Linha do Tempo, Sinop 50 anos
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NAVEGAR ENTRE OS ANOS
1970
Colonizadora Sinop
1971
Projeto original da cidade
1972
Abertura da cidade
1973
Construção do escritório da Colonizadora Sinop
1974
Fundação de Sinop
1975
Visita do ministro da Agricultura Alysson Paolinelli
1976
Os primeiros contornos de Sinop
1977
Primeira escola e primeiras colheitas
1978
Comemorações do 4º ano de fundação de Sinop
1979
5ª ano de fundação e emancipação político-administrativa
1980
Visita do presidente João Batista Figueiredo a Sinop
1981
Osvaldo Paula - 1º Administrador Municipal de Sinop.
1982
Dom Henrique Froelich, 1º Bispo de Sinop
1983
Geraldino Dal Maso, 1º prefeito eleito de Sinop
1984
Segunda visita do presidente João Figueiredo
1985
Instalação da Comarca de Sinop
1986
12º aniversário de fundação de Sinop
1987
Construção do Ginásio Benedito Santiago
1988
Figueiredo homenageado e eleições municipais
1989
Asfalto na Avenida Júlio Campos
1990
Sinop FC é campeão mato-grossense de futebol!
1991
Praça Plínio Callegaro
1992
Primeiro prédio da UFMT em Sinop
1993
Antônio Contini assume como prefeito de Sinop
1994
Construção do Estádio Gigante do Norte
1995
Área da Catedral Sagrado Coração de Jesus
1996
Visita do presidente Fernando Henrique Cardoso
1997
Adenir Alves Barbosa é eleito prefeito pela segunda vez
1998
Instalação do Corpo de Bombeiros
1999
Construção do viaduto na entrada principal
2000
Miss Sinop, Miss Mato Grosso e Miss Brasil Josiane Kruliskoski
2001
Nilson Leitão é eleito prefeito
2002
Segunda visita oficial do presidente FHC
2003
XVII Noite Cultural de Sinop
2004
Museu Histórico de Sinop
2005
Nilson Leitão reeleito prefeito
2006
Campus da UFMT em fase de construção
2007
Inauguração Catedral Sagrado Coração de Jesus
2008
Centro de Eventos Dante de Oliveira
2009
Juarez Costa é eleito prefeito
2010
Memorial Rogério Ceni
2011
Raízes da História de Sinop
2012
Embrapa Agrossilvipastoril
2013
Juarez Costa reeleito prefeito
2014
Batalhão do Exército Brasileiro
2015
Reurbanização da Avenida dos Tarumãs
2016
Dom Canísio Klaus, 3º Bispo de Sinop
2017
Rosana Martinelli, primeira prefeita eleita
2018
Instalação da INPASA
2019
Usina Hidrelétrica Sinop
2020
Visita do presidente Jair Bolsonaro
2021
Roberto Dorner é eleito prefeito
2022
Marinha do Brasil
2023
Duplicação da Avenida Bruno Martini até o aeroporto
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1978
Família Berti
AS VOLTAS E REVIRAVOLTAS DE UM TORNO
“Seu Berti”. É assim que todos se reportam ao carismático senhor que transita pelos diferentes departamentos das lojas Tratormax. O tratamento esboça o respeito ao patriarca da família que fundou esse grupo. Mas também uma admiração por alguém que conseguiu construir muito começando com quase nada.
Florides Berti nasceu em março de 1941, em Novo Horizonte, interior de São Paulo. Ele era um entre 10 irmãos em uma família de agricultores, que tinha no cultivo do café a principal fonte de renda.
No começo da década de 1950, muitas famílias de colonos migraram para o Paraná em busca de terras mais férteis e amplas para o plantio de café. Os Berti venderam suas terras no interior paulista e migraram para Paranavaí, no Noroeste do estado. Começava aqui o instinto de por o “pé na estrada” para alcançar algo maior.
A infância de Florides foi no cabo da enxada. Ele frequentou a escola por apenas 2 anos e acabou deixando os estudos para ajudar na lavoura. O trabalho foi a sua educação, lição que o acompanha até hoje.
Por anos a vida de Florides foi acordar antes do raiar do dia e trabalhar de sol a sol, faça calor ou frio, tendo suas pernas e braços como seu motor para carpir, plantar e colher. O diesel só começa a fazer parte da sua jornada aos 24 anos, quando começa a trabalhar como caminhoneiro.
O ano era 1965, uma época de transformação no país, que acabava de ter seu governo tomado pelos Militares. Florides transportava a madeira beneficiada no Paraná para São Paulo. Foi nesse mesmo ano que em uma das suas folgas, em uma festa da comunidade, conheceu uma jovem do interior, que morava perto das terras do seu pai. Ela se chamava Dirce de Moura. Florides viu nela uma mescla de força e ternura, dona de um senso de humanidade e espiritualmente evoluída. Ele segurou na mão dessa mulher pela primeira vez e nunca mais largou.
Dirce perdeu o pai quando tinha 13 anos de idade. O vazio deixado pelo patriarca fez a jovem amadurecer de pressa. Dirce se dedicou a cuidar dos seus irmãos até que todos casassem e pudessem seguir seus caminhos. Só depois do último irmão sair de casa foi que ela se casou.
