Linha do Tempo, Sinop 50 anos
USE AS SETAS PARA
NAVEGAR ENTRE OS ANOS
1970
Colonizadora Sinop
1971
Projeto original da cidade
1972
Abertura da cidade
1973
Construção do escritório da Colonizadora Sinop
1974
Fundação de Sinop
1975
Visita do ministro da Agricultura Alysson Paolinelli
1976
Os primeiros contornos de Sinop
1977
Primeira escola e primeiras colheitas
1978
Comemorações do 4º ano de fundação de Sinop
1979
5ª ano de fundação e emancipação político-administrativa
1980
Visita do presidente João Batista Figueiredo a Sinop
1981
Osvaldo Paula - 1º Administrador Municipal de Sinop.
1982
Dom Henrique Froelich, 1º Bispo de Sinop
1983
Geraldino Dal Maso, 1º prefeito eleito de Sinop
1984
Segunda visita do presidente João Figueiredo
1985
Instalação da Comarca de Sinop
1986
12º aniversário de fundação de Sinop
1987
Construção do Ginásio Benedito Santiago
1988
Figueiredo homenageado e eleições municipais
1989
Asfalto na Avenida Júlio Campos
1990
Sinop FC é campeão mato-grossense de futebol!
1991
Praça Plínio Callegaro
1992
Primeiro prédio da UFMT em Sinop
1993
Antônio Contini assume como prefeito de Sinop
1994
Construção do Estádio Gigante do Norte
1995
Área da Catedral Sagrado Coração de Jesus
1996
Visita do presidente Fernando Henrique Cardoso
1997
Adenir Alves Barbosa é eleito prefeito pela segunda vez
1998
Instalação do Corpo de Bombeiros
1999
Construção do viaduto na entrada principal
2000
Miss Sinop, Miss Mato Grosso e Miss Brasil Josiane Kruliskoski
2001
Nilson Leitão é eleito prefeito
2002
Segunda visita oficial do presidente FHC
2003
XVII Noite Cultural de Sinop
2004
Museu Histórico de Sinop
2005
Nilson Leitão reeleito prefeito
2006
Campus da UFMT em fase de construção
2007
Inauguração Catedral Sagrado Coração de Jesus
2008
Centro de Eventos Dante de Oliveira
2009
Juarez Costa é eleito prefeito
2010
Memorial Rogério Ceni
2011
Raízes da História de Sinop
2012
Embrapa Agrossilvipastoril
2013
Juarez Costa reeleito prefeito
2014
Batalhão do Exército Brasileiro
2015
Reurbanização da Avenida dos Tarumãs
2016
Dom Canísio Klaus, 3º Bispo de Sinop
2017
Rosana Martinelli, primeira prefeita eleita
2018
Instalação da INPASA
2019
Usina Hidrelétrica Sinop
2020
Visita do presidente Jair Bolsonaro
2021
Roberto Dorner é eleito prefeito
2022
Marinha do Brasil
2023
Duplicação da Avenida Bruno Martini até o aeroporto
2024
Novo Terminal de Passageiros do Aeroporto de Sinop
Deixe sua Sugestão
Envie para nós fotos e dados históricos para enriquecer nossa Linha do Tempo.
1979
Erno Reschke
EIXO DE DEDICAÇÃO
Um descendente de alemães, com dom para correr, poderia até ter sonhado em participar das Olimpíadas, mas seguiu outro caminho de progresso. Seja na madeira, no ferro, nos transportes ou na busca pela energia elétrica, Erno Reschke sempre se dedicou pelas melhores condições de trabalho para entregar produtos de qualidade para todo o país
Dedicado, pontual, corajoso e arrojado. Estes são os principais predicados que se nota ao conversar com Erno Reschke, um gaúcho criado no Paraná e que sempre acreditou no sucesso de Sinop. Filho de Arnoldo Reschke e Hulda Redlich Reschke, um casal de agricultores de descendência alemã, Erno tem mais cinco irmãos. Nasceu em 1949, no distrito da Linha 11, em Ijuí, no interior do Rio Grande do Sul.
Aos três anos de idade, o pequeno Erno relutou para entrar dentro do caminhão de mudança que levou sua família para morar em Marechal Cândido Rondon, então conhecida como Vila General Rondon, no Paraná. A viagem durou mais de 15 dias. Quando saíram do Rio Grande do Sul, comentava-se na época que no Paraná haviam terras boas e prósperas. A mudança aconteceu com dois caminhões levando algumas famílias.
Chegando a Marechal Cândido Rondon, havia apenas barracões para as famílias se hospedarem. Para se abastecer de mantimentos, elas precisavam se deslocar a um mercadão em Toledo chamado Colombelli, ficava distante cerca de 50 quilômetros. Arnoldo e a família estavam entre os primeiros moradores daquela localidade. O plano do patriarca era montar uma serraria. Chegando lá, Arnoldo e Hulda tiveram mais um filho: Sigfredo, que precisou ser registrado em cartório em Foz do Iguaçu, a cerca de 160 quilômetros.
O começo da serraria foi com bastante dificuldade. As pessoas levavam toras em cima de carroças puxadas por bois e as descarregavam lá. Arnoldo serrava com uma serra pica-pau e cobrava pela mão-de-obra. Na época, era serrada a madeira de ipê, a mais procurada. Além de ipês, havia árvores peroba e cedro que também serviam como matéria-prima.
Erno estudou primeiro na Escola Normal, até o primeiro ano do ensino médio. Depois, foi matriculado no Colégio Rui Barbosa, onde estudou do segundo ao quarto ano e se formou. Em paralelo aos estudos, começou a trabalhar na serraria do pai, aos 14 anos de idade. Carregava madeira nas costas e fazia os serviços gerais, ajudando Seu Arnaldo e o irmão Reinart. Ainda garoto, ganhou o apelido de ‘Sanduíche’, pois sempre que parava em um boteco após a aula, pedia um lanche para comer.
Certa vez, chegou um circo a Marechal Cândido Rondon, que convidou os garotos para uma luta de boxe. Os colegas convenceram Erno a lutar. Ele entrou e superou o adversário – ou melhor, um colega.
Nesta época, as escolas participavam anualmente de competições que contavam com premiação. Um professor de Educação Física precisava escolher os 3 melhores atletas para representar a escola. Eram corridas de 50m, 100m e 400m, além de futebol e outros esportes. Erno tinha vontade de participar das corridas, mas não foi escolhido. Tímido, porém, não falou nada ao ser preterido. Os escolhidos tinham como regalia saírem antes do fim da aula duas vezes por semana para treinarem para a maratona, que seria realizada em um domingo.
Chegando no dia, Erno foi à igreja pela manhã e, no retorno, passou pelo campo de futebol para acompanhar as competições. Porém, chegando lá, percebeu que a equipe de sua escola teve um problema inesperado: um dos três competidores estava com disenteria e faltou. O professor, então, convoca Erno de última hora para substitui-lo. Pego de surpresa, o jovem corredor não estava preparado. O treinador, então, leva-o a uma loja para comprar um tênis e calção.
Erno aceitou participar da prova de 100 metros. Na primeira metade, só ‘patinou’. Esse tempo foi suficiente para se acostumar ao novo calçado, e a partir daí, Erno voou. Ultrapassou quem ainda estava à sua frente e venceu a prova com folga.
Após o desempenho extraordinário, o professor resolveu colocá-lo também para competir a prova de 400m. A princípio, relutou, pois não havia treinado, mas, por fim, aceitou o próximo desafio e quebrou o galho. Mesmo liderando com certa distância, Erno sentiu o cansaço da corrida anterior e diminuiu o ritmo. Acabou em terceiro lugar, recebendo premiação. Mesmo assim, foi aclamado pelos colegas e pelo treinador. “Fui de subestimado a campeão”, orgulha-se.
Com boa fluência no alemão, Erno foi um dos quatro escolhidos de Marechal Cândido Rondon para servir o quartel em Foz do Iguaçu, em 1968, com 19 anos de idade. Simultaneamente ao serviço militar obrigatório, cursou o primeiro ano de Contabilidade no Colégio Marista na mesma cidade.
Já no ano seguinte, Erno se mudou para Cascavel (PR) para trabalhar na Metalúrgica Paraná, seu primeiro emprego. Foi quando morou na casa do cunhado e da irmã mais velha Lili. Também transferiu os estudos – o mesmo curso para o mesmo colégio. Trabalhava durante o dia e estudava à noite. A primeira função na empresa era vender pregos. Depois, virou chefe do Departamento de Vendas. Ao longo dos anos, foi subindo de cargo, virou diretor industrial substituindo um dos sócios, e por último, virou sócio com participação em 5% das ações. Durante esse período, se formou em Contabilidade e participou de inúmeros cursos na área de vendas em Curitiba, sempre a mando da empresa. “Tive muitas oportunidades e aproveitei todas elas, para desenvolver meu trabalho de liderança e administrar a indústria”, lembra. No total, permaneceu na metalúrgica por 8 anos.
Durante o tempo em que esteve na Metalúrgica Paraná, Erno conheceu Lenir Bruning, que trabalhava no caixa. Logo, eles começaram a namorar e se casaram. O primeiro filho, Renato Reschke, nasceu em Cascavel, em 1976.
Após sair da empresa, como havia prometido ao diretor da metalúrgica que não abriria concorrência, decide voltar para Marechal Rondon, ao lado de Oldemar, um amigo dos tempos de Cascavel, para abrir a Metalúrgica Reschke, em 1976. “Foi uma parceria de confiança. Na Metalúrgica Reschke, nos prosperamos bem”, disse.
O início da Metalúrgica Reschke foi através de uma serralheria com 8 funcionários. Depois, expandiram os negócios e começaram a trabalhar com estruturas metálicas e esquadrias de ferro. Uma das grandes obras foi a construção da Igreja de Santa Helena, que contava com uma estrutura metálica redonda. Erno contratou pessoas de Curitiba (PR) para trabalhar na obra, além de um engenheiro, de Cascavel, para estruturar o projeto. “Era um desafio grande, mas foi um marco que deixamos registrado na cidade, um orgulho para a gente”, afirma. Nesse período, nasce Fabiane, em 1978.
Apesar do crescimento da Metalúrgica, Erno recebeu o convite de um grande madeireiro de Margarida, distrito de Marechal Cândido Rondon, o senhor Helvino Gebauer. Ele havia se mudado para Sinop e chamou o amigo para conhecer a cidade em 1978. A primeira viagem de Erno para o Norte de Mato Grosso foi na VW Brasília de Gebauer. Ao chegarem, muita chuva, pouca gente, mas muita madeira. Erno viu bastante potencial naquela embarreada cidade.
Ao voltar para Marechal Rondon, Erno conversou com a esposa e disse acreditar em mais oportunidades de negócio em Sinop, que estava localizada no meio do caminho da estrada de Cuiabá a Santarém (PA). Era um eixo de exportação, com tendência de crescimento. Corajoso, o quinto filho de Arnoldo Reschke então decidiu se mudar e teve uma ideia: fazer uma troca com o irmão Reinart e o pai. Naquela época, eles ainda estavam à frente do mesmo negócio. Os familiares aceitaram a proposta. Então, Erno ficou com a serraria e deixou a Metalúrgica Reschke para o pai e o irmão, em 1979.
Antes de se mudar, porém, Erno foi padrinho de um casamento em Marechal Cândido Rondon. Já convencido da tendência de sucesso em Sinop, aproveitou a festa para convencer outro amigo, Dr. Jorge Yanai, para também se mudar para o Mato Grosso. “Temos uma amizade muito grande. Construímos juntos, sofremos juntos”, lembra.
A caminho do Nortão
Nesse momento, Erno convenceu o irmão mais novo, Sigfredo, que também tinha grande experiência em serraria, e decidiu vir junto para Sinop, onde construíram e constituíram a Madeireira Reschke em sociedade.
Erno e Sigfredo desmontaram toda a estrutura e a levaram para Sinop. Era uma serraria de fita, já havia um trator de pneu, um pequeno trator de esteira, uma plaina e um caminhão. “Meu pai e meu irmão prosperaram muito em Marechal. De serra de pica-pau foram para a fita; depois, já compraram trator e caminhão pra puxar tora. Nós chegamos em Sinop com uma boa base já pra montar a serraria. Estava bem montada pra começarmos a trabalhar”, explica.
Além da esposa e dos 2 filhos pequenos, Erno trouxe também Sigfredo com sua família. Arrojado, ele ainda levou 10 famílias para trabalhar em sua nova indústria. A cidade já contava, à época, com mais de 10 serralherias. Em relação à qualidade de vida, para ele, não havia comparação entre o interior do Paraná e o interior do Mato Grosso naquela época. A população era abastecida pela COBAL (Companhia Brasileira de Alimentos) e a comida chegava à empresa através dos Buffalos – aviões capazes de pousar e decolar de pistas curtas, podendo carregar uma enorme quantidade de cargas especialmente para suprir regiões ermas, como era o caso de Sinop da década de 1970.
Ao chegar em Sinop, Erno e Sigfredo adquiriram diretamente com Ênio Pipino uma área de 25 alqueires, localizada na saída da Estrada Nanci. Já a sua casa foi construída na Rua das Rosas. Ele também comprou uma chácara de cinco alqueires para construir a serraria, ao lado da Coca-Cola. Além disso, no local, foram construídas 10 casas das famílias que haviam se mudado para trabalhar.
Porém, havia um problema. Todos os motores da serraria eram tocados à base de energia elétrica, mas não havia garantia de sua instalação. Pelo período de um ano, Erno não pôde movimentar a serraria. Na época, investiu em matéria-prima e deixou um estoque de 1.500 metros cúbicos de toras prontos no pátio. “A facilidade era imensa para conseguir madeira”, admite.
Por outro lado, começou a faltar dinheiro para o sustento daquelas famílias que vieram a Sinop trabalhar na serraria. O comprador era uma empresa chamada Campolar, de Curitiba, que também adquiria os produtos de Gebauer, no Paraná. Na época das chuvas, os caminhões não podiam levar a madeira devido às péssimas condições das estradas. A Avenida Júlio Campos também atolava os veículos.
Diante desses problemas, Erno e o amigo Aluísio Pereira de Barros, então diretor da Cemat (Centrais Elétricas Mato-grossenses), através do deputado estadual Coronel Torquato, foram conduzidos até a residência do então governador Frederico Campos para solicitar pessoalmente por uma rede de energia. “O governador nos recebeu muito bem. Eu fiz um drama, falei que tinham muitas famílias com crianças tudo chorando e não tinha mais dinheiro. A primeira-dama se sensibilizou com a situação que expusemos e começou a nos dar crédito”, confessa Erno.
Erno e Aluísio, após retornarem a Sinop, buscaram assinaturas suficientes para solicitar a instalação de energia elétrica ao longo da BR-163, o que favoreceria a todos os madeireiros e, consequentemente, toda a população. Com esses documentos assinados e oficializados pela Associação dos Madeireiros do Interior Mato-grossense (AMIM, precursora do Sindusmad) em posse, eles partiram para uma segunda visita ao governador, em Cuiabá. Foi nessa visita que Frederico Campos prometeu a emenda de um projeto para estender a energia elétrica até a cidade, em 1980. A promessa foi cumprida e a energia foi puxada da Serraria do Campanholo até os motores. Com essa extensão, foram beneficiadas muitas madeireiras.
No início dos anos 80, Erno teve participação na criação do Rotary Club de Sinop. Neste período, nasceu Josiane Reschke, em 1981.
Após a instalação de energia, a madeireira de Erno começou a serrar madeiras cupiúba, cedro e angelim. Porém, o irmão e sócio Sigfredo ficou por pouco tempo e, entre idas e vindas, eles optaram por vender a serraria, em 1987. Foi um período de dois anos complicados. “Teve uma época que eu estava praticamente quebrado, quando vendi a serraria, pois chovia muito e não dava pra levar a madeira para fora”, lembra.
Na época, Lenir fazia bolos e salgados para vender para que a família continuasse honrando os compromissos com os trabalhadores. Depois disso, Erno alugou um espaço e convidou o sobrinho Udo Piotrowsky, recém-casado e bancário à época, para trabalharem com serras pica-pau para serragem de madeira itaúba. Foi quando surgiu a oportunidade de comprar uma área de terra para montar a nova serraria.
Mas não era somente no mercado madeireiro que Erno Reschke enxergava potencial. Nos anos 80, havia a necessidade de um transporte de passageiros em Sinop, já que alguns lugares eram distantes, mesmo dentro da zona urbana, e muitas pessoas precisavam andar de carona. “Foi um ato de heroísmo. Aqui é uma cidade plana, as pessoas procuravam andar de bicicleta, moto, mas ainda não havia ônibus”, destaca. Então, concomitantemente à serragem de madeira itaúba, Erno e Sérgio Meira, outro sócio, compraram quatro ônibus e montaram a primeira empresa transportadora do município, a Transinop.
A Transinop cresceu e chegou a ter uma frota de 33 ônibus. Naquela época, Erno se dedicava mais à Transinop, enquanto o sobrinho cuidava mais da serraria. Um dia, o tio teve uma ideia e fez uma proposta ao sobrinho e sócio. “Eu tinha uma experiência em Cascavel vendendo ferro. Ninguém mexia com aço. Tudo vinha de Cuiabá naquela época”, conta. Então, ele propôs vender ferro em sociedade com o sobrinho e com Meira.
Foi assim que surgiu a Perfisa Perfilados da Amazônia, iniciando suas atividades em 1988 para atender as serralherias da cidade. No início, quem tomou conta do comércio foi Marta Piotrowsky, esposa de Udo. “A Dona Marta teve um papel relevante, de grande importância. Foi a grande heroína que começou a encarar essa área sozinha”, exalta.
Se por um lado o novo comércio crescia, Erno não estava satisfeito com as receitas da Transinop e com as cobranças da população para que fossem construídos novos pontos de ônibus. Dessa forma, decidiu vender a empresa – a empresa depois mudaria o nome para TCS (Transporte Coletivo Sinop).
Ao mesmo tempo, tio e sobrinho decidiram vender a serraria para se dedicarem exclusivamente à Perfisa. “Eu fazia o reflorestamento pra poder trabalhar e o Ibama fazia uma fiscalização pesada. A dificuldade maior era tirar tora na chuva. Preferimos passar pra frente a serraria”, explica Erno.
Logo, a Perfisa aumentou sua oferta de produtos e passou a atender tornearias, oficinas de manutenção de máquinas pesadas, de madeireiras e de frigoríficos, entre outros. Em seguida, Erno e Udo compraram a parte de Sergio Meira da Perfisa. “Com o tempo, a gente foi mudando o foco. Abranger uma linha mais pesada foi a nossa grande salvação”, explica.
A Perfisa foi constituída em um barracão atrás da Transterra. Porém, uma concorrente foi montada bem ao lado. Com isso, Erno e Udo precisaram encontrar uma solução para reconquistar o mercado. “Tivemos que nos reinventar. Começamos a vender barra em pedaços fracionados. Aí, entramos para a venda de aço e ferro para atender madeireiras e tratores de terraplenagem, algo que a concorrente não tinha”, conta Erno. Da linha pesada, a Perfisa vendia aço para trator esteira, abastecia a manutenção das madeireiras e se especializou no fornecimento de matéria-prima. “Era aço diferenciado, de ferro fundido, para atender madeireiras, máquinas pesadas”, explica Erno.
Primeiro, a empresa contava com um caminhão que buscava as matérias-primas diretamente da Companhia Siderúrgica Nacional. Depois, a empresa passou a pagar frete para transportadoras. Nesse meio tempo, Erno e Sérgio compraram um ônibus e criaram uma empresa de turismo, a Sinoptur, que fazia linhas de Sinop a Ponta Porã (MS) e de Sinop a Cuiabá. Foi nessa época que os brasileiros começaram a fazer turismo de compras no Paraguai.
Em uma viagem de negócios a Córdoba, na Argentina, Erno se interessou por uma máquina repleta de arames, o enleirador de palha. Com isso, teve a ideia de desenvolver o enleirador com sete girassóis. Era uma época de abertura de áreas no norte mato-grossense, onde os produtores precisavam retirar as raízes e os tocos do solo.
Então, chamou o sobrinho e um engenheiro mecânico para pôr o projeto em prática. Foram dois anos até deixarem a máquina pronta para enleirar raízes. O equipamento é composto por sete rosetas. Quando ficou pronto, o equipamento tinha um custo de R$ 45 mil. A primeira máquina vendida foi para Moacir Volkweis, que a comprou na planta, a segunda para o empresário Vitor Poltronieri e a terceira para Carlos Trombetta.
Após o lançamento da nova máquina no mercado, Erno e Udo viajaram por mais de dois meses para outros estados, como Pará, Tocantins, Maranhão e Piauí. “Oferecíamos as máquinas. As primeiras delas, eu ia de caminhão junto com o motorista. A propaganda foi muito grande em cima da máquina. Ficávamos muitos dias fazendo várias demonstrações. Até as pessoas começarem a acreditar e comprar, levou um tempo. A falta de concorrência no mercado também contribuiu muito para o nosso desenvolvimento”, lembra.
Em 2003, foi constituída a filial da Perfisa, a indústria, tendo como foco principal a fabricação do Enleirador de Raízes. “Fabricávamos peças de caminhão, balança, pontas de carcaça, A concorrência era intensa, mas sabíamos que a qualidade do nosso produto era bem maior e durava três vezes mais que dos concorrentes. Nossos principais clientes eram frotistas. Mas a gente se incomodou um pouco e paramos com a fabricação de uma série de produtos. Porém, com o Enleirador, a situação foi diferente”, conta.
O Enleirador de Raízes foi registrado e patenteado pela Perfisa e chegou a ser exportado para Ásia e África. Devido ao sucesso do equipamento, Erno recebeu o prêmio ‘O Industrial do Ano Filinto Muller’, da FIEMT (Federação das Indústrias do Estado do Mato Grosso). “Não há nenhuma máquina no país que realiza este serviço com tamanha qualidade. Isso mecanizou e modernizou as áreas de lavoura”, conta orgulhoso.
Em 2013, a empresa inicia a fabricação de perfil estrutural, telha ondulada e trapezoidal para construção civil. Já em 2015, a empresa começou a operar com a máquina para fabricação de telhas e painéis termoacústicos. Em meio ao crescimento da Perfisa, Erno, que havia se divorciado, encontra na sul-mato-grossense Fabiana Evas de Souza uma dama com punho de ferro para compartilhar a vida.
O Enleirador de Raízes, inclusive, foi se aprimorando com o passar do tempo até chegar no formato atual do Enleirador de Raízes e Pedras PP704 Girassol, mas nunca perdeu a essência, segundo Erno. “A característica se manteve. De oito anos pra cá, continuou o mesmo disco, o mesmo furo, mas onde era ferro, virou aço e onde era aço temperado, virou cimentado. Demos uma robustez e uma segurança maior para a máquina”, explica.
