter um negócio menos sazonal que a lavoura. Então, em 1985, Antônio entra no varejo. Ele compra a Drogaria Econômica, bem em frente ao Hospital Celeste. Com isso, sua família volta para Sinop. O negócio vai bem, e em 1987 ele compra uma segunda farmácia, a Droga Nova. Para tudo isto acontecer, contou com sua maior parceira, que sem ela nada disto seria possível: sua cunhada Yara Dias.
Antônio já estava em uma situação estável quando, em 1992, decide dedicar parte do seu tempo para exercitar a sua paixão pela aviação e dar sua contribuição para a cidade. Ele e outros entusiastas da aviação se unem para formar o primeiro Aeroclube de Sinop – que também viria a ser o primeiro do estado.
Nesse grupo estavam João Marcos Bustamante, Rene Neri Gebauer, Fernando “Xingu”, Ademar da Palomar, Claudio Alves Pereira, os instrutores de voo Roberto Balabush e Eudes Soares Moreno, o juiz de Sinop Elinaldo Veloso Gomes, o promotor de justiça Paulo Padro, o “Parafuso” da Caltrasa, e o arquiteto e urbanista Alfredo Clodoaldo de Oliveira Neto. Antônio foi eleito o presidente da primeira diretoria que viabilizaria a implantação do Aeroclube.
Mas nesse processo de buscar os órgãos competentes para viabilizar o Aeroclube, o grupo descobre que a pista do Aeroporto de Sinop não era homologada. Ou seja, o local onde o clube pretendia operar estava irregular.
A pista do Aeroporto de Sinop foi construída em uma área doada pela Colonizadora Sinop. O problema é que, documentalmente, os 150 alqueires onde estavam situados o Aeroporto pertenciam à Sinop Agroquímica – a indústria de etanol de mandioca implantada na cidade que acabou não prosperando. Em razão das dívidas, o patrimônio da indústria foi para penhora, e nesse bolo de bens estava a área do aeroporto local. Ou seja, o grupo queria fazer seu clube, mas acabou tropeçando em uma situação que dizia respeito a toda cidade.
Os entusiastas começam, então, uma epopeia para tentar regularizar a situação. Acionam lideranças políticas, intermediam com a Colonizadora e percorrem repartições em Brasília. Chegam a ter uma audiência com o presidente do Banco do Brasil. No final, essa interlocução resultou no desmembramento da área do Aeroporto e esse pedaço menor foi doado para a Prefeitura de Sinop, e depois repassado ao Governo de Mato Grosso. Com isso, o imóvel saía da pilha de bens que estavam sob penhora no Banco do Brasil. Se o Aeroporto de Sinop está onde está, foi por conta dessa ação.
Com o processo de homologação do aeroporto concretizado, o grupo voltou a organizar o Aeroclube. Através do deputado federal José Augusto Curvo – que colaborou na fase de homologação –, o grupo teve acesso ao senador Jaime Campos, que abriu caminho até o Ministro da Aeronáutica, Cel. Lélio Viana Lobo. Para surpresa de todos, o ministro havia participado ativamente da construção do aeroporto de Sinop. “Nesta época, o Brasil havia firmado um acordo com a Argentina mediante o qual seria feita uma troca de aeronaves fabricadas nos dois países. O Brasil enviaria aeronaves modelo ‘Tucano’, fabricadas pela Embraer, e receberia aeronaves para treinamento modelo ‘Aero Boero’ que seriam repassadas aos aeroclubes de todo o país, substituindo os antigos aviões de treinamento ‘Paulistinha’, utilizados há várias décadas. Na reunião com o ministro, ele nos disse que repassaria para o nosso Aeroclube duas dessas aeronaves novas, mediante o compromisso de construirmos no Aeroporto de Sinop um hangar para abrigar no mínimo 4 aeronaves”, lembra Antônio.
Com recursos próprios e doações, o grupo construiu o primeiro hangar do Aeroporto de Sinop para receber as duas aeronaves doadas pelo Ministério da Aeronáutica, materializando o Aeroclube.
De volta aos seus negócios, em 1994 Antônio montou, em sociedade com um amigo, uma oficina de torque e transmissão, a Midral Técnica. A empresa durou 2 anos, quebrando junto com uma das crises que assolaram o setor madeireiro. Nessa época, inclusive, Antônio quase abriu uma madeireira. Ele havia trocado uma caminhonete C-10 por uma área de terra de 8,5 alqueires e pretendia abrir uma laminadora nesse local. O empreendimento seria financiado pelo BEMAT (Banco do Estado de Mato Grosso). “Houve uma intervenção no banco nessa época e o financiamento não saiu. Ainda bem, senão teríamos quebrado junto com os outros”, comenta.
Sinop tinha nessa época mais de 500 madeireiras. Havia muito funcionário e uma demanda por terrenos mais baratos que pudessem ser comprados por um assalariado. Em 1997, Antônio decide pegar esse terreno onde iria abrir a laminadora e fatiá-lo em pequenas porções. Ele forma então 3 quadras, cascalha as ruas e coloca a rede de energia elétrica. Surgia assim o Jardim Paulista, o primeiro pedaço da cidade de Sinop que não foi feito pela Colonizadora. Era também o começo da Lotte Imobiliária.
A ideia veio de um tio, que havia aberto um loteamento na cidade de Itanhaém, no litoral paulista. A primeira leva do Jardim Paulista tinha 100 lotes de 330 metros quadrados. O produto teve boa aceitação, quebrando um monopólio que pertencia à fundadora da cidade. Nos anos seguintes, outros lotes foram abertos no mesmo bairro. Foram 4 anos para concluir a venda dos 282 lotes que a Lotte implantou com o bairro.