O Enleirador é empregado no processo de abertura de novas áreas e de pastagens degradadas ou em solos rochosos, para enleiramento de pedras, sendo aperfeiçoado e adaptado de acordo com a necessidade de cada região. Ela faz o serviço de 2,5 hectares por hora. Até hoje, já foram vendidas em torno de 640 unidades para os mercados nacional e internacional.
Os maiores compradores do Enleirador de Raízes e Pedras PP704 Girassol são as grandes fazendas, especialmente nos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará.
Atualmente, a Perfisa trabalha com três tipos de indústria: uma para fabricação de todos os tipos de telhas e painéis; outra para perfis para armazéns e, por fim, o Enleirador de Raízes. De forma geral, o principal cliente da empresa é o agronegócio, seguido pela construção civil.
Sobre o crescimento da empresa, Erno credita o sucesso à dedicação dos sócios. “Muita dedicação. Eu e o Udo viemos de uma família extremamente germânica, e alemão gosta das coisas sempre certas. A começar pela pontualidade: somos sempre os primeiros a chegar na empresa. Nosso lema é qualidade. Nunca, jamais abrimos mão disso. Podemos não ter o melhor preço, mas temos a melhor qualidade. Em cima disso, estamos crescendo”, justifica.
Há 45 anos em Sinop, o empresário acredita que valeu a pena permanecer por todo esse tempo na cidade. “Nada daquilo que foi feito eu me arrependo. Em determinada época, eu cheguei a pensar que isso aqui não ia virar em nada. Mas, continuei acreditando. Se não tivesse acreditado, eu teria ido embora, como muita gente fez”, reitera.
Sobre a parceria com o sobrinho, Erno fez elogios ao sócio. “Quando o Udo veio pra cá, as coisas melhoraram muito. Ele é uma pessoa dinâmica, a gente somou forças e as coisas aconteceram. Eu convidei e ele se destacou muito”, ressalta.
Em relação aos investimentos para o futuro, Erno Reschke prefere manter os pés no chão. “Na atual conjuntura política e econômica, tenho medo de investir. Não espero nada. A cada dia que passa, inventam um novo imposto. Então, tenho que manter o que tem aqui e trabalhar com honestidade e qualidade. Investir no que é extremamente necessário”, conclui. Toda cautela é válida, principalmente para quem sonhou e realizou, junto com muita gente – como diz o lema da Perfisa.
1979
Família Yanai
O ARVORECER DE DOIS PINHEIROS
Um filho de imigrantes japoneses estabelecidos no interior do Paraná muda seu destino ao trocar a lavoura pelos livros e quando enfim conquista o posto de doutor, embarca na jornada para abrir um hospital em uma clareira na floresta chamada Sinop, onde ajudou mais de 10 mil pessoas a nascer. Cuidar de pessoas o leva à Câmara maior do Congresso Nacional, posto nunca ocupado por alguém com sua descendência. Esses são os feitos de um Pinheiro. O segundo, contribui para Sinop enxergar ainda mais longe
Enquanto árvores tropicais centenárias estavam sendo derrubadas no Norte de Mato Grosso, no final da década de 70, novas sementes começavam a ser semeadas ao sol de oportunidades da clareira recém-aberta. Alguns plantavam mandioca, outros grãos, e alguns, capim. Mas um “reflorestamento” mais inteligente tomou uma despretensiosa quadra na beirada da clareira. Dois pinheiros foram cravados ali. E ali permaneceram por 45 anos.
Na cultura japonesa, o Pinheiro representa longevidade e sabedoria. A árvore é usada como ornamento em celebrações de nascimento e também em casamentos. O pinheiro, da espécie Araucária, é o símbolo do Paraná, escolhido pela sua capacidade de prover e abrigar. Esses Dois Pinheiros, que encontraram em Sinop o seu terreno fértil, são de uma variedade japonesa, que cresceu no estado da região sul.
A história desse alvorecer começa em 19 de fevereiro de 1948, na cidade de Bandeirantes, no interior do Paraná. Foi nesse dia que nasceu Jorge Yanai, um nissei, filho de imigrantes japoneses. Seu pai, descende de uma linhagem tradicional do Japão. O sobrenome da família batiza uma localidade na província de Yamaguchi, na principal ilha do arquipélago japonês, a 柳井市,na tradução, Cidade de Yanai.
O pai de Jorge veio para o Brasil motivado por um programa de extensão rural, que provocava os nipônicos a transmitir e aplicar seus conhecimentos na agricultura do novo país. Nas terras do Paraná, a família cultivava algodão, milho, amendoim e alfafa, por tempos, mesclando a produção no campo com a atividade de comerciante. Fez questão de se naturalizar brasileiro para poder votar. Ele considerava o sufrágio uma responsabilidade civil, da qual não estava disposto a sonegar. A vida era simples, com outro ritmo, mais lento e poético, peculiar dos anos 50 e 60.
“Meu pai era um homem prático. Em um determinado dia, ele chamou os 4 filhos para uma conversa. Ele perguntou quem de nós queria estudar e quem não queria. Dois dos meus irmãos não queriam. Eu e meu irmão mais velho dissemos que queríamos. Nosso pai disse que quem não iria estudar, trabalharia, participando mais dos negócios da família. E determinou que os dois que fossem estudar, não trabalhariam. Deveriam apenas estudar e se destacar nisso. Como eu sempre fui bem na escola, achava que iria ter mais destaque se fosse estudar”, lembra Jorge.
Quando pensava sobre para qual profissão se dedicaria a estudar, algumas vinham à mente do jovem Yanai. Ele cogitou ser arquiteto, para projetar grandes obras. Ou então advogado, classe em que são chamados de “doutores” pelo conhecimento acumulado das leis e normas. Pensou também em ser professor, formação que até hoje considera a matriz de todas as profissões. Em comum, todos estes ofícios têm como base o encantador mistério do conhecimento – um saber capaz de transformar. Mas foi um episódio ocorrido dentro de sua casa que mostrou para Jorge qual era o mais enigmático acúmulo de conhecimento aplicado a um ofício. “Meu pai havia ficado doente e um médico foi até nossa casa para atendê-lo. Em casa, sem nenhum equipamento sofisticado ou mesmo exame de sangue, apenas com uma conversa, ele detectou a doença do meu pai, disse o que ele tinha e o que precisava fazer para se curar. Aquilo me encantou. Vi na carreira médica a oportunidade de ser útil, de ser uma pessoa que não vem à toa para o mundo”, conta Yanai.
Decidido a fazer medicina, Jorge viajou para prestar 3 vestibulares, um no Paraná e dois no Rio Grande do Sul. Passou em todos e escolheu a Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, por estar mais próxima de casa. Exatamente da forma que seu pai havia exigido, Yanai estudou e se destacou. Passou com facilidade pelo vestibular e depois pela academia. No ano de 1972, ele é oficialmente um médico. E também um homem casado. “Eu me casei um dia antes da minha formatura”, disse.
Jorge se casou com Marina Sato, também descendente de japoneses que moravam em uma cidade no interior do Paraná. Os dois se conheceram na adolescência, quando tinham 15 e 16 anos. Jorge jogava beisebol, esporte muito difundido entre os japoneses e descendentes. As diferentes colônias nipônicas organizavam competições em suas cidades, servindo como uma forma de integração e preservação da cultura. Em uma dessas viagens, representando o time da cidade de Bandeirantes, Jorge acabou ficando hospedado na casa dos pais de Marina, semeando uma amizade que mais tarde cresceria, tornando-se o amor que o acompanha por toda a jornada.
Casado e formado, Jorge foi para São Paulo. Lá se especializou em Ginecologia e Obstetrícia e em cirurgia geral. Dois anos e meio depois, capacitado para atuar de forma mais independente, buscou uma nova terra onde pudesse se consolidar como médico. O local escolhido foi Marechal Candido Rondon, cidade no oeste paranaense, que despontava em crescimento em razão do cultivo de soja. “Foi uma boa aposta. A cidade crescia bastante, mas quando cheguei já estava bastante povoada e as terras valorizadas. Além disso, eu trabalhava em um hospital que não era meu. A saúde, economicamente falando, era diferente naquela época. Não existiam clínicas no interior ou consultórios que se viabilizassem. A referência para as pessoas era o hospital e eu queria ter o meu próprio”, explica.
Jorge passou 4 anos em Marechal Cândido Rondon. Nos últimos, não parava de pensar que deveria encontrar um novo lugar para cravar suas raízes. Ficava atento às notícias e às conversas. Os estados de Mato Grosso e Rondônia eram os que mais estavam se destacando como territórios a serem colonizados. E um acaso do destino ajudou na escolha.
Em um casamento, ainda no Paraná, Jorge conversou com Erno Reschke, hoje sócio da Persifa, Perfilados da Amazônia. O amigo disse que estava morando em Sinop, uma cidade recém aberta no Norte de Mato Grosso, e tratou logo de “vender” o sonho, como todo típico sinopense. “Ele me mostrou fotos, aquelas com os pés de café que uma pessoa usava a escada para subir e colher, de tão grandes que eram. Mostrou imagens das plantações de guaraná, de seringueira e falou que a grande esperança de progresso era a Agroquímica, uma usina de álcool que estava sendo instalada. Essa era a grande propaganda de Sinop”, revela Yanai.
Os olhos brilharam, mas o japonês era vacinado. Nos dias seguintes foi para Maringá, cidade a 300 km de distância, conversar pessoalmente com Ênio Pipino, um dos pais fundadores de Sinop. O colonizador acabou convencendo Yanai a visitar sua empreitada no Nortão para conhecer. “Eu era médico, não sabia o que era uma cidade boa para ir e tentar crescer na profissão. Então, antes de viajar, procurei um médico do interior do Paraná e perguntei como saber se a cidade valia a pena. Ele me disse para olhar a rodoviária. Se tivesse muita gente chegando, era uma boa cidade. Se estivesse parada, melhor procurar outra. Assim que cheguei em Sinop vi um movimento maluco na rodoviária, com pessoas chegando o tempo todo, carregados de malas. A cidade não tinha um metro de asfalto. Não tinha nada, mas era encantadora”, descreve Yanai.
De volta ao Paraná, Jorge estava convencido a migrar para Sinop. Em 1979, o médico se estabelece em Sinop e começa a construir o Hospital Dois Pinheiros, inaugurado no mesmo ano em sociedade com o médico Astrogildo de Oliveira, especializado em pediatria e posteriormente em anestesia. No ano seguinte, com o hospital já pronto, vieram sua esposa e seus dois filhos, Douglas, na época com 5 anos de idade, e Evelyn, com 3 anos. A viagem foi a bordo de um Gurgel.
A unidade foi erguida no limite da urbanidade, na hoje central Avenida dos Tarumãs. As especialidades de Jorge e Astrogildo foram suficientes para operar um hospital geral, dedicado a atender doenças regionais, como a malária e também pacientes acidentados nas várias madeireiras que moviam a economia local. “Sinop não tinha telefone, rádio ou televisão. Nem rede de energia elétrica. Por várias vezes tirei a bateria do carro e levei para o centro cirúrgico para conseguir fazer operações à noite. Exame? Só de sangue, e, ainda assim, limitado. O médico dependia muito da sua formação e do talento pessoal para conseguir ser bem-sucedido e salvar aquela vida”, conta Yanai.
Do lado de fora do Hospital não era diferente. Faltava mão-de-obra minimamente qualificada, como técnicos ou auxiliares em enfermagem. O Hospital começava contratando uma faxineira e, meses depois, aquela que demonstrava mais habilidade, atenção e cuidado, acabava sendo promovida para trabalhar na enfermagem. Em 1980, no primeiro ano de atividade do Dois Pinheiros, a unidade ficou isolada por 59 dias. Ninguém conseguia sequer chegar ao hospital devido aos atoleiros provocados por um longo período de chuvas. “Não dava para chegar no Hospital nem de trator. Tentamos trazer um paciente de carroça, mas até ela atolou”, relembra.
Se por um lado havia uma total ausência de estrutura na cidade, por outro, ela não parava de crescer. A população se multiplicava rápido, o que naturalmente aumentava a demanda por atendimentos médicos. Nessa época, Yanai chegou a realizar 6 partos no mesmo dia. Para avaliar os acidentados, havia um aparelho de Raio-X, mas não havia o especialista em radiologia, o que limitava muito o tipo de diagnóstico que estava à disposição.
Em 1984, Yanai vai para Ribeirão Preto/SP fazer um treinamento em ultrassonografia. Com a formação, o médico traz para Sinop o primeiro aparelho para realizar esse tipo de exame no Norte de Mato Grosso. Mais do que ter o próprio Hospital, Yanai estava vendo o seu projeto se consolidar. “Qual cidade poderia me dar tanta oportunidade quanto Sinop me deu?”, reflete o médico.
No final da década de 80, a cidade atravessava um momento de incerteza. O projeto da Agroquímica – uma indústria de etanol fino, extraído da mandioca – não performou como esperado. A construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, gerou uma grande oferta de madeira, literalmente dada, sem custo e sem imposto e decepou pela metade a competitividade das serrarias em Sinop, principal pilar da economia. Ao mesmo tempo, a abundância de ouro descoberto mais ao Norte do estado posicionava Alta Floresta como a maior cidade da região, ameaçando o posto de Sinop como centro comercial do Nortão. O regime militar, do qual Ênio Pipino era tão próximo e que havia proporcionado alguns benefícios no processo de colonização de Sinop, havia ruído. A população que havia depositado nesta terra o sonho de progresso já começava a duvidar do futuro dourado.
O ano era 1988. Geraldino Dal Maso, primeiro prefeito eleito da cidade, estava concluindo seu mandato. Uma nova liderança política precisava emergir e ocupar seu lugar. Mas quem? A resposta foi: um médico. “Não tinha candidato. Não havia liderança política estabelecida e quase ninguém interessado em ser. As pessoas eram agarradas e convencidas a trabalhar na política, com o argumento de que a cidade precisava”, relembra Yanai.
Na eleição daquele ano, 3 médicos disputaram a Prefeitura de Sinop: Adenir Barbosa, Emerson Ribeiro e Jorge Yanai. O primeiro acabou sendo eleito em 1988 e depois novamente em 1996. Mas o processo marcou o ingresso de Yanai na política, pelo menos de forma oficial. Além da lição que aprendeu com o pai, que queria se naturalizar para poder cumprir com sua responsabilidade de votar, Yanai tem em seus ancestrais a veia política. Seu bisavô foi prefeito de uma cidade no Japão. Em Sinop, sempre esteve presente, de forma ativa, nos movimentos políticos e de classe, como nas duas visitas do presidente João Batista Figueiredo à cidade ou à fundação do Rotary Club. Engajamento que se seguiu ao longo da história, participando da fundação da Associação Médica de Sinop e da Unimed Norte MT.
Mas, em 1990, Yanai voltou à política eleitoral, dessa vez disputando o cargo de deputado estadual pelo PFL. Foi o primeiro membro da Assembleia Legislativa de Mato Grosso domiciliado em Sinop. No legislativo estadual, atuou como líder do governador Jayme Campos, conseguindo relevância política, ajudando a atrair conquistas para Sinop.
Ao longo de toda a década de 90, a cidade foi crescendo, e com ela, o Hospital Dois Pinheiros. Outras unidades de saúde foram se estabelecendo. A chegada da rede de energia elétrica deflagrou o progresso, e uma soma de fatores começava a posicionar Sinop como a “Capital do Nortão”. Essa relevância fez com que o senador Jonas Pinheiro [o sobrenome é pura coincidência], um médico veterinário, veterano da política cuiabana, convidasse Yanai para ser o seu segundo suplente na eleição de 2002. A chapa foi eleita para um mandato de 8 anos. Jonas morre em fevereiro de 2008. O primeiro suplente, Gilberto Goellner, é convocado para assumir os quase 3 anos restantes do mandato. Em maio de 2010, Goellner se afasta em razão de uma licença médica, conduzindo Yanai para o cargo de senador.
A posse não foi apenas celebrada como o primeiro senador de Sinop. Yanai acabava de se tornar o primeiro descendente de japoneses a integrar o Senado Federal – e o segundo no mundo a chegar ao posto, já que o primeiro caso ocorreu nos Estados Unidos. Ele passou 4 meses na câmara alta do Congresso Nacional, tornando-se um membro do Senado. “Foi um privilégio poder atuar naquela casa onde são discutidos os grandes assuntos do país”, expõe Yanai.
Em 2014, o médico volta a participar de uma eleição para o Senado. Desta vez como primeiro suplente de Welington Fagundes, logrando êxito. No ano de 2020, Yanai disputou mais uma eleição para prefeito de Sinop, sem êxito.
Durante todo esse tempo, Yanai não se afastou da medicina. Ao longo da sua trajetória, realizou mais de 10 mil partos, ajudando a trazer à vida cerca de 5% da atual população de Sinop. O Hospital Dois Pinheiros prosperou e se tornou uma unidade de saúde moderna, oferecendo especialidades que ajudaram a cidade a se consolidar como polo de Saúde. No ano de 2023, iniciou o processo para a construção de um segundo Hospital, a fim de ampliar a capacidade de atendimento. Sempre buscando atrair a vanguarda da medicina para a cidade, o Dois Pinheiros também foi peça-chave na implantação do Hospital de Amor em Sinop. Essa unidade, que nasceu em Barretos/SP, especializada no tratamento e prevenção do câncer, hoje está na maior cidade do Nortão dando suporte aos pacientes oncológicos. “O que tem em Barretos, agora temos aqui, atendendo milhares de pessoas”, resume Yanai.
Perceber que Sinop se tornou referência em saúde para todo o Norte do estado e até para o Sul do Pará, e que seus moradores não precisam mais “correr” para Cuiabá em busca de atendimento, é uma realização pessoal e motivo de satisfação para Yanai. “Hoje está clara a soberania de Sinop, não apenas na saúde, mas em todos os setores. A riqueza do agronegócio em nosso entorno, as universidades gerando conhecimento e atraindo pessoas, a força da economia de um grande centro de serviços e o potencial turístico que começa a se desvendar deixam claro a maravilha que é Sinop. Nesse momento, temos lideranças com visão moderna que estão somando com a cidade, dando sua contribuição e continuando o trabalho que os pioneiros fizeram no passado. Sinop tem uma magia que atrai coisas boas”, finaliza Yanai.
Mas talvez a frase mais significativa do médico durante toda a entrevista seja: “Em qual lugar eu poderia ser tão útil quanto em Sinop?”. Esse é um questionamento que atravessou uma geração.
A semente não cai longe do pé
Naquele dia em que Jorge escolheu estudar ao invés de parar e trabalhar, e também quando escolheu vir para Sinop ao invés de insistir no Paraná, ele não mudou apenas o seu destino, mas de todos que de alguma forma tocou com sua profissão – incluindo os seus filhos. Os dois acabaram dentro da saúde.
Douglas foi quem criou uma trajetória mais ligada a Sinop. As primeiras memórias sólidas de sua infância foram na nova cidade, onde chegou com 5 anos de idade. Logo começou a estudar na Escola Estadual Nilza de Oliveira Pipino. O educandário que levava o nome da colonizadora, esposa de Ênio, tinha as salas de aula quadradinhas, que mais lembravam um “galinheiro”. Quem colocava ordem na tropa de crianças era a Irmã Xavelis, uma freira com um certo grau de estrabismo capaz de deixar qualquer aluno prestes a aprontar em dúvida se estava ou não sob o olhar vigilante da noviça. “Era uma pessoa incrível, muito querida pelos alunos. Toda vez que ela chegava na sala a gente cantava uma música: ‘Bom dia irmã Xavelis como vai?! Bom dia irmã Xavelis como vai?!’”, cantarola Douglas.
Quando não estava na escola, na maior parte do tempo ficava no hospital. No começo, Jorge o levava nos plantões, e Douglas às vezes assistia ao pai atendendo. Depois de um tempo, passaram a morar mais perto do Dois Pinheiros, então ele ia de bicicleta, desviando dos enormes buracos da Avenida dos Tarumãs. “Eu conversava com todos do Hospital. Ia para a cozinha tomar sopa e comer pão com manteiga e açúcar. Acho que por passar tanto tempo dentro do hospital, vendo meu pai trabalhar, acabei crescendo falando que ia ser médico”, conta Douglas.
Uma longa greve dos profissionais do estado fez Douglas deixar a Escola Nilza na 8ª série e ir para o Colégio Gente Sabida, uma unidade particular que atualmente é chamada de Colégio CAD. Lá, estudou até o 1º ano do Ensino Médio. Em 1991, foi para Curitiba/PR, onde concluiu o extinto “ginásio”, já se preparando para o vestibular.
Na capital paranaense passou a morar com a avó, Rosa Ayako, uma senhora muito religiosa que lia a Bíblia em japonês e orava para os pacientes internados. [Aos 101 anos, Dona Ayako faleceu recentemente, no último dia 26 de abril de 2024, em Sinop, cidade onde vivia].
Douglas foi matriculado no Colégio Positivo, onde haviam mais de 2 mil estudantes. “Sempre fui bom aluno, sempre sentei na frente e me dediquei aos estudos. Ganhei várias competições na escola do tipo gincana de conhecimento”, revela Douglas.
No concorrido Colégio Positivo, ele chegou a ser o aluno com maior nota na turma e depois o aluno com a maior nota de toda a escola. No final de 1992, prestou vestibulares para 3 universidades: a Federal do Paraná – como fez seu pai –, a PUC e a Fuvest. Passou em todas, mas optou por permanecer em Curitiba, onde já tinha um lar e uma história familiar.
Em 1993, ele começa sua formação – medicina, por óbvio. Se bastou uma visita de um médico para que Jorge desejasse ser “doutor”, imagina crescer dentro de um hospital e ver o próprio pai salvando vidas. Não havia outra profissão que despertasse em Douglas tanto interesse. Ele sabia que queria ser médico. A dúvida era em qual especialidade.
A primeira vontade foi de ser cirurgião cardíaco. Além da “magia” de operar um coração, às vezes fora do corpo, Douglas também se inspirava em Adib Jatene, um médico, acadêmico e inventor que aparecia nos noticiários como Ministro da Saúde, nos governos Collor e FHC. Era uma figura admirada por muitos. “Conversando com alguns amigos e professores, eles me disseram que um cirurgião cardíaco só se viabiliza em uma cidade maior. Se eu fosse [seguir] nessa especialidade, haveria uma equipe comandada por um médico muito experiente, tendo um outro médico tão experiente quanto na segunda posição e eu seria o terceiro membro, se fosse muito bom. Depois de anos, quando enfim o médico mais experiente se aposentasse, o segundo assumiria e eu ocuparia o seu lugar, onde precisaria esperar anos até chegar a aposentadoria do novo comandante”, explica Douglas.
Vendo que cirurgias cardíacas eram um nicho, pensou em se especializar na cirurgia de abdômen, inspirado em Júlio Coelho, que fazia transplantes de fígado no Hospital Universitário. “Eu expliquei que queria conhecer a especialidade e pedi para acompanhar um procedimento. Acabou sendo uma cirurgia de um paciente com tumor no intestino. Foi a primeira e única vez”, conta Douglas, tentando explicar o forte odor que tomava conta da sala de operação e de quase todo andar da unidade.
Um amigo, então, sugeriu otorrinolaringologia, mas a tentativa acabou não acontecendo porque a equipe parecia estar “guardando a vaga” para outros acadêmicos. Mas a dica do amigo não foi de todo ruim. Ao visitar o departamento de otorrino, Douglas se deparou com a oftalmologia, que ficava no mesmo andar. Conversou com Carlos Moreira Jr, chefe do departamento, e pediu para acompanhar um procedimento. “Ele foi muito gentil. Disse para que falasse primeiro com os médicos residentes, porque era um setor bastante concorrido”, lembra Douglas.
Ele estava no 5º ano do curso quando decidiu sua especialização. Ao ver o grau de delicadeza que um cirurgião oftalmológico precisava ter, não restou dúvida. Mexer com uma estrutura tão complexa, sensível e vital fez o olho de Douglas brilhar. Mas a oftalmologia não foi a única coisa daquele bloco médico que atraiu seu olhar. Uma baixinha, que sempre andava rápido, focada, fazendo residência em pediatria, capturou a atenção do estudante do 6º ano de medicina. Era Anna Letícia Sant’Anna. Se Jorge casou um dia antes de se formar, Douglas terminaria a faculdade com uma namorada.
Com a faculdade concluída, Douglas prestou a prova para o Hospital de Olhos do Paraná e passou. Esse hospital é privado, de propriedade de Carlos Moreira Jr – o mesmo com quem Douglas topou no departamento. A família Moreira tem 3 unidades de oftalmologia em Curitiba, estando entre as mais tradicionais do Brasil na especialidade.
Nesse mesmo ano, ele deixou a casa da avó e alugou um apartamento. O motivo era dividir a morada com sua irmã, Evelyn, que estava se mudando para Curitiba para cursar Odontologia.
Foram 2 anos de residência. Nessa janela de tempo, ele realizou mais de 230 cirurgias de catarata. Para fins de comparação, um residente da USP faz em média 70. Em dezembro de 2000, com a residência médica caminhando para conclusão, casou-se com Anna Letícia.
Douglas fez ainda duas subespecialidades: cirurgia de córnea e catarata, já com a nova técnica que estava sendo implementada. Sua próxima formação elevou o nível de precisão à décima potência. Ele fez uma especialização em Cirurgia de Retina. Enquanto em um procedimento de catarata o médico opera em uma estrutura com 1 cm de diâmetro, na Cirurgia de Retina o alvo é o nervo óptico, que tem 1,5 milímetro.
Durante a nova especialização, teve oportunidade de trabalhar com Ezequiel Portela, um dos maiores cirurgiões de trauma ocular do Brasil. Esse profissional chegava a operar de 10 a 12 pacientes por dia, com longas jornadas de trabalho. “No ano de 2002, terminei minha formação e queria passar um tempo fora do país. A Anna desejava o mesmo. O meu chefe e também o chefe dela já haviam passado pelo Hospital John Hopkins, considerado um dos maiores do mundo, tanto na minha área como na da Anna. Ao longo do ano de 2001, fomos organizando e já estava tudo certo para ter essa experiência como residente nesse grande Hospital”, conta Douglas.
Mas em outubro de 2001 o telefone tocou. Era um amigo de Douglas, que já estava nos Estados Unidos, fazendo residência, justamente no John Hopkins. A notícia não era boa. Os dois principais médicos do setor de oftalmologia do Hospital – provavelmente os mais importantes do mundo na área – estavam deixando a unidade para compor um projeto em Los Angeles, no outro lado do país. Ou seja, o setor ficaria desorganizado por pelo menos um ano. Não era o que Douglas queria.
Em uma manobra, conseguiu falar com um residente que iria junto com os dois médicos figurões e “encaixou” uma vaga no Hospital da Costa Oeste. “A Anna abriu mão de fazer sua residência no Hospital John Hopkins para ir comigo para Los Angeles”, lembra.
Na Califórnia, Douglas teve a oportunidade de trabalhar com os profissionais que escreviam os livros que ele usava para estudar. Os dois “figurões” tinham nome. Edward Dervan era uma sumidade mundial em cirurgia de retina – procedimento que Douglas pretendia focar. Já Eugene De Juan Yuan encabeçava várias pesquisas relacionadas à retina, tendo inclusive iniciado o desenvolvimento de um “olho biônico”, que permitia captar estímulos visuais externos a partir de um dispositivo conectado ao nervo óptico. “Foi uma experiência surreal. A técnica que eu uso até hoje para operar retina foi inventada por esses dois profissionais em 2001”, resume Douglas.
Além de viver a vanguarda da medicina, o jovem médico ainda viu celebridades sendo atendidas na unidade, como os dubladores originais do Mickey e da Minnie. O diretor de cinema Steve Spielberg procurou a equipe do Hospital para fazer pesquisa quando produzia o filme Minority Report, estrelado por Tom Cruise. “Era uma instituição que desenvolvia muita pesquisa científica. As novidades na área estavam sendo desenvolvidas nesse lugar”, aponta Douglas.
Depois de passar dois anos na “Meca da Retina”, Douglas volta para Sinop em dezembro de 2003. A sede por pesquisa foi saciada com um doutorado na USP (Universidade de São Paulo). O regresso para o interior de Mato Grosso tinha como propósito integrar e fortalecer o Hospital Dois Pinheiros e cravar mais uma vez as raízes em Sinop. “Nesse recomeço, quase não haviam pacientes que procuravam cirurgias. Eram poucos oftalmologistas na cidade, então muitos problemas sequer eram diagnosticados. Saí da condição de especialista e voltei a ser um generalista”, comenta.
Em 2005, nasce a primeira filha do casal, Anna Júlia. Mesmo tendo um hospital na retaguarda, com o mais experiente obstetra da cidade, a chegada da primogênita foi turbulenta, com muita apreensão e uma certa dose de terror. Anna Letícia teve uma grave intercorrência na gravidez. Diagnosticada com um quadro grave de trombose, a médica pediatra teve que embarcar às pressas em um avião e ir até Cuiabá. Não havia sequer tempo de ir para outro centro, como Curitiba, por exemplo. Nessa corrida contra o tempo, Anna foi internada e o procedimento de parto foi iniciado. Anna Júlia nasceu prematura, pesando 1,1 kg. A intervenção salvou sua vida.
À medida que o tempo passava, o casal de médicos se integrava cada vez mais ao Hospital Dois Pinheiros, que crescia junto com a cidade. Em 2009, nasceu Daniel, o segundo filho do casal. O setor de oftalmologia foi crescendo em Sinop e aos poucos Douglas voltava a realizar cirurgias com maior frequência. Mas a medicina ainda estava longe de ser universal.
Então, no ano de 2015, Douglas cria o projeto “De Olho no Futuro”. A premissa era básica: fazer teste de visão nas crianças. Parece despretensioso, mas o resultado é impactante. Todos os anos, o médico, sua equipe e muitos parceiros realizam um mutirão testando todas os alunos do 1º ano do ensino fundamental (entre 6 a 7 anos de idade). É nessa fase que as crianças começam a ler e qualquer problema de visão pode gerar uma dificuldade no aprendizado. Das cerca de 3 mil crianças que passam pela avaliação inicial, entre 500 a 600 são encaminhadas para uma consulta com um oftalmologista. Aquelas que apresentam dificuldade de visão recebem um óculos. No ano de 2023, foram 100 óculos doados pelo programa. Nos casos atípicos, as crianças são encaminhadas para o tratamento necessário. “Queremos estender esse programa para outras cidades da região”, revela Douglas.
O avanço da saúde em Sinop foi reposicionando Douglas para sua função de especialista. Desde 2020 ele já faz procedimentos de forma regular. Em 2023, eram 40 cirurgias por mês em média. Cerca de 70% dos seus atendimentos são casos específicos de retina, recebendo pacientes de todo o Mato Grosso. “Os equipamentos da estrutura, que montamos lá em 2004, hoje seriam considerados pré-históricos. No entanto, a realidade que temos atualmente no Hospital é de uma estrutura equivalente aos grandes centros, como São Paulo”, avalia o médico.
Douglas é um exemplo de um migrante duplo de Sinop, que viveu os primeiros anos da fundação, partiu em busca da sua realização enquanto profissional e então regressou à cidade, com a mala cheia de novidades, partilhando-as com quem quiser ver.
1979
Família Navarini
A SINTONIA DO CASAL QUE FALA COM SINOP
Um relojoeiro metido a cantor e uma funcionária pública se encontram, e dessa junção improvável brota um universo cultural que embala a cidade de Sinop há quase 4 décadas
Eles são o casal mais sintonizado da cidade. No carro, no som ambiente das empresas, nas obras ou no velho radinho companheiro é possível ouvir alguém passando a manhã acompanhado de Rogério e Cleuza Navarini. O casal de comunicadores que domina os microfones do programa Variedades e Fatos (sendo que Rogério ainda apresenta o Meridional Notícias, às 6 horas) foi o pilar sobre o qual foi construída a Rádio Meridional FM, a mais expressiva ao longo das últimas 4 décadas de Sinop. Para entender por que essa é a rádio mais sintonizada do Norte de Mato Grosso, é preciso ouvir a história daqueles que emprestaram sua voz.
Começando pelo locutor mais antigo em atividade na cidade de Sinop. Rogério Navarini nasceu em 27 de setembro de 1960, em Monte Belo do Sul, na época distrito de Bento Gonçalves (RS). Ele é o mais velho dos 3 filhos de Armando Navarini e Lorena Maria Simonetto. A família vivia em um grande e confortável casarão construído por Armando, que era mestre de obras. A casa ficava em uma colônia da família. Do lado de fora, tinha 5 ou 6 pés de cada coisa, com fartura e abundância de frutas. Do lado de dentro, fogão a lenha, geladeira e um aparelho de rádio, peça central da casa. A família tinha condições de ter uma televisão, mas Armando não gostava. O patriarca dizia que televisão divide a família.
A educação seguia uma linha de disciplina. Cada um dos filhos tinham suas tarefas e horários fixos para fazê-las. Havia hora certa para estudar, para comer e para trabalhar. Na hora do descanso, Rogério escutava músicas pelo rádio, o noticiário Repórter Esso e a programação do que passasse na Rádio Guaíba.
Em 1973, Armando é chamado para construir um colégio grande em Capanema, no Sudoeste do Paraná. A família larga o lar confortável e migra, se estabelecendo no município. “Meu pai dizia que a gente não deve andar para trás nunca. Então, quando foi para Capanema, ele já sabia que era para ficar ou então ir mais adiante”, conta Rogério.
Na mudança de estado, Rogério tinha 13 anos de idade. Antes que completasse 14, Armando recrutou o filho para ajudar nas obras, apostando que talvez estivesse ensinando uma profissão para o seu primogênito. “Eu não gostava do serviço na obra, então tentava não ser tão bom. Fazia o suficiente para não atrapalhar. Eu era jovem e queria outras coisas, não fazer aquilo que meu pai fazia. Pensava em ser piloto de avião e cantor”, conta Rogério.
Quando tinha 15 anos de idade, sua mãe conversou com a esposa de um relojoeiro da cidade, pedindo uma oportunidade de emprego para o rebento. Rogério trabalha um ano de graça, sem receber salário, a fim de aprender o ofício. No novo emprego ele fazia a manutenção das máquinas de relógios de pulso, de parede e ponto. “Relógio que atrasa não adianta”, dizia seu patrão.
Fora do expediente, Rogério amolava outras cordas. O jovem começou a participar de festivais de música em toda a região, hobby que era levado a sério. Rogério participou de pelo menos 7 concursos musicais. Durante a semana ele gravava a música escolhida em uma fita K7 e levava para a banda que tocava no festival para que os músicos pudessem ensaiar. Na sua vez, o jovem subia no palco e soltava a voz. Há quem diga que o gauchinho perdido no Paraná tinha dom pra coisa. Em dois concursos, Rogério voltou para casa com o troféu. Na primeira vez cantando “Rock nas Quebradas”, de Luiz Carlos Magno (uma cópia descarada de Great Balls Of Fire, de Jerry Lee Lewis); na segunda, soltando um single de Fagner.
A vida entre tique-taques e acordes parecia ritmada demais para Rogério. Uma inquietude reverberava em seu íntimo. Em 1980, no auge dos seus 20 anos de idade, ele decide ir para os Estados Unidos – por terra, pegando carona até chegar na nação dos pop-stars. Mas quando ouviu falar do “Sendero Luminoso”, mudou de planos. O Sendero Luminoso começou na década de 60 como um partido comunista no Peru e no final da década de 70 se transformou em uma força paramilitar que fazia guerrilha urbana e rural, em associação com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias Colombianas). Ou seja, para chegar no sonho americano por terra, no meio do caminho Rogério passaria pela guerrilha comunista.
O rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior optou por uma jornada mais realista. Ele tinha um amigo em Rosário Oeste (MT), e decidiu visita-lo. Rogério pediu demissão da relojoaria, pegou as ferramentas do seu ofício e partiu para o Centro-Oeste... ou mais ou menos isso. Na primeira carona que pegou foi parar em Minas Gerais. Depois foi pegando outras caronas até chegar mais perto do seu destino. Quinze dias após sair de Capanema e de rodar pelo Sul e Sudeste, Rogério chega até Rosário.
Na cidade, ele monta sua oficina para consertar relógios. Ele chega a abrir uma loja, a “Relojoaria Luxo”. “Durou 3 meses. Foi um fracasso”, conta Rogério. Para tentar ganhar a simpatia de alguns migrantes sulistas que se estabeleciam em Rosário, o jovem puxa conversas em italiano. Numa dessas atraiu a atenção de Egídio José Preima, um pioneiro de Sorriso que estava em Rosário para acessar a agência mais próxima do Banco do Brasil. Após uma conversa ligeira, Egídio se convence a levar Rogério até o Norte do estado.
Após a carona, Rogério se estabelece em Sorriso, no começo de 1981. De segunda a quarta-feira, ele faz consertos para as relojoarias da cidade. Quinta e sexta-feira, vai para Vera, fazer o mesmo. A semana termina com o itinerário de sábado e domingo reparando os relógios em Sinop. E então recomeçava o ciclo. “Em Sinop, eu trabalhava para o Andrade Sampaio, da Relojoaria Andrade e depois na Relojoaria São Paulo. A cidade era um atoleiro só. Tinha um barzinho chamado Rangu’s. Lá eu conheci o Carlinhos Mato Grosso, que tocava um violão como ninguém... bom, ele toca bem até hoje. A gente dava um show, ele tocando e eu cantando no bar”, lembra Rogério.
Em uma dessas noites, em 1982, Rogério dedica uma canção para uma moça da plateia.
Dando corda e entrando nas ondas
A moça em questão era Cleuza Ferreira, uma colega de segundo grau na Escola Nilza de Oliveira Pipino, que trabalhava na agência do Ciretran.
Cleuza nasceu em 25 de maio de 1957, na cidade de Rolândia, no Norte do Paraná. Ela é a segunda filha de João Ferreira Andrada e Jesus de Lima Franca Ferreira. Seus pais tinham uma pequena propriedade no interior onde cultivavam café. Em 1962, após anos sofrendo com a instabilidade do campo, a família vende o sítio e compra uma casa na cidade de Cianorte. Nessa época, João foi trabalhar como feitor na prefeitura.
A infância pobre foi guiada pela educação. Sua madrinha lhe trazia gibis e quando entrou na escola já sabia ler. Cleuza contava historinhas para seus colegas que ainda não eram alfabetizados. Era boa aluna e muito obediente ao pai. Com 14 anos, graças a um curso de datilografia, Cleuza começa a trabalhar em um escritório de empresas. Nos finais de semana, fazia um extra no salão de beleza da irmã, maquiando noivas.
Na casa da família também havia um rádio, que só era ligado quando todos estavam presentes. O uso do aparelho era regulado pelo custo das pilhas. Cleuza era particularmente encantada pela caixa falante. Se esmerava nas tarefas domésticas para, no fim, poder pedir para que um pouco da carga das pilhas fosse gasta naquele dia. “Eu queria estar dentro do rádio, ver as pessoas que eu estava ouvindo. Na minha época as mulheres não trabalhavam fora de casa, mas secretamente eu desejava ser uma profissional do rádio”, revela Cleuza.
O desejo foi insuflado quando Cleuza conseguiu participar do programa de auditório realizado na Rádio Porta Voz de Cianorte, nos domingos de manhã. Ela era apenas uma entre as muitas pessoas que acompanhavam a transmissão. Foi o suficiente para se deslumbrar ainda mais com a mágica do rádio.
Mas naquele momento a vida de Cleuza estava em outra frequência, operando no canal da sobrevivência, não do desejo. Anos depois, em 1979, a família se muda para Sinop. A cidade surgia como um pendão de esperança após a severa geada que dizimou as plantações de café e bagunçou a economia do Paraná. “Não tinha nada em Sinop, mas eu amei tudo. Eu senti que seria uma cidade que eu poderia chamar de minha, um lugar onde eu poderia crescer e, quem sabe um dia, fazer com que meus filhos tivessem orgulho do que ajudei a construir”, comenta Cleuza sobre sua primeira impressão de Sinop.
Com a irmã, Cleuza abre um salão de beleza em Sinop. Ela tinha 22 anos de idade na época. Ao invés das maquiagens de casamento, o procedimento mais procurado era o corte de cabelo. Especialmente os mais curtos, tanto para homens quanto para mulheres, tendência imposta pela quantidade de poeira e fumaça que tinha na cidade.
Quando não estava atendendo no salão, Cleuza fazia pães enormes, com fermento caseiro, e também bolos, que vendia pela cidade. Ela também preparava ceias de Natal e Ano Novo para as pessoas menos interessadas em festejar cozinhando.
Naquela noite no bar Rangu’s, em 1982, Cleuza já estava trabalhando na Ciretran de Sinop. A cantada em forma de canção capturou a ouvinte. Os dois começam a namorar. Quando Rogério vai conhecer a família de Cleuza, ele escuta de seu sogro que arrumador de relógio não é uma profissão de futuro. A fala não foi exatamente maliciosa, mas despertou os ponteiros do relojoeiro.
Por acaso, Cleuza não foi a única que se encantou com a voz de Rogério cantando no Rangu’s. Em uma das mesas estava o gerente da Rádio Nacional, Joaquim Rabelo, que chama Rogério para conversar. Rabelo pede se o artista sabe ler bem e então diz que precisa de alguém com sua voz para dar as notícias na rádio. “Com essa voz, se você ler bem, vem trabalhar para mim, como locutor”, propôs Rabelo.
A oferta tinha mais prestígio do que preço – algo que é bastante comum no meio da comunicação. Para trabalhar como locutor, Rogério iria receber 1,150 milhão de Cruzeiros. Consertando relógios, ele tirava uma média de 2,5 milhões de Cruzeiros por mês, mais do que o dobro. Mas haviam benefícios. Na Rádio Nacional, Rogério seria funcionário do Ministério das Comunicações, em pleno governo militar. E como tal teria estabilidade, plano de saúde, plano dentário e a convincente promessa de que, caso ficasse doente, seria levado de avião direto para Brasília – um trunfo na época que Sinop só tinha meia dúzia de médicos. Para somar, ainda tinha a questão do sogro.
Rogério aceita a proposta e começa a ser submetido aos testes e treinamento para ser locutor. “Pardal” era quem operava a sonoplastia. “Eu entrei no estúdio, o Pardal abriu o microfone e disse: ‘fala!’. Eu não sabia o que falar. E ele me provocava: ‘cadê a voz grossa?’. Eu precisava de uma pauta. Até hoje sou assim. Não falo nada de improviso. Preciso que tenha pelo menos um esqueleto do assunto que vou transmitir”, revela Rogério.
Após um período de treinamento, Rogério foi efetivado como Locutor Anunciante Nível 1 no dia 1º de outubro de 1983. Sua função era apresentar o jornal diário que ia ao ar das 7h às 8h. “Nos primeiros programas de rádio do Rogério eu escrevia em um caderno algumas frases que pudessem ajudar ele”, conta Cleuza.
Nessa época, Rogério e Cleuza estavam a caminho de oficializar a relação. Eles já haviam encaminhando a documentação para o Cartório e até financiado uma casa juntos, na Rua das Primaveras. “Cada hora era uma coisa diferente no Cartório. O tempo ia passando e nada da Cleuza casar, então tive que tomar uma providência”, revela Rogério.
No dia 17 de dezembro de 1983, Rogério pegou o equivalente a R$ 5,00 de cada colega de trabalho e de alguns amigos e chamou todos para comer uma costela em sua casa. Cleuza foi na frente para preparar a carne, que precisava de algumas horas no forno. Enquanto Cleuza esquentava a barriga no fogão, Rogério completava sua arapuca. No meio da noite, a inocente confraternização é convertida em casamento surpresa. Rogério começa a fazer a própria cerimônia de casamento. “Sou filho de Deus e como tal tenho autoridade investida por mim mesmo para celebrar esse casamento. Se alguém tiver algo contra, que fale agora ou se cale para sempre! Já que ninguém se manifestou, estamos resolvidos”, discursou Rogério, sacando do bolso um par de alianças, colocando uma em sua amada e sapecando um beijo. “A partir de agora estamos casados”, finalizou o padre de ocasião. “Eu quase não tive tempo de reagir”, brinca Cleuza.
A partir desse dia eles passaram a morar debaixo do mesmo teto, como marido e mulher. Ainda levou um tempo para o cartório se resolver com sua burocracia, mas o papel passado acabou saindo. Na rádio, Rogério começa a fazer um programa na noite, mais musical. Quando não estava no ar, consertava relógios, fazia um curso de inglês e entregava os pães que Cleuza produzia na padaria.
Quando chegou dezembro de 1984, o casal tirou férias e viajou para o Rio Grande do Sul, a fim de que Cleuza conhecesse os familiares de Rogério. Mas era outra cilada, dessa vez armada pela “nona”. A avó de Rogério fez questão de que eles se cassassem na igreja. Então, a família tratou de aproveitar a visita e organizar um casamento com o devido protocolo, na capela e com um padre de verdade. E foi assim que Cleuza teve seu segundo casamento surpresa.
Em 1985, um momento de alegria rapidamente se converte em pânico. Gian Franchesco, filho do casal, nasce com um sério problema cardíaco. Sinop não tinha estrutura para tratar o recém-nascido. Era hora de reivindicar os tais benefícios de ser um funcionário do Ministério das Comunicações.