Antônio prospera rapidamente como empresário do setor imobiliário. Mas sua vida toma um sacode em 1999, quando Celina parte de forma repentina. Em dado dia, ela começa a sentir uma forte dor de cabeça, e 20 minutos depois entra em coma e tem sua morte cerebral decretada. Foi como um estalo, ligeiro, mas ruidoso, suficiente para desorientar Antônio.
Nessa época, seu filho estava em Cuiabá estudando Direito e sua filha morando em Minas Gerais. Antônio sente que o vínculo com Sinop talvez já não fazia sentido. Então, depois de 26 anos como piloto habilitado, ele enfim compra um avião. A aeronave escolhida foi um Corisco 1979, que usou para fazer o serviço de táxi aéreo. “Eu voei 1.100 horas com esse avião”, revela.
No ano 2000, Antônio decide ir para o Espírito Santo em busca de novos ares. Compra uma lancha e uma ‘banana boat’ para trabalhar na praia. Em 2002, ele conhece em Sinop uma nova parceira, Ester Milano, com quem se casa. Como seu filho também estava morando na cidade, ele decide retornar a Sinop em 2003.
Nesse ano, Antônio lança o Jardim Paulista 2, dando sequência ao projeto de loteamento em suas áreas. O empreendimento abre 424 lotes de 300 metros quadrados, sendo um reduto para habitações populares no valorizado mercado imobiliário da cidade. O empresário também constrói 100 casas no bairro, que são vendidas através do programa habitacional Minha Casa Minha Vida. A iniciativa viabiliza a primeira moradia para muitas pessoas.
Em 2006, ele decide voltar a estudar. Começa a faculdade de Arquitetura, mas acaba deixando o curso um ano depois para se dedicar à abertura da farmácia de manipulação Alquimia, em parceria com sua nova esposa e o seu filho Flamaryon, que havia se formado em Farmácia, que gerenciam o novo negócio.
Em 2017, convidado pela UNESIN (União das Entidades de Sinop), participou ativamente na homologação do sistema de rádio e aproximação por instrumento das aeronaves comerciais, na qual possibilitou os pousos e decolagem de aeronaves no período noturno e com chuva no aeroporto de Sinop.
Seu caminho empresarial volta a cruzar com a aviação no ano de 2017. Antônio vende uma área de terra para a Fastech, a Faculdade de Tecnologia de Sinop, que tem como “curso semente” a formação em Ciências Aeronáuticas. Hoje, seu neto Vinícius é professor do curso e um dos responsáveis pelo projeto de implantação de um aeródromo recente na cidade.
No entorno da Fastech, a Lotte implantou em 2022 o loteamento Quatro Estações, com 184 terrenos. Em 2024, a empresa inicia a implantação do Serra Dourada, um loteamento com quase 500 unidades localizado em uma área vizinha ao antigo aeroporto do Canarinho. Além da Lotte, Antônio também atua no setor ajudando a representar a categoria. Ele foi o primeiro presidente da AELOS (Associação das Empresas Loteadoras de Sinop), ficando à frente da entidade por 4 anos.
Em 2023, seu filho Caio juntamente com sua esposa Drª Viviane e seus netos Benjamim e Nicolas, estes nascidos no Canada, voltam às suas origens, morando hoje em Ottawa.
Em sua jornada, Antônio participou de vários momentos-chave da história de Sinop. Ele viu a transição da economia, as terras da cidade sendo valorizadas, o mercado imobiliário ser desconcentrado das mãos da fundadora e presenciou o voo de Sinop com a consolidação de um aeroporto moderno, operado por grandes companhias, que conectam a cidade aos principais ramais da logística aérea nacional. A aquela remota visão que teve sobre esse lugar, na década de 70, se consolidou. Aliás, foi além da conta.
1976
Os primeiros contornos de Sinop

O DISTRITO DE SINOP
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Passados dois anos de fundação, Sinop é elevada à categoria de Distrito do Município de Chapada dos Guimarães pela Lei Estadual nº 3.751/76, assinada pelo governador José Garcia Neto
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Com a criação do Distrito de Sinop, em 1976, a cidade passou a ter o direito de eleger seu representante junto ao Município de Chapada dos Guimarães, do qual fazia parte. Foi eleito para a legislatura 1977-1980 o pioneiro Plínio Callegaro
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Naquele mesmo ano, a Colonizadora Sinop instalou um marco de identificação na cidade, trabalhado em madeira, e que foi instalado na rotatória da BR-163, que havia sido construída para dar acesso à entrada principal
PARÓQUIA E ESCOLA
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Outros dois momentos importantes ocorridos em 1976 foi a criação da Paróquia Santo Antônio e a posse do 1º pároco da cidade, além da criação da Escola Estadual Nilza de Oliveira Pipino
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A Santo Antônio, primeira paróquia da cidade, teve como primeiro pároco o padre João Salarini, que por sua presença marcante na vida religiosa e social da cidade por tantos anos, é considerado um dos grandes personagens da história de Sinop
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Até 1976, a primeira escola de Sinop funcionou como extensão da Escola Estadual Nossa Senhora do do Perpétuo Socorro, na cidade de Vera. Foi então que o Governo do Estado, por meio do Decreto nº 767/76, criou a Escola Estadual de 1º Grau, Nilza de Oliveira Pipino