Cleuza pega seu filho com 15 dias de vida, embarca em um avião e vai para Brasília (DF). Emblematicamente, foi o primeiro voo que a VASP operou entre Sinop e a capital federal. A passagem custava 1 milhão de Cruzeiros, praticamente o salário de Rogério, que recorre a um financiamento no banco para pagar a passagem. Assim que chegaram, Gian foi recepcionado no Hospital SOS Cardiológico. A expectativa era para que o bebê fosse transferido para o Hospital de Base de Brasília. Porém, justo naquele momento a unidade estava com seu funcionamento restrito para atender o recém-eleito presidente da República Tancredo Neves – o primeiro não militar após 21 anos do Regime. Esse foi o motivo que Cleuza recebeu para não internarem seu filho. No entanto, naquele momento as UTIs do Hospital de Base estavam demolidas, em obras, tanto que Tancredo foi transferido para o Hospital das Clínicas em São Paulo, onde após 26 dias e 7 cirurgias morreu sem ser empossado presidente.
No fim, o “benefício” de uma estrutura melhor era ilusão. Gian acabou sendo encaminhado para um hospital particular, onde passou 45 dias internado em uma UTI. O tratamento consumiu o carro e a casa da família. O investimento não foi em vão. Gian se recuperou e sua condição foi revertida. Cleuza e Rogério não tiveram a ajuda do “benefício”, mas contaram com a sorte. O voo que traz Cleuza e Gian de volta para Sinop foi o último operado pela VASP. A companhia operou tempo suficiente para levar e trazer de volta o bebê enfermo.
De volta a Sinop, o casal começa a se reconstruir. Cleuza amarrava Gian em seu peito e se atracava na cozinha, fazendo salgados que abasteciam a cantina do Colégio Ênio Pipino e outros comércios da cidade, como a Padaria Xingu. Em uma das entregas, “Xingu” oferece para Cleuza arrendar o ponto. Juntos eles contam o estoque e no final do dia Cleuza já estava do outro lado do balcão, tocando o negócio. Ao mesmo tempo ela também arrenda uma sauna. “Compramos um terreno e erguemos uma casa pra morar na Avenida das Palmeiras, no bairro União. Não tinha porta nem janela. Quando sobrou um dinheiro a primeira coisa que fiz foi colocar as aberturas”, conta Cleuza.
Na rádio, Rogério passa por todas as funções, do noticiário matinal aos programas de domingo. Quando chegou o sinal da TV Estatal em Sinop, Rogério era o responsável por transmitir os “enlatados” – programas prontos que eram reprisados até cansar, em razão da falta de opção. Quem tinha televisor em Sinop nessa época só conseguia capitar o sinal da TV Estatal, cuja programação era exclusivamente de “enlatados”. Uma das memórias dos sinopenses dessa época é o curioso caso do “Homem que Derreteu” – filme lançado em 1977 que foi repetido à exaustão em Sinop entre 1985 e 1987. Em algum momento do dia, o Homem que Derreteu passaria na programação local. “Me lembro que fizeram um mutirão e compraram uma antena parabólica para capitar o sinal da TV Bandeirantes e transmitir pela TV Estatal, para variar um pouco a programação. Bem nesse dia ligamos o sinal da Bandeirantes e apareceu a chamada para o filme O Homem que Derreteu. Parecia castigo”, rememora Rogério.
Em 1988, com o fim do Regime Militar e a promulgação da nova Constituição, a Rádio Nacional foi privatizada e, por consequência, tirada do ar. Ninguém sabia ainda quem havia comprado ou como ficariam os funcionários. Na mesma época foi implantada em Sinop a Rádio Gaspar, que acabou cooptando a mão de obra da Rádio Nacional. Rogério pensava em fazer o mesmo caminho. Em um final de tarde, ele chama Cleuza para ver as instalações da Rádio Gaspar. Cleuza ficou empacada na porta. Ela simplesmente travou e não conseguiu entrar no local. “Eu senti. Não era para o Rogério trabalhar lá”, comenta Cleuza.
Informando a hora certa
Quinze dias depois de Cleuza congelar em frente à Rádio Gaspar, Jorge de Paula foi até a casa do casal. Jorge informava que a Rádio Nacional havia sido comprada pelo Grupo Bezerra e que Rogério seria o diretor artístico da nova rádio, que se apresentava com um nome poderoso e universal: Meridional FM.
Rogério então começa os preparativos para colocar a Rádio Meridional no ar. Antes da inauguração, Jorge, que seria o diretor-geral, foi até a padaria pedir se Cleuza queria assumir o departamento comercial da FM. “A proposta foi sair vendendo e receber só depois de 6 meses. Não tinha nenhum cliente no ar, então era preciso começar do zero. Eu queria tanto entrar no rádio que acabei aceitando”, revela Cleuza.
Nisso, o diretor artístico começou a fazer os testes para contratar os locutores da Rádio Meridional. Cleuza pede para que Rogério faça um teste com ela. O marido diz ‘não’ para a esposa e prossegue com sua seleção. Cleuza não se dá por vencida e apela para Jorge abrir uma oportunidade. O diretor-geral então fala para Rogério fazer um teste com Cleuza. “Eu já tinha um programa de rádio inteiro na minha cabeça, com início, meio e fim. Me saí muito bem. Então me pediram outra ideia de programa e eu criei na hora o Meridional Criança, para passar aos domingos, e o FMPB, com músicas nacionais, durante a semana”, lembra Cleuza.
A salgadeira que sonhava ver o rádio por dentro agora estava na frente do microfone. No dia 12 de outubro de 1988, a Rádio Meridional inicia suas transmissões em Sinop com o programa infantil desenhado por Cleuza – que se encaixava perfeitamente, já que era Dia das Crianças. O programa também trouxe o primeiro patrocinador, a Loja Paulista, que vendia roupas infantis. É no programa dominical que surge a alcunha de “Tia Cleuza”, que persegue a comunicadora até os dias atuais.
Programas icônicos da Meridional FM foram criados por Rogério e sua equipe nesse primeiro ano de atividade. É o caso do Eu, Você e a Viola, Meridional Notícias e o Variedades e Fatos, que no começo era apresentado por Rogério, mas que se tornou o lugar de Cleuza na década seguinte.
Foi em 1989 que Rogério pariu os dois colonos mais amados de Sinop. Ele e Jorge de Paula entravam no ar aos sábados interpretando o Tchó e Beppi. Com sotaque carregado e jeito tacanho, os personagens caricatos caíram no gosto dos ouvintes, que gargalhavam embalados pelo rádio. Um ano depois, Jorge largou o papel, passando para seu irmão, Norberto. Após um tempo, Rogério levou a atração sozinho, até que os personagens deixaram de ser acionados. Por volta de 2005, dois jornalistas da cidade, que trabalhavam na TV Centro América, afiliada da Globoem Mato Grosso, encontraram nos colonos uma fantasia para fazer seu humor encobertos pela sombra do rádio. E foi assim que Luciano Vendrame e Fábio Mezzacasa ressuscitaram Tchó e Beppi, em um horário de sábado à tarde, em uma rádio concorrente. Logo, Rogério tratou de repatriar os personagens, trazendo os novos autores para dentro da grade da Meridional. Hoje, Tchó e Beppi, no corpo de Luciano e Fábio, se tornou um produto que extravasou a imaterialidade e as fronteiras do rádio, mas que continua na Meridional.
Trazer Sinop para dentro do Rádio
A programação das primeiras duas décadas da Rádio Meridional é fortemente marcada pela sua interatividade com a comunidade de Sinop, como o quadro Agenda Meridional, que listava 6 empresas de cada segmento, nos intervalos da programação. Essa relação com o comércio ainda podia ser reformada com a “Patrulha 98”, que entrava ao vivo provocando uma promoção de momento em um estabelecimento comercial, derrubando o preço de um item específico, para medir o reflexo que dava junto à audiência.
Numa cidade em que o rádio chegou antes do jornal impresso, a Meridional se pôs a fazer a função de Classificados, com anúncios gratuitos de pessoas procurando casa para alugar, oportunidade de emprego, venda de pertences e até procurando cachorro fugido. “Chegou em um momento que tínhamos 4 recepcionistas na rádio para atender as pessoas. A Meridional era o balcão de informação de Sinop. Todos os dias tinha fila de pessoas querendo anunciar algo”, conta Cleuza.
Por anos, Rogério e Cleuza também promoveram eventos como a Gincana Meridional, a Festa da Criança e o Garota Meridional. “A cidade toda participava da gincana e as pessoas acampavam em volta da rádio. A juventude participava em peso e algumas dessas equipes acabaram virando grupos, sociais e políticos, da nossa cidade. Eu fazia questão de bolar todas as tarefas. Lembro de uma vez que anunciei que teria uma prova de velocidade e que cada equipe deveria trazer um veículo para a disputa. Com os carros estacionados, dei a ordem: quem desparafusa o pneu mais rápido. Quem ganhou essa prova foi a Rosana Martinelli, ela veio com uma Pampa, que tem só 3 parafusos”, relembra Rogério.
Na campanha de Natal do ano de 1989, em plena época do congelamento dos preços, a Meridional arrecadou 600 cestas básicas, distribuídas para famílias carentes. A ação social foi mantida por mais de 10 anos.
Em 1992, Osvaldo Sobrinho compra a concessão da Meridional FM e Rogério é promovido à gerência. Em 1996, em razão da sua grande popularidade, Cleuza é lançada vereadora e se elege. Ela permanece na Câmara de Sinop por 3 mandatos (1997-2000, 2001-04 e 2005-2008). No legislativo municipal ela participou da discussão de leis importantes, como o parcelamento do solo urbano, a legislação que tornou obrigatório o asfalto em novos loteamentos, a criação da Câmara Mirim (desenvolvida até os dias de hoje) e, principalmente, a luta pela construção da Delegacia da Mulher – a qual Cleuza utilizou o próprio salário no Legislativo para providenciar o prédio, os equipamentos e a doação do terreno por parte do Estado. “Eu lembro de brigar tanto pela construção de uma pista de caminhada na Praça P-25. As pessoas diziam que ninguém ia usar. Foi a primeira. Hoje a cidade está cheia de pistas de caminhada, em quase todos os bairros têm uma e todas têm pessoas usando”, comenta Cleuza.
Ao longo dos anos, Cleuza e Rogério foram criando um capital financeiro. Com a chegada do filho Gian à comunicação, ao findar o contrato, em 30 de junho de 2024, fizeram uma proposta a Osvaldo Sobrinho, que acatou e se tornaram sócio proprietários da Rádio Meridional. Portanto, a emissora que Rogério trabalhava, desde o tempo da estatal Radiobras, e logo ao ser privatizada passou a contar com Cleuza como diretora comercial, tornaram-se não apenas sócios, mas fizeram valer o capital intelectual da Meridional durante esses anos, sucesso que se consolida desde então, provando, assim, que o trabalho pode compensar.
Pela sua história e também pela sua audiência, a Meridional é a rádio mais importante de Sinop e do Norte de Mato Grosso. Atualmente, a emissora lidera a audiência em todas as faixas do dia. O pico de ouvintes é no Variedades e Fatos, conduzido por Cleuza, mas que nos últimos anos passou a contar com a presença de Rogério. Nas manhãs sinopenses, das 10h às 13h, é o casal que dá o tom dos assuntos que serão discutidos na cidade, seguindo o que o nome do programa propõe: variedades e fatos. Então, é possível ouvir Cleuza e Rogério falando de política, economia, problemas da cidade, dicas de saúde ou de moda, até comentários de novela, se o assunto estiver quente. “Fazer o programa junto com o Rogério permitiu trazê-lo dos amigos, mais divertido e solto, que é uma faceta muito diferente do que ele já fez em rádio, como noticiador mais sério e objetivo. E eu tenho certeza que essa versão do Rogério, que nem todo mundo conhece, acrescenta às pessoas, pela espontaneidade e a capacidade de lidar com leveza assuntos que as vezes parecem duros”, pontua Cleuza.
Durante toda a trajetória da Meridional, Cleuza se concentrou no operacional e Rogério na parte de criação. Agora, quem gerencia a rádio é o filho, Gian. Ele assumiu a gestão da empresa em março de 2020, em plena pandemia e mesmo assim conseguiu triplicar o faturamento. Ao longo dos anos, Gian passou por várias funções na rádio, só não fez o que seus pais mais fizeram: locução. À frente da Meridional, Gian conseguiu trazer a segunda era do Rádio, atualizando a empresa de comunicação.
Além de Gian, Rogério e Cleuza tiveram outros dois filhos. Hérica Navarini Fernandes se formou em medicina e atua em Sinop, e Isabela Navarini é comunicadora, nutricionista, esteticista e administra a franquia da China In-Box em Sinop.
Isso é o que um casal pode fazer quando está sintonizado.
1979
Irmãos Leitzke
DO MATO AO ASFALTO
Irmãos unidos pelo sangue e pela fé reergueram a empresa fundada pelo pai, marcando a transição da abertura de áreas cobertas por floresta para a consolidação da infraestrutura urbana de Sinop
“Sinop tem fama. Quando não é pó, é lama”. A frase rimada era repetida pelos moradores e visitantes da cidade no Norte de Mato Grosso, como uma forma de rir da própria penúria. Nas primeiras duas décadas de fundação, não havia um metro de asfalto na cidade. Sinop só teve um bairro pavimentado em 1996 – obra provocada e executada pela Transterra.
A história dessa empresa que tirou o mato e trouxe o asfalto no Norte de Mato Grosso começa em Massaranduba, um pequeno município quase com o pé na praia, que se orgulha de ser a capital catarinense do arroz. Em uma casinha de madeira alugada, morava Elmo Leitzke e sua esposa Margarida. Ele passou em um concurso da Prefeitura da cidade para trabalhar na Secretaria de Obras como braçal. Depois, conseguiu ser promovido para “patroleiro” – como era chamado o operador de motoniveladora. Margarida trabalhava em uma fábrica de tecidos.
O casal teve três filhos em um curto intervalo. O primeiro foi Jerson, que nasceu em abril de 1968. Em outubro de 1969 nasceu Lucas, e em janeiro de 1971, Mirtes. Margarida levava as três crianças na bicicleta, deixando-as na creche do trabalho, para então bater o ponto e iniciar suas atividades.
Em 1973, Elmo junta as economias, a mulher e os filhos e vai para Vila Maripá, no município de Palotina (PR). O local vinha sendo colonizado por emigrantes gaúchos e catarinenses desde 1958, motivados pela Madeireira do Rio Paraná (das iniciais vem o nome Maripá). Elmo havia conseguido comprar um trator de esteiras e naquele pedaço de chão que estava sendo aberto, conseguiu boas empreitas. Trabalhava muito e recebia bem. Conseguiu ir incrementando seu maquinário e chegou a ter 3 tratores operando ao mesmo tempo. Chegou, inclusive, a pegar serviços no Paraguai.
Três anos depois, Elmo queria mais. Procurava um lugar melhor, em franca expansão, para potencializar seu negócio de derrubar mato, arrancar toco e fazer progresso. A bordo de um Fusca, em 1976, ele e dois irmãos foram em busca desse novo lugar. Passaram pelo município de Balsas, no interior do Maranhão, Barreiras na Bahia, e Sinop em Mato Grosso. O local mais “cru” estava no Centro-Oeste e foi essa a escolha de Elmo.
Em 1976, nasce Thania, a última filha do casal. Já em 1978, o patriarca vem para Sinop acompanhado de um pedreiro para construir a casa. A morada de madeira, com tábuas largas fechadas por mata-juntas e coberta com telhas de barro, ficava na esquina das ruas das Samambaias com Caviúnas, muito perto da sede da Transterra, mas que na época era quase o limite urbano de Sinop. “Eu vim junto com o pai para Sinop em setembro de 1978. A casa era 4 paredes e um telhado”, lembra Jerson, na época com 10 anos de idade.
Quando chegou o dia 31 de janeiro de 1979, Elmo e sua esposa deixaram a Vila Maripá com destino a Sinop. A bordo de uma F-100 azul, a gasolina, com a carroceria coberta com uma lona, estava o casal, os 4 filhos mais uma amiga da família que veio junto. Os dois tratores de esteiras vieram a reboque – era o patrimônio que tinham para iniciar sua atividade.
A viagem durou 4 dias. Eles paravam para dormir e cozinhar na beira da estrada, geralmente perto de um córrego onde se banhavam. No final da tarde do dia 3 de fevereiro de 1979, a família chega ao seu destino. Todos arrastam as coisas de dentro da camionete para a casa e dormem no chão. “Para nós que erámos crianças, a viagem não foi cansativa. Imagino que para nossos pais sim. A chegada foi assustadora, porque a cidade era no meio do mato e chovia muito. Assim que chegamos meu pai falou: ‘aqui, nós vamos ficar no mínimo 15 anos’”, lembra Mirtes. “Minha mãe odiava a terra vermelha do Paraná, que encardia tudo. Quando viu que a terra em Sinop era branca e não encardia, ela gostou”, conta Lucas.
Como em toda cidade, a casa não tinha energia elétrica e a água vinha de um poço, com balde e manivela, no fundo do quintal. “Não tinha nada, mas não faltava nada. Aos olhos de uma criança, era tudo divertido”, comenta Jerson.
Os 3 irmãos foram matriculados na Escola Nilza de Oliveira Pipino, a única da cidade. Nessa época, contam os irmãos, em janeiro só tinha uma chuva, que começava no dia 1º e terminava no dia 31. Para Jerson, a escola era um passeio, devido a sua facilidade em aprender. Lucas logo cedo demonstrou mais interesse e aptidão pelo trabalho. Já Mirtes conta que precisava se esforçar para ir bem. “Mesmo assim nunca colei”, conta Mirtes.
Enquanto isso, o negócio da família demorava a engrenar. Em 1979, quando chegou com os maquinários, Elmo não encontrou nenhum serviço na cidade de Sinop. Depois de meses, apareceu uma boa oportunidade em Terra Nova do Norte para abrir as ruas da nova cidade formada por assentados. Em janeiro de 1980, em pleno período de chuvas – uma entressafra do negócio dos Leitzke – o patriarca foi para Santa Catarina a passeio. Na volta, em Cuiabá, comprou um Corcel novo para vir até Sinop. Mas não conseguiu. As chuvas haviam destruído a estrada e ele teve que deixar o carro na capital e alugar um avião para conseguir voltar a Sinop.
Em 1980, a empresa recebe o nome que carregaria para sempre: Transterra. Elmo via que o desmatamento era uma atividade finita e começa a posicionar a empresa para fazer terraplenagem, por isso o novo nome. Mas esse fim demorou a acontecer. Em 1983, a empresa pega a primeira empreita para abrir uma área de cerrado, com tratores e correntões, na cidade de Sorriso. Em 1984, a Transterra é contratada para abrir a região do aeroporto em Sinop, que pertencia à Sinop Agroquímica, onde seria plantado mandioca. “Dessa empreita veio o dinheiro que permitiu comprarmos o terreno onde a Transterra está hoje”, conta Lucas.
Em 1985, com 17 anos de idade, Jerson voltou para Santa Catarina, na cidade de Blumenau, para estudar. O objetivo era concluir o ensino médio, fazer cursinho e tentar um vestibular. No ano seguinte, em 1986, Mirtes faz o mesmo caminho. Em Blumenau, com 15 anos de idade, ela fez o 2º ano do 2º grau pela segunda vez – ela tinha iniciado na escola dois anos antes da idade padrão. “Na época saíram 6 jovens de Sinop para estudar fora. A gente foi para Blumenau por causa dos parentes. Mesmo assim, minha mãe tinha muita resistência em me deixar sair de casa para estudar. Então, eu não fiz festa, levei a sério a escola, porque sabia que se vacilasse, perderia o direito de estudar”, conta Mirtes.
Aos 17 anos de idade, ela faz o vestibular na UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), em Cuiabá, e fica em 5º lugar no curso de Administração – graduação escolhida visando sua futura atuação na empresa da família. Um mês antes de concluir sua faculdade, ela passa no concurso do Banco do Brasil, em 7º lugar no estado. A empresa era familiar, já que nos dois últimos anos de faculdade ela trabalhou como estagiária do Banco. “Eu estava fazendo um estágio remunerado no Banco do Brasil quando chegou um fax da Alemanha. Eu fui a única que conseguiu ler e por isso acabei sendo contratada. Era uma benção. Ganhava 3 salários mínimos e o horário do estágio era compatível com a faculdade”, relembra Mirtes.
Com 22 anos de idade, em 1993, Mirtes volta para Sinop e assume sua vaga no Banco do Brasil, onde trabalhou por dois anos. Nesse período, trabalhava até as 11h da manhã na Transterra e depois ia para o Banco. “Meu pai falou que se eu trabalhasse 6 horas por dia na Transterra estava bom. Depois, vimos a necessidade de se dedicar um pouco mais. Nem namorado eu tinha nessa época, então coloquei todo o tempo no trabalho”, conta Mirtes.
Jerson fez uma jornada menos retilínea. Em 1985, ele conclui o ensino médio e presta vestibular. A primeira opção era Engenharia Mecânica, mas ele não alcançou. Ainda assim ingressou no curso de Economia, na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Em 15 anos, um varredor de rua da prefeitura de Massaranduba conseguiu colocar dois filhos em uma faculdade federal. Após alguns períodos de trancamento, conclui o curso em 1993 e regressa para Sinop, no mesmo momento que Mirtes.
Com 25 anos de idade, Jerson foi designado a gerenciar uma cerâmica e um porto de areia no Rio Teles Pires que haviam sido alugados pelo seu pai. “Quando iniciamos com a cerâmica, o milheiro de tijolo custava um salário mínimo. Três anos depois, o preço era meio salário. Então decidimos devolver a cerâmica, porque o negócio não era viável. Em tudo que a empresa fez nesses anos a gente teve a capacidade de apanhar e aprender. Tentativa e erro”, conta Jerson.
O porto de areia, por outro lado, se mostrou viável. Na época, produzia 5 cargas de areia por dia. Mantido até hoje, o porto draga 50 cargas diárias de areia – empresa que hoje leva o nome de Mineração Betel.
Mas a principal atividade da Transterra nesses anos foi a mecanização de áreas rurais, tanto para lavoura quanto, especialmente, para pecuária. Mirtes (com 22 anos) e Lucas já trabalhavam com o pai, fazendo compras nos mercados para abastecer os acampamentos onde as equipes da Transterra estavam instaladas para abrir áreas de floresta e mecanizá-las. O que hoje é interpretado como destruição do meio ambiente, no final da década de 1980 era descrito como “progresso”, “pioneirismo”, “coragem de investir” e “necessidade de produzir” – aplicando o devido relativismo temporal.
Depois que Lucas entra no Ensino Médio, passa para o período noturno, para se dedicar à Transterra em tempo integral. Ele começa operando um trator de pneu com lâmina, fazendo a limpeza e regularização dos terrenos na cidade. “A Colonizadora entregava o terreno desmatado e queimado, mas com tocos e raízes. Todos os dias tinha um caminhão de mudança chegando em Sinop e não faltava serviço desse tipo para a Transterra fazer”, conta Lucas.
Com 18 anos de idade, ele já tinha passado por todas as máquinas da empresa. Em 1988, quando chegou a idade do alistamento militar obrigatório, Lucas disse que desejava servir em um batalhão do Exército que tivesse a graduação de paraquedista. Junto com o pai, eles viajam até Cuiabá em busca de informações sobre onde havia um Batalhão de paraquedismo do Exército. Na Capital, entre perguntas sem respostas, descobrem que Lucas poderia se alistar em Brasília ou no Rio de Janeiro.
Viajou para o mais próximo Batalhão, em Brasília, mas lá chegando descobriu que não havia formação em paraquedismo. Na capital federal, o jovem acabou se alistando no Batalhão da Polícia do Exército de Brasília. Serviu por 11 meses, sendo motorista no quartel, mas decidiu não seguir a carreira militar.
Lucas volta para Sinop em 1989 e vai para Vila Bela da Santíssima Trindade, na fronteira entre Mato Grosso e a Bolívia. A Transterra havia pego um grande serviço de desmate para pecuária naquela localidade, e Lucas ficou responsável de gerenciar a operação. “Criminosos armados tentaram roubar um caminhão novo da empresa. Eles amarraram os funcionários em cima do caminhão, mas um conseguiu fugir e avisar a equipe. Deu tempo de frustrar o roubo, mas o susto nesse episódio fez a gente voltar para Sinop”, lembra Lucas.
Na cidade mais proeminente do Norte do estado, em 1990, os maquinários da Transterra faziam a compactação da área para construção do Estádio Gigante do Norte. Nesse mesmo ano, Lucas conhece Priscilla dos Reis Vieira, com quem se casa dois anos depois. O casal tem dois filhos, Letícia (1992) e Klaus (1995).
Quando Mirtes e Jerson retornam em Sinop, no ano de 1993, começam a surgir na região grandes desmates para produção de soja. Mais ao Norte, em Alta Floresta, o desflorestamento era para pecuária. Com isso, a Transterra consegue colocar seus maquinários para operar 12 meses por ano. Durante as chuvas, com o solo molhado, derrubava a vegetação para o plantio de soja. Na seca, a abertura era nas terras que virariam pastagem para o gado.
O negócio prospera de tal forma que a empresa chega a comprar um avião e Lucas tira o brevê de piloto para conseguir acompanhar as várias frentes de desmatamento operadas pela Transterra.
Em 1995, Mirtes deixa o Banco do Brasil para se dedicar exclusivamente à empresa da família, onde cuidava do administrativo e do financeiro. Nesse mesmo ano, ela conhece Rogério Grotta. “Minha falecida irmã queria ir ver uma égua para comprar, que estava no aras da Catarinense. Lá estava o Rogério, que é um apaixonado por cavalos. Começamos a conversar e acabamos namorando um tempo depois”, lembra Mirtes. Rogério já tinha uma filha de 4 anos, de outro relacionamento, e em 1997 o casal teve sua primeira filha, Gabriela, e em 2001 o segundo, Rogério Leitzke Grotta.
Ainda em 1995, a família teve que lidar com uma forte perda. Thania, que tinha 18 anos de idade, estava na fazenda trabalhando. Após o almoço, pegou o carro para voltar à cidade. No caminho, perdeu o controle do veículo e capotou, vindo a falecer. “Por um bom tempo, eu fiquei sonhando que minha irmã levava o almoço para mim no Banco”, conta Mirtes, narrando uma cena que não acontecia.
Sinop já era uma cidade grande em 1996, mas não tinha asfalto. Algo parecido com uma pavimentação foi feito pelo Governo do Estado em 1994 na Avenida dos Mognos – que embora tenha sido a razão de mudar o nome da via para Avenida Governador Júlio Campos, durou só até a segunda chuva. Buscando diversificar mais uma vez os negócios, Elmo vai até a Colonizadora Sinop e propõe pavimentar o Jardim Maringá – que até então era o bairro mais nobre da cidade. Eram 30 mil metros quadrados de asfalto que poderiam mudar a história da Transterra.
Jerson, em 1997, encontra uma menina linda, com quem começa namorar. Era Regiane Zarelli, mas o filho mais velho dos Leitzke ainda demoraria mais 5 anos para se casar. Enquanto isso, em 1998, seguindo o plano de diversificação, Jerson instala um britador em Sinop. Com pedras vindas de Nobres, a planta industrial quebrava cerca de 100 toneladas por dia. O negócio deu tão certo que o fornecedor não quis mais vender a pedra bruta para Transterra. Então, no ano 2000, a empresa aluga uma pedreira em Colíder e começa a produzir brita para seu consumo e para atender ao comércio da cidade. “A rodovia de Colíder para Sinop era tão ruim que só conseguíamos trazer duas cargas por dia”, lembra Jerson.
Juntos, Elmo, Margarida e seus filhos ergueram uma empresa sólida, crucial na abertura e formação do Norte do estado, capaz de mudar a realidade daquela família que deixou o interior de Santa Catarina. Mas em certo ponto da jornada, os caminhos se separaram.
A ruptura e o início de uma nova fase
Em 2001, Elmo e Margarida não estão mais juntos. Ele buscava uma vida nova, sem antes deixar uma condição: ‘um dos lados divide o capital em dois pacotes, e o outro lado escolhe qual pacote quer’.
Elmo acabou ficando com o pacote que tinha as fazendas, com plantio de soja. Para a mãe (que repassou sua parte aos 3 filhos), ficou a Transterra e os negócios conectados a ela – como o porto de areia e a pedreira. “Ficamos com medo, mas demos conta do recado”, revela Mirtes.
A separação uniu ainda mais os irmãos. Naquele momento, todo o patrimônio da Transterra estava em garantia dos bancos. Tais junto às instituições financeiras remontavam ao início do Plano Real. Financiamentos contraídos em Dólar multiplicaram o saldo devedor no final da década de 90, com a galopada da moeda americana, que passou a casa dos R$ 4,00. “O CNPJ da Transterra era o segundo pior de Sinop”, pontua Mirtes.
Foi nesse cenário de recomeço e de dívidas que um episódio de terror recai sobre a família. No ano de 2002, Jerson havia feito uma viagem para Minas Gerais. Depois de alguns dias, seus irmãos recebem um telefonema. A voz anunciava que Jerson estava em um cativeiro e que só seria libertado com vida se uma grande quantia de dinheiro fosse entregue. “Nós já tínhamos perdido uma irmã. Sem muito o que fazer, caí em oração. Eu falei com Jesus: ‘se o Senhor me devolver meu irmão vivo, eu me entrego a ti’”, lembra Mirtes.
Em Minas, Jerson já estava em cárcere privado há dois dias e meio quando o sequestrador sugere que ele orasse. Jerson responde que era ateu e que, portanto, acreditaria em tudo o que o sequestrador dissesse. O criminoso revida: “quem acredita em mim, morre”.
Assim que o resgate foi pago, Jerson foi solto, a polícia acabou prendendo 8 pessoas envolvidas no sequestro e recupera o dinheiro. O episódio é descrito por Mirtes como um milagre.
O trauma despertou no trio uma forte religiosidade, de forma simultânea, que acabou os unindo ainda mais. Eles se converteram e passaram a congregar na Igreja Presbiteriana Renovada, e uma vez por ano fazem um culto de gratidão. Em 2022, o culto contou com 2 mil pessoas.
Diante da morte, Jerson percebeu que precisava viver. Logo após o trauma, decidiu fazer “um velório de si mesmo”. Com 35 anos de idade, saltou de paraquedas dias antes de se casar com Regiane, depois de 5 anos de namoro. Ele construiu uma casa para sua nova família, onde nasceram Naor (2003), Ronan (2005) e Heron (2013). Em 2016, o casal ainda adotou a Rafaela, de 8 anos, e sua irmã Sophia, de 4.
Sentindo que estava em contato direto com o “altíssimo”, Mirtes começou a operar no estilo “peça e receberá”, para tentar tirar a Transterra do buraco. Para começar a renegociar, a empresa precisava juntar 10% do montante da dívida. Como não tinha crédito na praça, ela comprava tudo à vista, no dinheiro, e barganhava desconto. Perto do prazo final para renegociar, conseguiu levantar o montante necessário. Com os pés enfaixados por conta de uma dor nos calcanhares, lá estava a administradora da Transterra pareada pelos advogados do Banco do Brasil. Com sua personalidade e franqueza, conseguiu renegociar a dívida em 35% do valor total devido, e mesmo sem qualquer garantia, saiu da agência com um prazo de um ano para pagar. “Foram várias providências divinas para que tudo desse certo. Em 10 meses, quitamos as dívidas da empresa e voltamos a crescer”, conta Mirtes.
Em 2001, Sinop aprovou sua lei determinando que novos loteamentos só poderiam ser abertos com asfalto. Para os bairros mais antigos, a infraestrutura veio através do asfalto comunitário – partilhando o custo da obra com moradores.
Esse foi o protótipo do “Asfalto Comunitário” em Sinop, um modelo que parcela a infraestrutura com seus moradores – algo que no futuro consagraria a Transterra. A empresa recrutou funcionários com experiência em pavimentação e colocou sua equipe do administrativo para ir de casa em casa “vender asfalto”. E foi assim que o primeiro bairro da cidade foi completamente pavimentado em 1996.
A Transterra assumiu uma obra abandonada por outra empreiteira, no sistema de asfalto comunitário, no Jardim Paraíso. Apesar da descrença inicial, concluiu e entregou a pavimentação.
Depois disso, a empresa se tornou a mais atuante no asfalto comunitário, vendendo o produto de porta em porta. “Cerca de 95% do asfalto de Sinop foi a Transterra que fez. A lei exigia que 75% dos moradores da rua aderissem, mas nossa equipe sempre fechava com mais de 85%. A gente via que as pessoas pintavam seus portões e cercas de marrom. Depois do asfalto elas começaram a pintar de branco, de bege, porque sabiam que não teria mais barro e poeira”, lembra Mirtes.
A Transterra acabou se tornando uma referência em obras de drenagem e pavimentação. Loteadoras procuram a empresa para contratar seus serviços e fazem questão de frisar que o asfalto será executado pela Transterra – como um argumento de venda. A empresa que começou tirando o mato também foi a maior responsável por fazer asfalto. Até o início de 2024, a empresa já havia executado mais de 5 milhões de metros quadrados de pavimentação só na área urbana de Sinop.
A abertura de novas áreas – produto que já no passado o principal no catálogo da Transterra – agora é uma memória do passado. Mesmo com a ressignificação desse serviço, que passou a ser visto como uma agressão ambiental, a empresa se orgulha de ter aberto ao longo da sua história uma área significativa, que hoje são produtivas e fontes de riqueza para a região.
Em 2008, a empresa adquire uma nova área, localizada em Nova Santa Helena, e expande sua atividade de mineração. No imóvel de 117 hectares havia uma montanha de pedra que vem sendo transformada em brita desde então. Da ponta do morro até o buraco onde a rocha está sendo minerada em 2024, já foram mais de 50 metros de profundidade de pedra removidos. A mina da Transterra produz cerca de 500 mil toneladas de pedra por ano, sendo que 30% é absorvida pelas obras da empresa. Na planta totalmente automatizada com monitoramento remoto, trabalham 22 funcionários, quebrando 2 mil toneladas de pedra por dia. “Uma das características da pedra que sai dessa nossa mina é que ela é avermelhada e de muita qualidade”, pontua Jerson.
Ainda em 2008, de forma concomitante, a empresa abriu uma usina de concreto – a Supermassa, que há dois anos passou a se chamar USINOP. Com um caminhão e uma mini concreteira produzindo 500 metros cúbicos de concreto por mês, o plano inicial era abastecer a Transterra, com concreto para boca de lobo e meio-fio. Hoje, a concreteira conta com uma frota de 19 caminhões, produzindo 5 mil metros cúbicos de concreto por mês. “A concreteira foi o primeiro negócio que saiu da minha cabeça e que não é uma herança do meu pai. É um negócio sensível, mas que se tornou algo com potencial com o início da verticalização imobiliária de Sinop. É uma empresa que deve crescer muito nos próximos anos”, avalia Jerson.
O porto de areia da Transterra em 2024 produz cerca de 15 mil toneladas de areia por mês. Na parte de terraplenagem a empresa conta com uma frota de 200 veículos e equipamentos, entre linha leve, pesada e amarela. “De cada 10 casas em Sinop, pelo menos 9 têm um produto da Transterra”, afirma Lucas.
Atualmente, nos negócios vinculados à Transterra, trabalham 450 pessoas. Nessa conta estão alguns dos futuros sucessores. Klaus e Letícia, filhos de Lucas, Gabriela, filha de Mirtes, e Naor e Ronan, filhos de Jerson, trabalham na empresa.
O negócio que começou e persiste em família há mais de 45 anos foi relevante para Sinop deixar de ser um lugar no meio do mato, deixar a fama e a lama para correr no asfalto.
OMDAS: iniciativa social
A atuação dos Leitzke se estende ao social. Em 14 de julho de 2009, é fundada OMDAS (Organização Multifuncional de Desenvolvimento e Auxílio Social), instituição voltada no apoio às famílias carentes de Sinop. Atualmente, a OMDAS atua em três linhas de atendimento.
A primeira é a doação de pães. São produzidos aproximadamente 2 mil pães por dia, entregues em bairros selecionados e cadastrados, onde o público é composto por mães solos (solteiras, viúvas ou divorciadas), que criam seus filhos sozinhas, além de residências onde moram pessoas com necessidades especiais e idosos. “Estamos chegando à marca de 5 milhões de pães produzidos ao longo desses 15 anos”, lembra Mirtes.
Além de dar o peixe, a OMDAS ensina a pescar. Por isso, oferece cursos profissionalizantes gratuitos de corte e costura, costura criativa, informática, fabricação de doces e salgados, panificação, confeitaria e gastronomia. “Nós profissionalizamos essas pessoas que não tiveram oportunidade de estudar e as colocamos em plenas condições de se destacar no mercado de trabalho”, comenta a empresária.
A terceira linha é a “OMDAS Saúde”, um espaço que agrega consultório médico, clínica odontológica, atendimento psicológico, muitos dos serviços em convênio firmado com uma faculdade particular.
“Com um novo espaço que estamos construindo, pretendemos oferecer futuramente atendimento em fisioterapia, visto que a cidade não possui opções suficientes para absorver a quantidade de estagiárias dos cursos de fisioterapia que precisam cumprir o estágio obrigatório. É mais um serviço que estará à disposição da comunidade”, encerra Mirtes Leitzke.
1979
Roberto Dorner
O HOMEM QUE NAVEGOU NO PROGRESSO DO NORTÃO
Atravessando pessoas de um lado para outro do rio ele chegou ao Mato Grosso e ao Norte do Brasil, onde comprou terras, criou gado, plantou grãos e edificou, trilhando um caminho de fortuna que o elevou à condição de prefeito e que termina com um Hospital para o São Cristóvão
O prefeito que vai assoprar as velas do cinquentenário de fundação de Sinop é Roberto Dorner. Ou como é chamado por muitos, o “Homem do Chapéu”. Conhecido pela riqueza que construiu com seus negócios, Dorner tem uma origem e uma trajetória similar a muitos que depositaram sua esperança de vida no Norte de Mato Grosso.
Tudo começa no dia 6 de abril de 1948, em Bom Retiro, uma cidade pequena na região serrana de Santa Catarina. Foi nesse lugar que Roberto nasceu. Ele é o filho mais velho de Eugênio Dorner e Olívia Burck Dorner, um casal de colonos, descendentes de imigrantes alemães, que tiveram 13 filhos. “Dorner”, na língua de origem, significa algo como “aquele que carrega”, um operário que transporta fardos.
Sua primeira memória vem de um incidente que marcou para sempre seu corpo. Aos 4 anos de idade, quando cortava mandioca com um facão, imitando o trabalho na roça dos pais, decepou a ponta do dedo indicador da mão esquerda. O golpe acertou bem na junta dos ossos, separando o membro. Ele não foi levado para um médico e o ferimento foi tratado em casa.
Nessa mesma época, no ano de 1952, a família se mudou para o Noroeste do Paraná, em busca de terras maiores e melhores para alimentar a todos. Muitas famílias do Rio Grande do Sul e Santa Catarina fizeram esse movimento migratório, que povoou a região. Os Dorner se estabeleceram em um vilarejo na cidade de Laranjeiras do Sul, que até 1946 foi a capital do Território Federal do Iguaçu – uma tentativa de o governo Getúlio Vargas de criar federações diretamente regidas pela União com o propósito de garantir a soberania nas áreas de fronteira. Lá, Roberto estudou até a 4ª série, trabalhou com os pais na roça e jogou futebol – chegando a disputar a 2ª divisão do Campeonato Paranaense pelo Operário de Laranjeiras. A fama é de que era bom de bola.
Aos 14 anos de idade, Roberto foi trabalhar como empregado do cunhado. Foi seu primeiro contato com balsas, operando a embarcação entre Laranjeiras e Chopinzinho, no Rio do Arroio do Moinho Velho. Quando completou 18 anos, comprou um caminhão F-600, um V8 movido a gasolina. Com o veículo, passou a fazer fretes, principalmente transportando suínos da região até São Paulo. Ele trabalhou por cerca de 3 anos como caminhoneiro, até se casar com Ivete Maria Crotti, em 1969. Roberto tinha 21 anos de idade na época e Ivete 18 anos. Os dois eram “vizinhos de porta” antes de ficarem juntos. Buscando um ofício que não o mantivesse tão afastado de casa, ele vende o caminhão e compra a balsa onde começou. Depois de 3 anos, uma ponte foi construída sobre o rio, inutilizando a embarcação.
Dorner então vai para Santa Fé, no Paraguai, abrir uma serraria junto com um irmão e o pai, em sociedade. “A gente ganhava as toras de madeira de graça para serrar. Tocamos a serraria por 4 anos e também colocamos uma balsa. Depois de um tempo, o governo do Paraguai tomou a balsa alegando que não podia ter uma estrutura de transporte na mão de estrangeiros”, conta Dorner. Nessa época, Dorner e Ivete já tinham 3 filhos: César, que nasceu em setembro de 1969, Célia, de fevereiro de 1973 e o recém-nascido Sidnei, de abril de 1974.
Em junho de 1977, nasce Robisson, o último filho do casal. Depois de 4 anos no Paraguai, tentando esquivar da perseguição do governo estrangeiro, ele retorna para o Paraná, comprando dois ônibus para fazer o transporte de alunos.
Em 1979, o Governo de Mato Grosso instalou uma balsa no Rio Teles Pires para atender a cidade de Sinop. Um ano depois ofereceram o negócio para Dorner. Ele e seus dois irmãos, Aldo e Waldir, compraram o direito de exploração do trecho.
E foi assim que, no final de 1979, Dorner e Ivete se mudaram para Sinop, com o propósito de operar a balsa no Rio Teles Pires. Eles chegaram na cidade e alugaram uma casa na Rua das Tamareiras, no Jardim Botânico. “Quando eu cheguei achei que a terra nessa região não produzia nada. Não tinha um pé de capim. Era uma terra branca, ácida. O milho não nascia”, comenta Dorner.
A balsa no Rio Teles Pires parecia promissora. A embarcação operava conectando os dois lados de uma estrada por onde passava grande parte dos caminhões carregados de toras que abasteciam as várias madeireiras de Sinop. Era também a principal via para acessar cidades como Porto dos Gaúchos e Juara. Mas depois de 8 meses, o negócio afundou (literalmente). Um caminhão “Feneme”, carregado com madeira, que estava sobre a balsa, perdeu os freios e começou andar sobre a prancha até virá-la. Caminhão e balsa foram para o fundo do rio. Por quase um ano a balsa ficou sem operar, até ser resgatada e remontada. Nessa época, Dorner ainda teve que suportar a morte da mãe, em 1980, acometida por um infarto fulminante.
Quando a embarcação estava enfim pronta para voltar a operar, a Estrada Baiana foi concluída, tirando quase todo o movimento da balsa. “Nessa época, nós estávamos completamente sem dinheiro. Eu e minha esposa já havíamos decidido que iríamos pedir emprego em madeireira para conseguir sobreviver. Foi quando um pessoa de Juara apareceu oferecendo uma balsa. Eles estavam extraindo madeira de uma área grande e precisavam de alguém para operar uma balsa. Foi um presente de Deus. A gente foi para lá operar essa balsa e conseguiu se reerguer”, lembra Dorner.
Ao longo da década de 80 o casal prosperou. Em 1991, Dorner e os irmãos já operavam 3 balsas na região, com funcionários para otimizar o negócio. Ao longo desse período, o Governo Federal implantou balsas como uma medida de “estratégia nacional” para fomentar o desenvolvimento da região. Dorner operou estas balsas, que eram subsidiadas pelo Governo, sem a cobrança de passagens. Com isso, conseguiu fazer uma boa reserva de dinheiro e assim comprar sua primeira terra. “Eu sempre tive noção de que balsa é um negócio que está à espera de uma ponte para morrer. E que terra é algo que não apodrece, que pode demorar, mas um dia vai valorizar”, explicou Dorner.
A primeira terra que comprou no Norte de Mato Grosso foi às margens do Rio Teles Pires, na MT-220. É nesse lugar que hoje Dorner conserva 2,4 mil hectares. Ele começou explorando a madeira que tinha em cima e abrindo área para formar pastagem. Com a pecuária, cresceu mais e comprou áreas em Confresa e Marcelândia e no estado de Rondônia. Atualmente no seu plantel de cria, recria e engorda, Dorner tem um rebanhou de aproximadamente 5 mil vacas, além de um confinamento na Fazenda Cascata, em Ipiranga do Norte.
Quando as áreas de pecuária começaram a ser tomadas pelas lavouras de soja e milho, Dorner protelou para migrar de atividade. Por um tempo arrendou suas terras, até que no ano de 2005 começou a plantar. Atualmente ele produz grãos em 23,7 mil hectares de áreas que são suas.
O negócio das balsas também prosperou. Mesmo com a divisão da sociedade, em decorrência da morte dos irmãos e do pai (Waldir em 2002, Eugênio em 2005 e Aldo em 2023), Dorner detém hoje 21 portos de balsas, em 3 estados: Pará, Rondônia e Amazonas.
Outros negócios
Em 1995, Dorner começa a se tornar um homem da comunicação. Um amigo, que era locutor/jornalista provisionado, convence o empresário a comprar uma emissora de TV em Sinop, canal 4, na época repetidora da Rede Manchete. Esse “amigo” era ninguém menos que Juarez Costa, que em 2009 se tornaria prefeito de Sinop e rival político de Dorner nos anos que se sucederam. A televisão pertencia a Valdir Português e Altamir Kürten (que também foi prefeito de Cláudia). “Eu lembro que na época era um negócio barato, mas também não tinha nada. Eu já tava morando em Rondônia na época. Dei minha casa na Rua das Rosas em troca da (emissora de) TV e fechamos o negócio”, conta Dorner.
Em 1999, a Manchete encerra suas atividades e a televisão de Dorner passa a replicar o sinal da Rede TV. Uma década depois, em 2009, a direção da emissora fecha com o SBT, marcando o início da formação de um império da comunicação no estado. Em 2016, Dorner compra a TV Rondon, adquirindo assim o canal 4, SBT, em Cuiabá e em Rondonópolis. Em 2018, o empresário inclui na sua rede de comunicação uma emissora com canal 4 em Nova Mutum.
Dorner ainda possui 3 concessões de rádio. Cerca de 140 pessoas trabalham em suas empresas de comunicação.
Outra aposta feita pelo empresário foi com o Edifício Jacarandás – o primeiro “prédio” da cidade de Sinop. A torre com 12 andares começou a ser erguida no início da década de 90 por Geraldino Dal Maso, que foi o primeiro prefeito eleito de Sinop (entre 1983 e 1988), como uma tentativa de mostrar que a cidade poderia sim ter prédios maiores. Apesar do ímpeto empreendedor e da vontade de ver Sinop crescendo verticalmente, Geraldino enfrentou problemas financeiros e não conseguiu concluir a obra. A construção foi paralisada e depois, vendida.
Em 1997, Dorner comprou o projeto. Cerca de 20% da obra havia sido executada. Era um esqueleto a mercê do tempo. “Todo mundo da família foi contra eu comprar. As pessoas achavam que o prédio ia afundar”, lembra Dorner.
O empresário passou cerca de R$ 200 mil para Geraldino em 20 parcelas, quitou algumas dívidas que o ex-prefeito tinha na praça com o empreendimento (na casa dos R$ 500 mil) e gastou em torno de R$ 3 milhões para concluir a obra. Depois de 4 anos, em 2002, Dorner inaugura o que foi, por muitos anos, o único edifício da cidade. “Ninguém queria comprar um apartamento. Quase todas as 44 unidades eu acabei trocando por terreno. Tive que ir morar no prédio para convencer as pessoas de que era seguro. Tinha aquele mito de que o solo de Sinop era fraco. Acreditavam que o prédio ia cair, mas está de pé até hoje”, comenta Dorner.
Apesar da empreita, o empresário teve a delicadeza de pregar uma placa dizendo que aquela foi uma obra iniciada por Geraldino Dal Maso.
Dorner ainda abriu em 1998 uma fábrica de refrigerantes, a Dídio, em Rondônia. Ele se desfez da indústria em 2014, quando a planta empregava 450 funcionários. Em Porto Velho, o empresário também implantou uma mineração, que possui até os dias de hoje.
No ano de 2006, Dorner faz outra compra emblemática. Ele adquire o Amazônia Clube, que começou como o primeiro CTG (Centro de Tradições Gaúchas), e depois foi “convertido” em clube social, com piscinas, campos, quadras e um salão de festas. Após uma sequência de gestões desastrosas, o clube faliu e os associados remanescentes decidiram colocar o patrimônio à venda em leilão público. A primeira avaliação foi de R$ 3 milhões pela área de 23.400 metros quadrados no centro da cidade. Mas não houve interessados. Na terceira tentativa, o imóvel foi arrematado por Dorner pelo valor de R$ 1,5 milhão.
O empresário nunca reativou o clube. Por anos o imóvel foi subutilizado. Em 2014, a Prefeitura alugou o antigo salão de festas do Amazônia Clube para abrir o campus do IFMT (Instituto Federal de Mato Grosso). A instituição de ensino continua instalada no imóvel em 2024, embora sua sede própria esteja em fase de construção, com previsão para ser inaugurada em 2025.
Dorner pretende retornar ao setor da construção civil vertical empreendendo nesse terreno. Ele informou que soldou uma parceria com uma empresa de Balneário Camboriú (SC) para construir 6 edifícios de 48 andares no imóvel que um dia foi o Amazônia Clube. Trata-se de um projeto futuro, que será implantado em etapas, com a previsão de que a primeira torre comece a ser erguida em 2025. “Essa área tem potencial para receber um grande complexo residencial. É um projeto que ainda desejo realizar”, revelou Dorner.
O grande negócio mais recente do empresário foi no ramo das rodovias. Em 2021, a empresa Via Norte-Sul, da qual é sócio, arrematou a concessão da MT-220, entre Sinop e Tabaporã, recebendo os direitos de exploração da rodovia por 30 anos. Se no passado Dorner ajudou os viajantes a fazer sua travessia com as balsas, agora ele cuida das pontes e também dos asfaltos. Esse trecho da rodovia que Dorner administra passa em frente à primeira terra que comprou no Norte de Mato Grosso. Mas não apenas isso. Esse pedaço de estrada leva o nome de Ivete Maria Crotti Dorner, a mulher com quem dividiu a vida por 46 anos.
A perda
Na tarde do dia 6 de maio de 2015, Ivete dirigia pela MT-220, no trecho que fez tantas vezes, de Sinop até a Fazenda Cascata. Faltando apenas alguns quilômetros para chegar ao seu destino, a camionete saiu da pista e capotou sobre uma área de lavoura. Ivete foi arremessada do veículo e morreu na hora.
O óbito consternou a cidade. Foi decretado luto oficial e o corpo foi velado, com reverência, na Câmara de Vereadores. Ao longo da sua vida, Ivete participou ativamente da sociedade e em sua morte, muitas pessoas renderam homenagens.
Dorner estava em Cuiabá no dia do acidente e voltou para Sinop de avião. Em 2024, o empresário falou para a Fator MT sobre o impacto que a morte da esposa teve em sua vida. “Eu fiquei desnorteado, com vontade de ir embora de Sinop, sem saber ao certo o que fazer. Ela foi um pilar na minha vida, cuidava muito da família e das pessoas em nossa volta. Ela ia todo dia para a fazenda, estava sempre junto. Eu me lembro do começo de tudo, quando ficamos juntos, ela era de família rica e eu pobre, o que fez com que os familiares dela me rejeitassem. Mas ela sempre ficou do meu lado, crescemos juntos e depois seus pais e irmãos passaram a ter orgulho da gente, do nosso casamento. Ela me ensinou a não rir de quem chora, e que humildade e suco de laranja não fazem mal para ninguém”, desabafou Dorner.
Na sua jornada pelo Centro-Oeste e Norte do Brasil, Dorner capitaneou negócios, navegou no mar de progresso experimentado pela região e se tornou um bilionário. Perguntado sobre como se sente em ter alcançado tal feito, ele responde com ar simplório. “Não consigo sentir que estou rico. Não acho que isso seja o mais importante. Eu aprendi que pra tudo a gente precisa dos outros, e que às vezes é apenas uma questão de oportunidade e de visão para fazer as coisas acontecerem”, reflete Dorner.
Depois de um luto de 3 anos, se sentindo sozinho e repudiando a solidão, Dorner se permite enamorar novamente depois de meio século. Em 2018, ele conhece a arquiteta Scheila Pedroso, na época com 26 anos de idade. Ela foi contratada para fazer um projeto de uma porteira da fazenda, dentro de um rio, em uma das propriedades de Dorner no Pará. Depois, continuou por perto, desenvolvendo um projeto na Fazenda Cascata. Eles foram se aproximando e um relacionamento nasceu.
Em novembro de 2021, os dois celebram uma cerimônia festiva de casamento em Punta Cana, no Caribe. Nessa época Scheila já era a primeira-dama de Sinop e a secretária de Assistência Social do município, função que continua desempenhando até 2024.
O homem do chapéu
Esse foi o jargão com o qual Dorner foi rotulado quando começou a figurar no cenário político local. Ele havia voltado a residir em Sinop no ano de 2002, no seu recém-inaugurado edifício e nas articulações do pleito de 2004, se filou ao PPS, com direito a um ato público que o posicionava como possível candidato a prefeito naquele pleito. Quem acabou saindo pela sigla foi Baiano Filho, tendo Dalton Martini de vice – ambos sumariamente derrotados por Nilson Leitão, que cravou sua reeleição.
Em 2006, Dorner foi lembrado na eleição estadual, mas acabou não sendo candidato. Em 2008, agora dentro do PP, ele desejava ser prefeito de Sinop. “Eu ajudei muita gente na política. Gastei bastante. Então pensei: ‘por que eu não ser o candidato?’. Eu achava que poderia dar a minha contribuição”, revela Dorner.
Mas um pedido do então governador Blairo Maggi fez Dorner recuar sua candidatura a prefeito. Maggi declarou apoio ao projeto de Juarez Costa e pediu para que o empresário fizesse o mesmo. Juarez acabou vencendo o pleito de 2008 e se reelegeu no seguinte.
Em 2010, Dorner enfim se lança candidato, concorrendo a uma das 8 cadeiras de deputado federal por Mato Grosso. Com seus negócios espalhados por várias cidades do estado e uma boa estrutura de campanha, ele contabiliza 50.480 votos. Apesar da votação expressiva, fica apenas como primeiro suplente do PP. O titular da cadeira foi Pedro Henry.
Envolvido no escândalo do Mensalão, sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Henry se licencia do cargo para assumir a Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso em fevereiro de 2011. Apesar das críticas, ele foi determinante no processo de abertura do Hospital Regional de Sinop, inaugurado em dezembro de 2008 e que até então estava fechado. A licença permite que Dorner assuma como deputado federal, exercendo a função até novembro de 2011 e depois em dezembro de 2013, quando Henry teve sua prisão decretada e renunciou ao cargo.
Na sua passagem como deputado, Dorner grifa a transmissão de 20 ambulâncias para municípios mais interioranos de Mato Grosso e uma emenda impositiva, de R$ 14 milhões, aplicada na pavimentação asfáltica no Jardim São Paulo, em Sinop, além do recurso para construção de 3 postos de saúde. “O trabalho em Brasília era complicado. Além do expediente e do translado, havia muita maracutaia. O jeito como as coisas funcionam te levam a entrar em um esquema. Se você não faz parte do grupinho, não consegue nada”, reclamou Dorner.
Na Câmara Federal ele fez parte da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, da Comissão de Viação e Transportes, da Comissão de Desenvolvimento Urbano e da comissão especial do PL 5335/09, que discutiu a Transposição Hidroviária de Níveis.
Depois da passagem pelo Congresso, Dorner deu uma desencantada com a política. Ou como ele diz, “perdi a vontade”. Mas em 2016 ele voltou à cena. Agora no PSD, o empresário foi provocado pelo então governador Pedro Taques (PSDB) e seu vice, Carlos Fávaro (PSD), para disputar a prefeitura de Sinop. Com uma jovem liderança do tucanato local como vice, o vereador Fernando Assunção, Dorner disputou a eleição apertada, embatendo contra Dalton Martini e Rosana Martinelli. Venceu a primeira mulher eleita para o posto de prefeita de Sinop.
Em 2020, Dorner se aliou a Dalton, que foi seu vice. Rosana desistiu da reeleição e o embate foi polarizado entre o empresário e o ex-prefeito e antigo amigo, Juarez Costa. Melhor para o homem do chapéu. Dorner arrecadou o aval de 32.114 eleitores, o equivalente a 49,11% dos votos válidos, tornando-se a 8ª pessoa eleita prefeito de Sinop. “Minha intenção era trabalhar, deixar uma marca. Sinop precisa de bons projetos, porque cresce a passos largos. É uma cidade que precisa de grandes obras para acompanhar. Quando cheguei em Sinop não tinha nada. A cidade me deu tudo. Deu segurança, perseverança. Aqui eu consegui crescer e sempre senti que podia dar algo de volta”, justificou Dorner.
Em fevereiro de 2024, quando atendeu a equipe da Fator MT, Dorner listou o que acredita ser seus principais feitos enquanto prefeito de Sinop. Ele lembrou da nova rodoviária, que começou a ser construída ainda no mandato de Juarez Costa, mas que só foi concluída e colocada para funcionar na sua gestão. Ele citou a pavimentação de estradas vicinais que já estão se tornando vias urbanas, como a Nanci, Angela, Adalgiza, Silvana e Brígida, bem como a Avenida Oscar Niemayer, importante obra estruturante para o fluxo urbano. No topo da prateleira colocou as 4 escolas construídas em tempo recorde de 6 meses, incluindo a escola modelo na região dos Vilas, formada por vários programas habitacionais. É nesse amontado de pessoas de baixa renda que está a melhor escola da rede municipal de Sinop. “Eu também comemoro a implantação da Escola Militar Tiradentes, que embora seja do Estado teve forte mobilização do município para acontecer”, frisou.
Antes de se lançar ao pleito, tentando a reeleição, conseguindo ou não, Dorner espera dar início a duas outras obras que tem o potencial para entrar na história da cidade. A primeira, lançada em dezembro de 2023, é um hospital de 4,2 mil metros quadrados e um investimento de R$ 42 milhões, na região do grande São Cristóvão. Serão 40 leitos geridos pelo município em sistema de PPP (Parceria Público-Privada). A segunda obra de impacto é a nova sede da Prefeitura Municipal. A atual foi construída em 1982 e vem sendo remendada desde então. Dorner escolheu um terreno da Avenida Bruno Martini, e com um financiamento de R$ 80 milhões tomado junto ao Banco do Brasil, pretende erguer o novo Paço Municipal. “Quando terminar, eu vou viajar e descansar”, declarou Dorner, que caso emplaque um segundo mandato, vai deixar a cadeira de prefeito com 80 anos de idade
1979
José Carlos Ramalho
SEGURO PARA RECOMEÇAR
Ainda criança, ele viu a família vender o sítio com café plantado para começar do zero e logo teve que assumir o trabalho do pai que ficou doente. Com estudo, saiu da roça, aprendeu a trabalhar na cidade e cresceu até se tornar gerente de banco. Em 20 anos de trabalho, serviu a 3 empresas e largou a posição confortável para abrir seu próprio negócio. Trocou o seguro pelo arriscado e recomeçou, mais de uma vez. Assim foi a jornada de José Carlos Ramalho, um bancário, empresário, político, filantropo e agora treinador de pessoas
Há quem o conheça pela política. Outros pela Amazônia Seguros e o seu longevo bordão: “Seguro? É com corretor de seguro”. Há ainda quem conheça o “Zé” pelo futebol ou pelas ações de ajuda ao próximo. A história dessa figura icônica de Sinop, que mescla poder e altruísmo, começa na década de 60, em um lugar no meio do nada.
José Carlos Ramalho veio ao mundo dia 10 de dezembro de 1961, pelas mãos de uma parteira, no pequeno sítio do avô, localizado na zona rural de Douradina, um pequeno distrito no Noroeste do Paraná, que só se tornaria município 18 anos depois. Ele foi o primeiro filho de Manoel José da Silva e Adélia Ramalho. O casal vivia em uma casa de barro, com cobertura de tabuinha, no sítio do avô. Já nas primeiras semanas de vida, dona Adélia olhava para o filho e via que ele era diferente das outras crianças. Era muito ativo, curioso e parecia ter muita facilidade para entender o mundo que o cercava. “Eu era mimado pelos tios e tias, pois a família era grande e todos moravam no sítio do meu avô. Foi Tia Nena, irmã mais nova da minha mãe, que cuidava do ‘Zezinho’ (assim eu era chamado)! Isso porque minha mãe teve meus irmãos com pequena diferença de tempo, então a Tia Nena foi como uma segunda mãe para mim, ela cuidava de mim como um filho”, relembra Zé, ao demonstrar o carinho, afeto e gratidão que alimenta pela tia até hoje.
Quando José Carlos tinha 4 para 5 anos idade, seu pai colocou o sítio à venda. O pequeno Zé indagava o pai e o avô sobre a situação: ‘por que vender um sítio pronto, com café plantado, para começar tudo do zero?’. Para Zé não fazia sentido, e ninguém conseguia lhe dar um bom motivo que justificasse a decisão.
Assim que vendeu o sítio, seu Manoel se estabeleceu em um canto menor e começou a comprar galinhas, patos, marrecos... vários tipos de aves. Ele comprava de pequenos produtores, fechava uma “carga” e ia para cidade vender. Quando tinha um estoque bom, repassava direto para um comprador de Londrina e outras regiões do Paraná. Com 7 anos de idade, Zé acompanhava o pai no ofício. Os dois percorriam com uma carroça, puxada a cavalo, todas as pequenas propriedades da região, negociando as aves com os colonos e agrupando-as em gaiolas. Compravam, em média, 25 aves por dia. “Todos conheciam meu pai por Manoel Pernambuco”, conta Zé.
Quando Zé estava com 7 anos, seu pai teve a doença de Chagas (transmitida pelo besouro barbeiro), e foi receber tratamento na cidade de Apucarana (PR). Na ausência do pai, o filho começou a fazer a rota da compra de frango e de outros animais. Todas as manhãs ele pegava um bolo de dinheiro e colocava na carteira, enquanto sua mãe prendia o cavalo à carroça, e saia passando pelas pequenas propriedades rurais. Apesar da pouca idade, conhecia todas as rotas das linhas do interior e sabia contar dinheiro. Ele comprava as aves e voltava para casa com o troco. No dia certo, engaiolava as aves e levava para cidade, onde vendia. Em um desses dias, voltando para casa após vender as galinhas, Zé percebeu que havia perdido a carteira, com todo dinheiro dentro. E naquela época não tinha seguro! Depois do desespero inicial, refez seus passos, voltando por quilômetros. A angústia se torna alívio quando ele reencontra a carteira no meio da estrada. “Essa era a estrada da Água Pereirinha, eu lembro desse fato como se fosse ontem. Ela ficava em uma colônia próxima a Douradina”.
Por um ano, Zé tocou o negócio enquanto seu pai estava doente. “Teve uma vez que eu fui na Colônia Niko (composta por descendentes de japoneses), distante 6 km de Douradina, onde sempre comprávamos umas aves. Comprei 30 patos e paguei o preço que a gente sempre pagava. Quando cheguei em casa, meu pai me fez voltar e devolver os animais e pegar o dinheiro de volta. Os patos pareciam bonitos, mas eram filhotes, não tinham penas, não estavam prontos para o abate”, lembra Zé.
Em 1968, Manoel Pernambuco chamou seu filho para uma conversa. “Ele me disse: ‘Zé, você não vai ser analfabeto igual eu; vou te colocar na escola’. Meu pai dizia que eu não era da roça, e que por isso precisava estudar”, revela Zé Carlos, que precisava caminhar 12 km (6 para ir e 6 para voltar) para estudar. O empresário lembra ainda que levava seu material de escola – caderno e lápis – dentro de um embornal feito de saco de açúcar.
Quando Zé tinha 10 anos, seu Manoel foi até uma farmácia e pediu um emprego para seu filho, achando que ele iria aprender mais na cidade. O estabelecimento, que ficava na sede de Douradina, pertencia aos irmãos Dirson José Martini e Salete Martini, e ao marido de Salete, Darci Pedrazzani. Zé começou varrendo o chão da farmácia e fazendo qualquer tipo de serviço que não exigisse muita experiência. Curioso, interessado e dedicado ao serviço, logo foi pegando novas tarefas. Com 2 anos no emprego, já aplicava injeções. Aos 15 anos de idade, atendia no balcão, fazendo as vezes de farmacêutico – que naquela pequena cidade era quase equivalente ao papel de um médico. Ouvia as queixas dos clientes e recomendava determinado medicamento.
Zé trabalhava durante o dia e estudava à noite. Gostava de estudar. Em 1978, começou a cursar o “científico” (atual ensino médio) na cidade vizinha de Ivaté. Zé continuava trabalhando na farmácia e estudando, quando seu pai decidiu levar a família para Americana (SP), onde deixaria o campo para trabalhar em uma indústria. Zé pede permissão para continuar em Douradina, trabalhando e estudando. Nesse tempo, ficou morando na casa da tia Nair Ramalho Ferreira.
Ficar longe da família era uma decisão dura, mas parecia ser necessária. Mal sabia que, em breve, essa distância se tornaria ainda maior. No final de 1979, Dirson o chamou para uma conversa. O patrão disse que abriria uma farmácia no interior de Mato Grosso, que sua família estava pensando em investir nessas novas terras e que a tendência era que deixassem Douradina para trás. Dirson também disse que Zé seria o gerente dessa farmácia naquele outro estado.
Faltando dois meses para completar 18 anos, Zé aceita a proposta. Ele para os estudos no 2º ano do científico, embarca para Sinop e chega à cidade no dia 13 de outubro de 1979. O jovem vem no caminhão da mudança de Bruno Martini, pai de Dirson, para a nova cidade e os medicamentos para abrir a farmácia. De Cuiabá até Sinop foram 5 dias de viagem. Quando enfim entraram na cidade, o caminhão parou na Avenida das Embaúbas, em frente onde ficava (e ainda é) uma unidade dos Correios. Logo, um exator da Secretaria de Fazenda foi até o veículo, dando ordem de apreensão e pedindo as notas dos produtos que estavam sendo descarregados. Bela recepção: barro e burocracia. “No começo foi um susto. Eu estava longe de casa, da família e sozinho. A cidade era um atoleiro só. Sinop tinha uns 4 mil habitantes, ou menos. Parecia uma decisão muito errada. Mas eu tinha muita vontade de fazer as coisas acontecerem. Eu me lembro de um ditado dessa época: ‘Sinop, a cidade que Deus conduz; de dia falta água, de noite falta luz’”, recorda Zé.
Para abrir a farmácia, alugaram um imóvel na Avenida dos Mognos, que 5 anos depois seria rebatizada para Avenida Júlio Campos, em homenagem ao então governador. A sala comercial pertencia a Ari Daher e ficava ao lado da Lanchonete da Tia – famosa na cidade naquela época. Foram alguns meses organizando o imóvel, fazendo as prateleiras e regularizando a situação da nova empresa. Em fevereiro de 1980, a Sinodroga abre suas portas. “Nesse período, eu tinha duas funções: gerenciava a farmácia e também cuidava da construção da sede própria. A família Martini me passava o dinheiro e eu comprava os materiais, pagava os pedreiros... toquei a obra até o final. Em 1981, saímos do aluguel e fomos para um prédio próprio”, conta Zé.
Ele também voltou a estudar. Retomou o 2º ano do científico e depois fez o técnico em contabilidade da Escola Nilza de Oliveira Pipino – fazendo parte da segunda turma que se formara naquele curso. A farmácia nova ficava em frente à Caixa Econômica Federal. Zé fez amigos e jogava futsal com o pessoal do banco. Há quem diga que jogava bem e que tinha um chute forte. “Nessa época, tinha uma competição chamada Torneio do Carpinteiros, que acontecia no ginásio do Pipininho e durava vários meses. Tinha uns 30 times. O Padre João só deixava os jovens jogarem depois da missa”, relembra Zé.
Em dezembro de 1981, a sociedade de Darci Pedrazzani e dos Martini decide vender todas as farmácias, inclusive a de Sinop, deixando Zé sem emprego. Nesse período, ele vai até Americana visitar a família e entender como era a vida naquela cidade. Mas foi apenas um passeio. No seu retorno, a família Martini queria que Zé trabalhasse na loja de materiais para construção que abriram em Sinop. Já os amigos da Caixa Econômica queriam que ele fosse estagiário do banco, assim, poderia fazer parte do time nos torneios.
Ele optou por jogar futebol no time da CEF. Em março de 1982, Zé Carlos é contratado pela Caixa Econômica para trabalhar no setor de cadastros. Fica na função por 6 meses, até receber uma proposta do Banco Bamerindus, que estava abrindo uma agência em Sinop. No dia 22 de novembro de 1982, a nova unidade abre as portas, com Zé Carlos trabalhando no setor de cadastros. Proativo, fazia o cadastro de um novo cliente e já oferecia um seguro de vida. Não demorou muito para o banco perceber que Zé tinha um perfil comercial e que tinha a veia para os negócios. “Um banco nada mais é que um supermercado de papel e promessa, que precisa vender seus produtos para ter lucro. A pessoa entra na agência, deixa seu dinheiro com a expectativa de que vai receber mais ou que terá ele de volta quando quiser”, filosofa Zé.
Com sua postura, foi galgando espaço dentro da instituição financeira. Um ano e meio depois, já era auxiliar de gerente. Em 1985, a convite de uma amiga, passou a integrar a Casa Shalon, um local de retiro e reflexão que era o ponto de encontro dos jovens católicos. Foi nesse lugar que começou a exercitar sua liderança e seu trabalho pelo social. Naquele ano, os jovens se reuniram para tentar organizar uma diretoria para a Shalon. Assim surgiu a MUNIC (Mocidade Unida Cristã), que foi presidida por um despojado jovem cabeludo solteirão que trabalhava como auxiliar de gerente no Bamerindus.
Foram dois anos presidindo a MUNIC, o que por amizade, relacionamento e confiança acabou fazendo com que tantas pessoas – entre elas, muitos jovens – de Sinop tivessem sua primeira conta no Bamerindus. Em 1987, Zé foi promovido a subgerente do banco, aos 26 anos de idade. No ano de 1989, o Bamerindus lança um desafio nacional, envolvendo mais de mil agências em todo o território brasileiro e 70 mil funcionários. Chamada de “Força 1.001”, a campanha tinha como objetivo selecionar o funcionário do banco que mais abriu contas e vendeu produtos financeiros. Além de uma premiação em dinheiro, a Força 1.001 também renderia promoções para quem se destacasse. O resultado foi divulgado em fevereiro de 1990. Zé Carlos foi o segundo funcionário com melhor desempenho em Mato Grosso e o 404º do país. Na época, ele morava em uma república com outros jovens.
Com as economias, deu entrada na aquisição de sua primeira casa – o restante do valor veio através de um financiamento no Banco do Brasil, tendo como avalistas Paulo Abreu e Leonildo Castro, por um período de apenas um ano. A residência de madeira ficava na Rua K-1, nº 19. Seu primeiro carro zero quilômetro, um Fiat Uno 1.5R, amarelo e preto, foi comprado um ano antes, também com base na disciplina financeira de Ramalho. “Faltou um pouco para comprar o Uno à vista, então tomei um dinheiro emprestado junto ao Paulo Tadeu Bellincanta, e 30 dias depois devolvi o dinheiro a ele”. Apaixonado por carros, Zé já havia tido um Corcel I, um Fiat 147, um Monza e um Fusca.
Com outros prêmios que recebeu pelas suas vendas, mobiliou a casa. “Sempre fui muito econômico. Nunca fui de gastar. Sempre pensei no futuro e nunca fui ganancioso para além da conta. Meu pai dizia que um homem tem que ser honesto, acima de qualquer coisa”, explica Zé.
Em maio de 1990, veio a segunda parte da “Força 1.001”: Zé foi promovido a gerente do Banco. Mas o bônus veio com ônus. Ele foi designado para assumir uma agência em Cuiabá, com 50 funcionários. Depois de 3 meses no novo trabalho, Zé sentiu que seu lugar não era na capital. Ele queria voltar para o interior, e quando surgiu a oportunidade, fez o pedido para o seu superior. Carlos Romeu Tramontin, o diretor do Bamerindus na época, deixou claro o que o banco pensava a respeito de Zé: ‘é um homem de resultado e sua próxima promoção provavelmente será para um lugar ainda maior – provavelmente São Paulo’. “Isso me deixou preocupado. Eu fiquei uns 30 dias pensando no que fazer. Mal dormia. Foram noites remoendo. No fim, agradeço a luz divina por ter tomado essa decisão”, revela Zé.
Largando o emprego seguro para se aventurar no seguro
No começo da década de 90, que emprego poderia ser tão rentável e estável para um jovem de 28 anos quanto ser gerente de um banco? Isso sem falar do status! Ainda mais sendo cotado para as maiores agências do país. Mas Zé decide abrir mão desse emprego seguro para se aventurar em um ramo que acabava de surgir.
No Brasil de 1990, as corretoras de seguro eram uma novidade em ascensão. No dia 30 de agosto daquele ano, Zé faz uma viagem para Sinop e vai até o Escritório de Contabilidade da CGF. Lá, ele monta o contrato social da Amazônia Corretora de Seguros. O escritório procede com o registro na Junta Comercial, e após 5 dias o CNPJ é admitido como apto para a atividade de corretagem de seguros. No dia 6 de setembro de 1990, ele vai até Cuiabá e entrega sua carta de demissão. “Agradeci por tudo que vivi dentro do Bamerindus e chorei com a saída. O banco foi a maior faculdade que eu já tive. Aprendi muito, mas sentia que o ramo de seguros era o meu caminho”, revela Zé.
Um mês depois, no dia 17 de outubro de 1990, a Amazônia Seguros abre a sua primeira porta, um escritório pequeno, em uma sala alugada, na Rua das Nogueiras nº 643. O cartão de visita já trazia as cores verde e amarelo – a mata e o ouro, principais riquezas da região. O primeiro cliente da empresa foi Jorge Muller, um empresário do setor madeireiro que comprou uma apólice de seguro de vida. “O começo foi muito difícil. Trabalhava 20 horas por dia. Cheguei a sair de Sinop e ir até Paranaíta para fazer seguro de um VW Gol. Também fui a outras cidades distantes, como Apiacás, Juína. As pessoas não acreditavam muito em seguro nessa época. Diziam que seguro só era bom para o banco, que recebia, porque quando precisavam resgatar suas apólices, era um processo penoso”, lembra Zé.
Em uma dessas viagens, voltando de Juína com a expectativa de dormir em Juara, percorrendo as precárias estradas de terra em meio a mata, Zé apontou com seu carro na beira de um rio sem ponte, às 18h30. A balsa que fazia a travessia fechava às 18h e só reabriria às 6h da manhã. Não havia nada por perto para recorrer, a não ser um ribeiro, que lhe vende uma mortadela. Morrendo de fome, Zé dilacera o embutido com os dentes e dorme dentro do carro, abraçado com sua pasta com as apólices preenchidas. “Teve uma vez que minha mãe perguntou: ‘por que trabalhar tanto assim?’”, recorda Zé.
Todo o processo que envolvia uma apólice de seguros era manual. Quando vendia 5 seguros em um dia, ficava até meia-noite preenchendo os documentos para despachar, logo de manhã, por malote. A papelada precisava viajar até a capital para que o seguro fosse validado.
Ainda em 1990, ele conhece Giselle Navarro, com quem se casa anos depois.
O ingresso na política foi relâmpago. Em um dia, Paulo e Sidnei Bellincanta lançam Zé como candidato, e meses depois ele é eleito com 581 votos – sendo o 5º mais votado no pleito de 1992. Neste mesmo ano, ele compra o terreno na Avenida Júlio Campos e começa a construir sua sede própria, no mesmo endereço onde está a Amazônia Seguros até hoje.
Como vereador, Zé descobriu uma nova vocação. Montou uma competente equipe em seu gabinete e passou a atender a população. Haviam duas grandes demandas: saúde e assistência social. Com seu time, ele conseguia viabilizar consultas, cirurgias e locomoção para os doentes. Na parte de assistência social, arrecadava, via Poder Público ou com seus contatos na iniciativa privada, cestas básicas para os necessitados. Também ajudou muita gente a acessar a aposentadoria. “A equipe de colaboradores da Amazônia Seguros foi muito importante nessa época. Sem essas pessoas, eu não teria conseguido conciliar a atividade de vereador e a empresa ao mesmo tempo. A segurança que eu tinha nos colaboradores da Amazônia Seguros foi o que me permitiu dar sequência na minha vida pública”, revela Zé.
Em 1996, ele se lançou à reeleição. Seu alinhamento político o colocou na base do candidato a prefeito Mauri Rodrigues de Lima, que acabou derrotado por Adenir Barbosa. Apesar da posição desfavorável, Zé recebeu naquele pleito 1.668 votos, sendo o vereador mais votado daquela eleição.
A popularidade conduz Zé Carlos para disputa de deputado estadual, em 1998, pelo extinto PFL. “Eu estava trabalhando na política e o elenco [como chama seus funcionários] segurando a Amazônia Seguros”, pontuou. Zé acaba sendo o candidato a deputado mais votado da região, com mais de 8 mil votos, que o coloca apenas na condição de 4º suplente dentro do partido. “Foi uma eleição dura dentro de Sinop. Naquele ano, concorreram para deputado Nilson Leitão, Jorge Abreu, Pedro Mendes, Jorge Yanai, entre outros candidatos”, comenta Zé, citando nomes que estavam em alta e perdurariam no cenário político local por anos.
Dois meses depois da eleição estadual, Zé Carlos é procurado por outros 5 vereadores que queriam conduzi-lo à presidência da Câmara. Ele acaba sendo eleito para o mandato 1999-2000, se tornando o 9º presidente do Legislativo Municipal. “Em 2001, quando o Tribunal de Contas do Estado emitiu o parecer sobre a minha gestão como presidente, recebi uma carta dos conselheiros me parabenizando pela gestão do dinheiro público. Todos os meses sobra dinheiro no orçamento da Câmara e, ao invés de reter até o final do ano, como é de praxe, eu já mandava para o prefeito. Dinheiro público não deve ficar parado. Sua função é prestar serviço”, colocou Zé.
Sua popularidade e apreço o conduziram para o posto de candidato a vice-prefeito na tentativa de reeleição de Adenir Barbosa, no ano 2000. Adenir já havia sido prefeito antes da reeleição existir, entre 1989 e 1992. Mas Sinop decidiu que o médico e pecuarista não merecia um terceiro mandato. A chapa com Adenir e Zé foi derrotada por Nilson Leitão e sua vice, Sinéia Abreu, por uma diferença de 750 votos. “Foi talvez a eleição mais emblemática da história de Sinop. Adenir tinha apoio da classe empresarial e da população no centro da cidade. Quando começaram a abrir as urnas no grande São Cristóvão [região mais popular de Sinop na época], ficou claro que [o adversário] tinha virado o jogo”, lembra Ramalho.
Com a derrota, Zé se afasta da vida pública e passa a se dedicar plenamente à Amazônia Seguros. Com foco, ele busca se reinventar e fortalecer a empresa, iniciando uma fase de expansão e crescimento agudo. É também no ano 2000 que ele tem seu primeiro e único filho, João Gabriel Navarro Ramalho. Dois anos depois, ele se separa de Giselle, mas continua mantendo um relacionamento saudável com a mãe do seu filho.
Nesse novo período da Amazônia Seguros, a empresa ganha corpo. O mote “Seguro é com Corretor de Seguros”, que Zé emplacava desde os anos 90, é reforçado, provando a cada dia que uma corretora dava mais assistência a seus assegurados do que qualquer outra instituição. A confiança atrai novos clientes. E a importância de ter um resguardo para o infortúnio fica evidente na crise de 2005, quando a economia de Sinop vira de ponta-cabeça após uma sequência de operações ambientais e a queda abrupta nos preços das commodities agrícolas. Quem percebeu a necessidade de resguardar suas operações atravessou essa fase com menos perdas. “Eu sempre preguei e continuo pregando a importância do seguro como uma forma de resguardar o fruto do trabalho, que é o patrimônio. O seguro é algo que você paga para se prevenir daquilo que não pode ser previsto”, comenta Zé.
Qualificando cada vez mais sua equipe e usando a habilidade de promover negócios, no ano de 2006 a Amazônia Seguros é eleita como campeã nacional pelo Itaú Seguros como a corretora que mais fez apólices de seguro de vida no Brasil. A empresa engata uma sequência de 17 anos recebendo o troféu Mérito Lojista, o Óscar do Varejo local, conferido pela CDL Sinop. A Amazônia já ganhou o prêmio American Quality de empresas brasileiras do ano e por 5 vezes recebeu o título “Maiores e Melhores” do ano em sua categoria. Também faturou por sete anos consecutivos (de 2016 a 2022) o certificado de qualidade profissional da Ângulo Pesquisa – ao mesmo tempo em que Zé Carlos era eleito como o “Corretor de Seguros Mais Lembrado”. “No ano de 2016, depois de 26 anos de trabalho, foi quando senti que a empresa que abri quando larguei o cargo de gerente de banco, enfim, estava consolidada. Quando olhei para o elenco que trabalha comigo, para nossa estrutura, para a carteira de clientes e as realizações que ajudamos todos a construir, tive a certeza que nossa história não se perderia”, reflete Zé.
O trabalho da Amazônia Seguros e de outras empresas do setor mudou as estatísticas de Sinop. De 100% das pessoas que podem contratar um seguro no país, 23% fazem. Na região de Sinop, essa cota é de 30%. Em 2024, a Amazônia Seguros conta com mais de 25 mil clientes, ajudando a preservar um patrimônio na casa dos bilhões de reais. A empresa também é sócia da GC do Brasil S/A, um grupo que reúne 67 corretoras de seguro associadas, que, no ano de 2023, alcançou uma marca superior a R$ 1 bilhão em prêmio de seguros emitidos.
No pessoal, Zé Carlos foi homenageado com o Título de Cidadão Sinopense Honorário (2011), Cidadão Mato-grossense (2012), além de receber a Comenda Ênio Pipino (2019) por seu compromisso com a sociedade – a mais alta honraria dada para uma pessoa no município de Sinop.
Trazendo a família para perto
Quando sentiu que estava com os pés bem fincados em Sinop, José Carlos tratou de trazer sua família para perto. Como bom sinopense, que sai convencendo mais gente a se mudar para a cidade, ele conseguiu atrair os seus para o Norte de Mato Grosso no ano de 1992.
Além do pai e da mãe, também vieram para Sinop os irmãos Angela, Maria, Sérgio, Paulo e Rogério. Até aqueles que já estavam casados, vieram com seus cônjuges.
Manoel, pai de Zé Carlos, morreu no dia 10 de abril de 2022, aos 92 anos de idade. Sua mãe, Adélia, está com 82 anos e continua ativa. Ela é uma espécie de “gerente de operações” do trabalho social que Zé Carlos faz de forma silenciosa. Todos os meses, o empresário promove a entrega de várias cestas básicas para famílias em situação de vulnerabilidade social – algo que já faz há 25 anos. Adélia é quem confere as promoções, faz as compras dos produtos e coordena a distribuição. Também se destacam ações sociais de sustentabilidade, preservação do meio ambiente, desenvolvidos há mais de 30 anos – como pessoa física e jurídica. “Participamos das ações de preservação do Rio Teles Pires, além do apoio a programas de plantio de mudas em diferentes regiões da cidade”. Da mesma forma que mantém seus trabalhos voluntários, atendendo também outras entidades, Zé Carlos permanece ativo na política, mesmo não disputando uma eleição há 24 anos.
No começo da pandemia, Zé estava em uma viagem para a Europa quando teve um estalo. Ele viu a situação que foi imposta à humanidade e previu um estado de vulnerabilidade psicológica que acometeria grande parte das pessoas. Começou a se preparar para lidar com isso. Iniciou uma maratona de cursos para o desenvolvimento de pessoas e se graduou no IBC (Instituto Brasileiro de Coach). A projeção é de que se torne MBA em Coach pela instituição em novembro de 2024. “Quando eu busco mais cultura e mais conhecimento, eu me preparo melhor, me curo e, automaticamente, fico mais empodero. Essa é a mensagem que quero transmitir. Estou me preparando para, a partir de 2025, ser um palestrante, para ajudar as pessoas a desenvolverem o seu melhor. Acredito que seja o próximo passo do meu trabalho vocacional”, afirma Zé.
“A vida é construída de vitórias, empates e derrotas. Com isso, você descobre e aprende como enfrentar o cotidiano. Os vencedores têm sempre consigo trabalho duro, fé, ousadia, vivem com a realidade e suas circunstâncias”, reflete.
O herdeiro da bola
O futebol garantiu o banco para Zé, mas não para seu filho. João Gabriel entrou no esporte para ser titular. Em 2007, com 7 anos de idade, ingressou na escolinha da AABB Sinop, onde foi demonstrando habilidade e interesse. No ano de 2012, João passou em uma peneira na escolinha do Brusque (SC). Começou a jogar como volante.
A mãe, Giselle, se mudou para a cidade catarinense a fim de acompanhar a carreira do filho. Mas no começo de 2016, ela vem a falecer. “Eu fui para Brusque nessa época para acompanha-lo, junto com a avó dele, D. Gertrudes Navarro”, revela Zé.
O empresário, então, leva o filho para fazer um teste no Londrina (PR), onde é contratado. João joga por um ano e depois volta para Sinop em 2017. Marcos Birigui, treinador do Sinop FC na época, viu João treinando e o chamou para integrar a equipe. Com 16 anos de idade, o meio-campista foi o jogador mais jovem daquela edição do Campeonato Mato-grossense, e o time de Sinop foi vice-campeão estadual.
Em 2018, João é contratado pelo Guarani FC, de Campinas (SP). No ano seguinte, vai para o rival do Bugre, a Associação Atlética Ponte Preta (categoria Sub-23). Em 2020, o Corinthians recruta o jovem, mas sua passagem é curta em razão da pandemia. No ano de 2021, ele ingressa no Acadêmica de Coimbra, um clube de Portugal. Retorna à Ponte Preta para as temporadas 2022 e 2023, agora como profissional.
Em 2024, com 23 anos de idade, João faz parte do elenco do Louletano de Algarve, da cidade de Loulé, outro clube de Portugal.
“O sucesso é um caminho. Siga sempre em frente, não pare”, encerra José Carlos Ramalho.
1979
Família Kreibich
FÉ, CORAGEM E DNA EMPREENDEDOR
A trajetória de um casal de colonos que muda seu destino em Sinop e dá origem a uma linhagem de empresários
Venâncio Aires, um pequeno lugarejo no interior do Rio Grande do Sul, por anos considerado o maior produtor de fumo do Brasil. Foi nesse lugar que nasceu, no ano de 1944, Arcélio Kreibich. O cultivo das folhas de tabaco era o principal sustento da família que, além dele, ainda era composta por dois irmãos e uma irmã.
A terra natal era amada, mas o relevo não era gentil. Em busca de condições mais favoráveis, os pais de Arcélio arriscaram uma migração, no ano de 1954. Corretores da Colonizadora Maripá percorriam o interior gaúcho apresentando seu projeto de ocupação. A família Kreibich e outros colonos da região embarcaram para a jornada rumo à recém-fundada Toledo, no Oeste do Paraná.
Na terra nova, depois de abrir o mato na base do machado, tentaram replicar a velha cultura. O fumo produzia, mas não tinha mercado. A família então começou a criar porcos e diversificar a produção, mantendo uma agricultura de subsistência na base do arado e da enxada.
Aos 19 anos de idade, Arcélio foi convocado para o serviço militar, no quartel em Foz do Iguaçu, fronteira com o Paraguai. Embora tenha crescido no campo, ele chegou com uma habilidade que lhe abriu espaço na caserna. Arcélio aprendeu música em casa, e a habilidade com o trombone o fez tocar na banda do Exército.
Após cumprir o período obrigatório, voltou para casa. Exercitava cada vez mais sua habilidade com música, até que, em um dia desses, encontrou a contraparte da sua melodia. Ela se chamava Lourinha Maria Anschau, uma jovem descendente de alemães, que vinha de uma família de músicos. Compartilhavam muitas coisas em comum, inclusive uma forte religiosidade.
Eles namoraram por 4 anos, o que exigia bastante disposição. Da casa dos Kreibich até a casa do futuro sogro, Arcélio percorria cerca de 15 quilômetros para ver sua amada. Quando já estavam com casamento marcado, um incêndio no chiqueiro da família os obrigou a adiar a união. Além de destruir toda a estrutura, o fogo também consumiu 13 porcos prontos para o abate. Foi um grande prejuízo financeiro, e Arcélio preferiu ajudar a família a reconstruir tudo, protelando assim o matrimônio.
Em 1968, o jovem casal, enfim, se uniu. Arcélio tinha 24 anos. Para começar sua casa, ganhou 15 hectares de terra do pai e dois porcos. “A vida era simples, mas erámos felizes”, conta. Lourinha fica grávida, e em 1970 o casal teria seu primeiro filho, Marcelo Kreibich. A mãe de Arcélio era parteira, mas não conseguiu realizar o procedimento. Complicações no parto fizeram os dois procurarem um hospital. O parto teve que ser cesariano. Com um quadro grave de hemorragia, Lourinha precisou de uma transfusão e foi Arcélio quem doou o sangue. “A cesariana custou o valor que ganhei com os primeiros 15 porcos que vendemos. Mas acho que valeu o investimento”, brincou Arcélio durante a entrevista, que foi concedida em uma roda de conversa junto com os filhos.
O motivo de o fato ser tratado como uma provocação ‘engraçada’ é porque os três filhos do casal precisaram de parto cesariana. “E lá se iam os porcos”, comentam os filhos, em tom de piada. Márcio Kreibich nasceu em 1974, e o caçula, Marciano Kreibich, três anos depois, em 1977.
Agora, com esposa, três filhos e mais de 30 anos de idade, Arcélio começava a olhar para os lados e para frente. Precisava encontrar uma forma de sustentar essa família e, quem sabe, conseguir deixar um legado melhor do que aquele que recebeu.
Em 1976, o sogro veio para Sinop. No recém-aberto Norte do Mato Grosso, o patriarca Anschau buscava uma forma de comprar um pouco de terra para seus filhos. Ele conseguiu dar a cada um dos seus herdeiros 72 hectares – um pouco menor do que o módulo que o Incra utiliza nos projetos de assentamento para agricultura familiar.
Arcélio vende as poucas posses em Toledo, embarca a mudança e, em outubro de 1979, vem para Sinop. Ao chegar, viu um grande lote, próximo de onde hoje fica o cemitério da cidade, coberto por uma viçosa plantação de café. A Colonizadora Sinop, que fundou a cidade, nasceu no Paraná e, em função disso, boa parte das primeiras famílias que chegaram em Sinop também vieram do estado. Como o café é uma das culturas promissoras no Paraná, muitos também apostaram na produção do grão quando se estabeleceram no Norte de MT.
Mas para Arcélio, café só na xícara. Não que ele não quisesse produzir o grão. Seu problema era tempo. Com esposa e filhos pequenos, ele não podia plantar o café e esperar 3 anos para colher a primeira saca. “Um cunhado trabalhava com uma plaina, beneficiando madeira. Ele me falou para comprar uma plaina e fazer forro, porque era algo que estava faltando na cidade. Tinha muita casa sendo construída na época”, conta o pioneiro.
Arcélio nunca tinha feito forro ou trabalhado com beneficiamento de madeira. Na verdade, ele nunca tinha visto uma plaina. Foi tudo na base do “peito e da coragem”. Correu atrás do equipamento e também de um lugar onde funcionaria sua indústria. Comprou um lote na Avenida dos Tarumãs, bem pertinho da BR-163. Hoje, a Avenida dos Tarumãs é uma das mais movimentadas da cidade, com vários comércios, mas na época era mato. Mato mesmo! Arcélio teve que contratar um trator de esteira para derrubar a vegetação e então construir o galpão onde iria funcionar o Beneficiamento de Madeiras Santo Antônio – nome escolhido em função do santo protetor de Arcélio. “Eu fazia tudo. Comprava a madeira, buscava, descarregava, trabalhava na plaina, vendia. Não tinha energia elétrica na época. A máquina era movida por um motor estacionário, com dois pistões”, lembra Arcélio.
A casa da família, que era de madeira, ficava no mesmo lote do beneficiamento. Arcélio, Lourinha e seus 3 filhos dormiam, oravam e comiam. Não muito. No Paraná, a família conseguia cultivar muitos alimentos. A mesa sempre estava cheia de frutas, hortaliças, leite, ovos e a carne dos animais que criavam. Em Sinop, sentiram a pancada comum à primeira geração que deixa o campo para ir à cidade. “Minha esposa chorava muito, preocupada com o que dar para as crianças”, conta Arcélio.
Não é que faltava comida na casa dos Kreibich. Faltava comida na cidade. Na época era muito difícil encontrar frutas e verduras. Ovo caipira e leite eram um luxo. Sinop era uma cidade recém-formada, longe de tudo, com uma agricultura ainda na fase da experiência e que ao mesmo tempo crescia rapidamente, com mais pessoas chegando todos os dias. O desabastecimento fazia parte do cotidiano local. “Um dia, andando pelo interior de camionete, conheci a família Simon, que tinha um sítio. Eles começaram a entregar leite para nós e a situação deu uma melhorada”, lembra.
Nessas andanças pela cidade, um dia Arcélio ouviu no autofalante da cidade um programa do Governo oferecendo um financiamento para que as pessoas plantassem em Sinop. O dinheiro poderia ser devolvido em 12 anos. Ele foi atrás. Chegou a acertar o empréstimo, mas na hora final, deu pra trás. Arcélio desistiu do financiamento porque, nessas suas andanças pelo interior, percebeu que a terra não produzia bem. Não era negócio plantar com a tecnologia/conhecimento, que se tinha na época. Em verdade, a decisão de Arcélio foi um “livramento”. Muitos dos primeiros colonos que contraíram aquele financiamento acabaram quebrando.
Arcélio insistiu com a fábrica de forro. “Demorou 5 anos para aprender completamente o negócio”, comenta. Como não tinha dinheiro para comprar madeira, as primeiras produções foram feitas com aproveitamento – que são restos da produção madeireira, com pedações que geralmente ficam fora das medidas comerciais. A madeira sempre chegava na fábrica com a camionete da família, que também servia para ir à igreja, ao mercado, passear e pescar. Era o único veículo. Mas, depois de pegar o jeito no negócio, um dia a carga chegou de caminhão truck. “Me senti grande nesse dia. Senti que estava dando certo”, conta Arcélio.
A família toda trabalhava de forma comprometida com a empresa. Lourinha intercalava o serviço de casa e o cuidado dos filhos com o beneficiamento. Marcelo, Márcio e Marciano também trabalhavam na produção. Todos aprenderam a dirigir cedo, com 13 ou 14 anos, para ajudar nas entregas.
Arcélio conta que no começo de Sinop, a vida era muito difícil. Atoleiros na época da chuva. Pó e fumaça na época da seca. Em 1982, ele caiu de cima do barracão da fábrica quando fazia um reparo. Precisou ser levado para o hospital, que ficava na mesma avenida do seu comércio, a umas 6 quadras. Mas a caminhonete simplesmente não passava na avenida, que estava bloqueada com caminhões atolados. Amigos precisaram levar ele no braço, usando uma cadeira.
A solidariedade era mais viva nesses primeiros anos da cidade. Bastante religiosos, os Kreibich exercitaram a cooperação com o próximo através da igreja. “O padre João Salarini era um trabalhador e um dia me pediu para que eu também trabalhasse para a igreja”, lembra Arcélio.
No começo ele cuidava da copa nas festas da comunidade. A família começou a se engajar cada vez mais. O casal participava do grupo de canto da igreja, ajudando na criação do grupo de jovens da comunidade e organizando encontros e atividades como “casal de apoio”. Anos depois, foram convidados como casal regional da Região Centro-Oeste, que abrange o Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. “Nós éramos um casal da Região Oeste II e implantamos o Encontro de Casais com Cristo (ECC) no estado de Mato Grosso, dirigindo o Congresso Regional em Cuiabá, em 2004”, conta.
A atividade vocacional com o grupo de casais católicos foi até o ano de 2004. “Em dezembro de 2006, quando Lourinha completou 60 anos, eu disse para ela que poderíamos começar a acompanhar o grupo de idosos da paróquia. E ela me disse que eu iria trabalhar menos e nós iriamos viajar mais”, lembra Arcélio emocionado.
Um mês depois de Lourinha completar seus 60 anos, eles foram viajar. No carro estavam além do casal, o filho Marciano. Em um trecho em Barra do Garças, chegando em Goiás, sofreram um acidente grave. Arcélio foi resgatado e levado para o hospital. Enquanto era socorrido, viu sua esposa e sua nora Acassia rezando o terço, presas às ferragens. Quando estava no hospital recebeu a notícia. Sua fiel companheira com quem passou mais de 47 anos e seu filho caçula estavam mortos. “Não consigo expressar a dor que senti. Só consegui me apegar a Deus e esperar”, relembra.
Quando saiu do hospital e voltou para casa, a solidão era uma inconveniente companhia. Os filhos já estavam casados, em seus lares. A mulher com quem compartilhou dois terços da sua vida já não mais estava lá. A idade também não colaborava. Cada vez era mais difícil trabalhar, nem que fosse para ocupar a cabeça.
Arcélio buscou conforto no lugar que sempre teve. Voltou a trabalhar nas pastorais da igreja. Mas já no primeiro encontro, quebrou a perna. “Meus filhos estavam preocupados comigo, por eu ficar sozinho. O Marcelo disse que ia pagar um enfermeiro para me cuidar porque eu precisava, e eles não conseguiam estar perto o tempo todo por causa do trabalho e das suas famílias, também. Aquela fala, que eu sei que era para meu bem, pesou em mim”, recorda.
Um dia, enquanto cantava no grupo da catedral, Arcélio prestou atenção nos olhos e na voz de uma pessoa como nunca havia feito antes. Essa pessoa era Cecília Wehner, que também havia perdido seu companheiro e estava viúva. Sua fé iluminou um novo arranjo para sua melodia. Eles conversaram, se gostaram e decidiram dar as mãos para continuar a jornada. Em 2013, se casaram e juntos continuam, ativos trabalhando nas pastorais da igreja.
Arcélio continuou trabalhando com o Beneficiamento Santo Antônio por mais 5 anos. Em 2018, quando estava com 74 anos, decidiu encerrar esse ciclo. No auge, a indústria chegou a beneficiar 200 metros cúbicos de madeira por mês, empregando 15 funcionários. Quando decidiu se aposentar, vendeu o negócio para dois funcionários antigos da empresa – um que trabalhava no local há 16 anos e o outro com 12 anos de serviço, encerrando suas atividades depois de 38 anos de trabalho.
O Beneficiamento de Madeiras Santo Antônio continua ativo, funcionando no mesmo lugar onde foi fundado.
O legado de Arcélio
Quando ousou vir para Sinop com 3 filhos pequenos, o seu grande objetivo era prosperar, para que um dia conseguisse, pelo menos, dar uma casa para que cada um deles começasse sua vida sem precisar pagar aluguel. Após anos de trabalho duro, Arcélio já estava, como ele disse “financeiramente mais forte” e, portanto, conseguiria dar uma casa para seus filhos, à medida que eles iam se emancipando. Mas nenhum deles quis.
Quando Arcélio falou que daria uma casa para Marcelo, o filho mais velho perguntou se não poderia trocar o presente pela serraria que o pai havia comprado, uma pica-pau pequena no setor Industrial Norte.
O DNA empreendedor do Arcélio e Lourinha não havia sido passado apenas para seu primogênito. Tampouco a coragem e a fé. Quando chegou a vez de Márcio, ele pediu um lavador de carros ao invés da casa. E Marciano preferiu uma fábrica de portas maciças. “A Lourinha chegou a perguntar: ‘já que eles querem ter um negócio, por que não associar eles [ao beneficiamento Santo Antônio]?’. Bom, meu pai me deu um pedaço de terra e eu pude trabalhar, do meu jeito, ganhar a vida com o meu esforço. Isso me deu alegria e felicidade. Eu quis transmitir o mesmo presente para meus filhos. Permitir que eles façam a sua jornada, da sua forma, para que se sintam donos das suas conquistas”, ensinou Arcélio.
A história mostrou que há uma sabedoria nessa filosofia de vida de Arcélio. Seus filhos deram continuidade ao seu legado, prosperando ainda mais.
Quando chegou em Sinop, Marcelo, o filho mais velho do casal, tinha 9 anos de idade. Da vida no Paraná, lembra-se do frio que passava ao cruzar um riacho que ficava no trajeto de 3 quilômetros entre a sua casa e a escola. Da infância simples na juvenil Sinop recorda dos doces um tanto exóticos, como a marmelada que era vendida na Cobal (Companhia Brasileira de Alimentos), e um picolé de ovo, que ele jura que existia. “A gente fazia o buraco para jogar burca [bolinha de gude] e ele se enchia de água, de tão úmido que era o solo”, rememora.
Aos 13 anos, já dirigia a camionete. Levava a serragem para fora da fábrica e fazia entregas. Seu sonho era servir o Exército e construir uma carreira militar. Ou então, estudar fora, em outra cidade, porque Sinop só tinha até o ensino médio. “Minha mãe sempre dizia ‘não’. Tinha medo de que eu morasse em outra cidade. Eu falava e ela dizia ‘não’. Até que um dia ela disse ‘vai’. Aí eu não fui!”, conta Marcelo.
O que fez o jovem desistir foi uma reflexão prática. “Eu pensei: ‘vou estudar 4 anos pra daí começar a trabalhar como funcionário e juntar dinheiro para começar um negócio’. Parecia tempo demais”, comentou. Marcelo queria um atalho.
Ele sempre trabalhou no beneficiamento. Às vezes se desligava e ia para outro emprego, como quando trabalhou em uma loja de autopeças. Mas, depois da experiência fora, voltava para o beneficiamento. Marcelo queria ampliar os negócios, mas o pai tinha uma postura mais conservadora, evitando riscos. Foi numa dessas que ele assumiu a pica-pau e fez a proposta para o pai, em troca da casa.
O que Marcelo recebeu foram 10 metros cúbicos de tora, uma Brasília e o terreno. Começou vendendo a Brasília para comprar mais tora. Focado no negócio, a serraria começou a render. Em uma noite, saiu para comprar um cachorro-quente, desses que se vende naquelas carrocinhas que ficam nas esquinas. Assuntando com o vendedor, pediu se o negócio estava indo bem. No dia seguinte, comprou 3 carrocinhas de cachorro-quente.
Por 8 meses ele fez essa jornada dupla. De dia madeireira, à noite o cachorro-quente. Beirou a exaustão e percebeu que precisaria focar em uma coisa. “Eu queria vender a madeireira, porque o cachorro-quente era mais lucrativo”, comenta.
Mas acabou vendendo mesmo os carrinhos de lanche. Com o dinheiro comprou um despachante. Ficou no negócio por 2 anos e vendeu novamente. Então ampliou sua madeireira para serraria e beneficiamento de madeira.
Quando ainda tinha 17 anos, Marcelo conheceu Acássia Maria Jesus, com quem namorou e se casou 5 anos depois. Na nova empresa, ela passou a participar continuamente do negócio. “Trabalhamos juntos até hoje, na mesma sala”, revela Marcelo, frisando a importância da sua companheira na construção dos negócios.
Marcelo se consolidou no ramo madeireiro, buscando fazer o que ninguém fazia. No comando da Trimark Madeiras, passou a exportar boa parte da sua produção. Os negócios cresceram demais a ponto de possuir simultaneamente 7 empresas. “Conheci todo o Norte de Mato Grosso. Montei estruturas de compra em várias cidades. Nosso negócio havia se tornado gigante”, pontua Marcelo.
Então veio a crise do setor madeireiro, em 2005, desencadeada pela Operação Curupira, deflagrada pela Polícia Federal, Ibama e Ministério Público. O setor de base florestal de Sinop foi assolado pela ação. Mais de 300 madeireiras foram fechadas. Dos empresários que não foram alvos da operação, cerca de 20% se evadiram de Sinop, mudando a residência de estado. “Meus filhos pequenos estavam na escola, ouvindo que o que o pai fazia era errado. Eu, vivendo com medo de prisão. Pensei muito em desistir e mudar de setor”, lembra Marcelo.
Quando a Curupira estourou, Fernanda, que nasceu em 10 de maio de 1996, filha mais velha de Marcelo, tinha 9 anos, e o caçula Guilherme, que nasceu em 27 de outubro de 2000, tinha 5. Ao sentir que seus filhos e os filhos dos outros madeireiros não estavam sendo devidamente informados sobre a atividade que seus pais realizavam, Marcelo iniciou uma jornada, junto ao Sindusmad (Sindicato da Indústria Madeireira), como diretor e vice-presidente, que culminou em uma série de ações voltadas a descriminalizar a imagem do setor de base florestal e rebater o rótulo imposto de “desmatadores da Amazônia”.
A crise assentou e um novo setor renasceu. A Trimark superou o período e continuou exportando forte, até 2008. Quando veio a crise financeira mundial, provocada pela Bolha Imobiliária Americana, o negócio voltou a sangrar. “Depois da Curupira e da crise internacional, vi que precisava encontrar novos setores para investir”, analisou Marcelo, que já começava a desmontar suas indústrias.
Em 2010, quando ainda tinha 3 serrarias, ele ingressa no ramo da hotelaria. Afinou o projeto junto com dois sócios, que acabaram desistindo. No final, o pai, Arcélio, ofereceu-se para ser sócio de Marcelo. O que eles construíram foi o primeiro Ibis Hotel do Mato Grosso, inaugurado no ano de 2015.
Aos poucos Marcelo foi vendendo seus negócios na madeira e focando cada vez mais em outros ramos. Sua última madeireira, montada em Nova Bandeirante, foi vendida em 2023, da mesma forma que seu pai fez quando encerrou sua jornada no Beneficiamento Santo Antônio: repassando para um funcionário e para um sócio. “O importante é enfrentar o desafio e não parar. Meu pai me ensinou isso. Por mais que eu seja apaixonado pela atividade madeireira, porque tudo na nossa vida veio dela, o ramo hoteleiro foi uma boa escolha”, avalia Marcelo.
O Hotel Ibis de Sinop está entre os melhores da rede nos seus quesitos. Teve coragem de largar um ramo para se aventurar em um novo, assim como fez seu pai.
Marcelo também conseguiu herdar a fé e a música. Na juventude, foi por três vezes campeão estadual tocando um ‘cornetão’ pela fanfarra de Sinop. Na comunidade católica, presidiu o grupo de jovens e conduziu por três anos a equipe de construção, e por mais três anos a diretoria do Conselho Administrativo da Catedral Sagrado Coração de Jesus (CAEP). A promoção “Chave da Catedral”, para arrecadar fundos, foi criada em sua gestão. Até hoje ele, sua esposa e filhos participam da comunidade católica de forma ativa.
Seja por laço sanguíneo ou por ensinamento, Marcelo acabou herdando a fé, a coragem e a veia empreendedora, do seus pais. E ele não foi o único.
Quando a família de Arcelio chegou em Sinop, Márcio Kreibich tinha apenas 5 anos de idade. Ele queria estudar, mas acabou não indo. Só falava em alemão, o que dificultou sua adaptação. Um ano depois, começou a estudar na Escola Nilza de Oliveira Pipino.
Crescendo dentro do Beneficiamento, logo começou a trabalhar e aprendeu a dirigir cedo. “Lembro da primeira venda que eu fiz sozinho. Foi muito satisfatório. Acho que por isso trabalho com varejo até hoje”, comenta Márcio.
Vendo o negócio que seu pai havia feito com o irmão, Márcio repetiu a proposta. Com 19 anos, ele já tocava o lavador Senna, montado no terreno que o pai deu.
Quando tinha 21 anos, no dia 9 de fevereiro de 1996, se casou com Valéria, sua namorada desde os 16. Márcio a conheceu no grupo de jovens da Igreja. Valéria tinha uma jornada similar à sua. Em 1987, quando tinha 11 anos de idade, sua família se mudou para Sinop. Quando casaram, ela trabalhava em um escritório de contabilidade.
O lavador e a casa do casal ficavam no mesmo terreno. O negócio prosperou, mas isso não significava que Márcio estava satisfeito. “Cheguei no meu limite, lavava mais de 20 carros por dia, mesmo assim queria mais”.
“Um dia a Valeria chegou até mim e falou que precisávamos fazer algo a mais para ganhar dinheiro: ‘quero trabalhar no escritório e vender joias, ganhar comissão, o que você acha?’. Achei uma ótima ideia, aumentamos nosso faturamento vendendo joias nas horas vagas, era o ano de 1998. Esse caminho não tinha mais volta. Logo compramos nosso próprio pano de joias e depois de algum tempo pedi para a Valeria sair do escritório só para vender joias. E quando vi nós dois estávamos juntos em nosso próprio negócio”.
A bicicletinha que Valéria usava para vender logo foi aposentada e trocada por uma moto. E, logo depois, o primeiro carro da frota: a icônica Saveiro Summer Verde. “Era a única da cidade na época. Onde a gente chegava, as pessoas já sabiam que era ‘a mulher das joias’”, relembra Valéria. De Saveiro, o casal começava a atender as cidades vizinhas. O “extra” tinha virado principal.
“No dia 20 de março de 2002, inauguramos a loja física da Ferrero Joias, na Avenida Governador Julio Campos, em um espaço de 48 metros quadrados. O nome foi inspirado em um livro que ganhamos em uma de nossas viagens para abertura da loja. Esse livro continha as melhores e mais conceituadas joalherias do mundo”.
O casal teve sucesso como ambulantes-vendedores de joias porque se preocupavam com a qualidade e a diferenciação das peças que levavam aos seus clientes. “Com a loja física, esses padrões tomaram proporções maiores, mais abrangentes”, grifa Márcio.
No segundo ano da Ferrero Joias (2003), a empresa promoveu um desfile com peças de valor altamente agregado. No ano seguinte, a joalheria apresentou uma bolsa de ouro que foi capa da revista Caras.
Entre 2003 e 2006, Márcio fez o curso técnico em ótica, já visando um novo segmento. O casal foi o primeiro de Sinop a participar de feiras de joias em São Paulo, tendo contato com as grandes lojas e atacadistas do Brasil.
Em 2006, em uma caminhada entre o Bradesco e a sua loja, viu uma placa de aluga-se. O imóvel em questão é onde funciona a Ferrero Joias hoje. Márcio alugou a sala, ampliando sua loja em 3 vezes. Nesse mesmo ano, em 31 de julho, nascia a primeira filha do casal, Maria Eduarda. Três anos depois, em 17 de dezembro 2009, veio Maria Fernanda.
O atual prédio passou por três expansões, a mais recente em 2018. Modificações foram feitas para atender as demandas de crescimento da loja. “Montamos a nossa loja dos sonhos. É a maior joalheria de Mato Grosso em espaço físico”, comenta Márcio.
Hoje, a Ferrero é revendedora de marcas e grifes mundialmente famosas, algumas delas com distribuição exclusiva em Sinop. O negócio que Márcio construiu opera em um setor marcado pelo luxo, elegância e riqueza. E ele parece estar bem satisfeito em viver nesse ramo. “Eu aprendi a trabalhar na madeireira, mas não me identificava. Sempre gostei de gente, de conhecer pessoas diferentes, e nisso o comércio é rico”, aponta.
No elegante mundo das joias, Márcio achou seu ouro. Outras duas lojas foram abertas pelo casal empreendedor, com a marca Óticas Mato Grosso.
Márcio também se tornou ativo na comunidade. A fé e o vínculo com a comunidade católica também foram absorvidos por ele: participou do grupo de jovens Jucris, da Paróquia Santo Antônio de Sinop, lugar esse em que conheceu sua esposa. Foram coordenadores da Pastoral do Batismo por vários anos, organizaram e trabalharam em vários encontros, como o ECC e acampamentos de oração. Além disso, integrou a comissão da construção da catedral e a primeira diretoria da Paroquia Catedral Sagrado Coração de Jesus (CAEP).
Em 2016, foi eleito vice-presidente da CDL e assumiu a presidência de 2017 a 2019, quando iniciou a transformação de uma nova entidade para Sinop, com reformas e estruturações, tanto físicas como de gestão, além do trabalho para fortalecer o comércio local. Iniciou a elaboração da Unesin (União das Entidades de Sinop), juntamente com outros presidentes de entidades.
Marcio integrou o grupo que fundou o Sicoob Norte MT em 2015, desde a sua elaboração, quando na oportunidade estava na equipe formada por 3 membros em entrevista oficial no Banco Central do Brasil.
Também em 2016, a convite do Bispo Dom Canisio, tornou-se membro do conselho econômico da Diocese Sagrado Coração de Jesus. Atualmente, também atua como diretor da Unesin. Desde 2021, é membro do conselho curador do Hospital Santo Antônio, uma unidade filantrópica montada a partir da Igreja Católica.
“Tenho muito orgulho da minha história e de ser filho de Arcélio e Lourinha Kreibich, e espero passar a força e a coragem que recebi dos meus pais para as futuras gerações. Nos orgulhamos muito em pertencer à cidade de Sinop”.
1979
5ª ano de fundação e emancipação político-administrativa
EMANCIPAÇÃO E AS OBRAS
-
O ano de 1979, se constitui num dos mais importantes marcos históricos de Sinop. Cinco anos após a fundação, a cidade conseguiu a sua autonomia política através da Lei Estadual nº 4.156/79, assinada pelo governador Frederico Campos, que criou o Município de Sinop, do qual passaram a fazer parte, além da sede as cidades de Vera, Santa Carmem, Cláudia e Marcelândia
-
Na época a área que passou a fazer parte do novo Município totalizava 48.678 km², que correspondia a quase metade do estado de Santa Catarina
-
Atualmente, o Município de Sinop conta com uma área total de 3.942 km²
-
Nesse ano, além do 5º ano de fundação da cidade, Sinop celebra ainda mais dois fatos marcantes: marcaram a instalação da agência do Banco do Brasil e o início de construção do Hospital Dois Pinheiros