Isso aconteceu depois de 2 anos de namoro. Florides ainda passou mais um ano na casa dos pais após casar. Foi quando nasceu Marcos, o seu primeiro filho. Como caminhoneiro, Florides passava muito tempo longe de casa. Buscando uma condição de vida melhor, ele vendeu o caminhão e montou uma tornearia mecânica, na cidade de Alto Piquiri, há 190 km de Paranavaí. O negócio foi montado em parceria com o cunhado, que já trabalhava com isso e ensinou Florisvaldo o ofício, que o acompanharia por boa parte da sua vida. “Trabalhos juntos nessa tornearia por 6 anos. O negócio deu certo, cresceu e eu aprendi bem a mexer com o torno. Quando vi que já tinha condições de tocar separamos a sociedade e montei uma tornearia em Tupãssi”, conta seu Berti.
O torno novo ficava 85 km de distância da primeira empresa. Mais uma mudança para a família que agora já tinha mais dois membros: Cícero e Florides Junior, que nasceram em 1969 e 1971. A tornearia própria também prosperou, mas a pequena Tupãssi, hoje com pouco mais de 8 mil habitantes, não era exatamente um poço de oportunidades. “Eu queria dar aos meus filhos pelo menos um chão para pisarem, um teto sobre suas cabeças e a oportunidades deles fazerem uma faculdade”, lembra Berti.
No ano de 1978, o corretor Arlindo Roice percorria pelo interior do Paraná vendendo a terra prometida. Fazia apenas 4 anos que a cidade de Sinop, no Norte de Mato Grosso, havia sido fundada. Roice era um dos muitos “lançadores” da Colonizadora Sinop que buscavam moradores para formar essa jovem cidade. No mesmo ano, Berti veio conhecer a promessa no Mato Grosso. “Chegando na cidade, a BR-163 era puro fogo. As madeireiras só descascavam a tora e queimavam as cascas. Um pouco era serrado pra fazer as construções na cidade o resto ia bruta mesmo, para fora. Mas tinha muita madeira e muita gente serrando. Quando eu vi todas essas madeireiras, vi que havia uma oportunidade boa para que mexe com torno”, relembra Berti.
Então ele desmontou sua oficina no Paraná e trouxe para Mato Grosso, junto com a mudança da casa, esposa e filhos. Na época, Marcos tinha 10 anos, Cícero 9 anos e Junior 7. “Eu estava bem no Paraná, o torno pagava as contas e até tinha comprado uns terrenos na cidade. Mas eu sentia que em Sinop dava para crescer mais”, explica Berti. “Viemos em 5 dentro de um Fusca. Foram 3 dias de viagem só de Cuiabá até Sinop, dormindo nas paradas que tinha. Chegamos na cidade bem na véspera de Natal. Não tinha nada, tudo estava começando. Até um ano antes de a gente chegar, a Colonizadora dava um lote na avenida principal para quem fosse montar um negócio”, completa o filho Junior.
Se Tupãssi parecia pequena demais, imaginem que Sinop, na época que a família chegou, tinha apenas 4 mil habitantes. Berti conta que era sapo e pernilongo para todos os lados. Não havia rede de energia elétrica ou estradas pavimentadas. O pioneiro conta que na Avenida Júlio Campos, hoje a principal da cidade, as mulheres tiravam o calçado para andar, tamanha quantidade de barro.
Ele montou sua terceira tornearia, agora em Sinop. Trabalhava muito, durante o dia e não raras vezes também a noite. Deixava a oficina de madrugada para atender aos clientes. Sua tornearia servia basicamente para fazer peças para os maquinários usados pela indústria madeireira, que quebravam ou se desgastavam pelo uso. O torno de Berti garantiu com que as máquinas da indústria madeireira não brecassem.
Vendo que o negócio da madeira era lucrativo, Berti tentou se aventurar na atividade. Tentou tocar uma madeireira, depois negociar tora e por fim com desmatamento. Quebrou financeiramente. Ouvindo sobre a febre do ouro em Peixoto do Azevedo, tentou trabalhar com trator de esteira no garimpo. “Fui quebrado para o garimpo e voltei do garimpo com 1,6 kg de ouro. Eu falei para minha esposa: toda vez que eu saio do torno eu quebro”, comenta.
Berti pegou o ouro e comprou um terreno, onde hoje funciona a Tuiuiú Diesel. Essa oficina pesada, bastante conhecida em Sinop, começou junto com a nova tornearia de Berti, dividindo o terreno. Os jovens empreendedores da Tuiuiú tocavam a mecânica, e a família Berti a tornearia, de forma que muitas vezes se complementavam. “Tivemos muitos momentos de aperto, de ficar sem dinheiro, de ir ao mercado e escolher o que ia comprar porque não dava para comprar tudo que era necessário. Eu sempre falava para minha esposa: 'a gente tem que rezar para ninguém ficar doente. Se gente tiver saúde, a gente se vira'”, lembra Berti. “Todos podemos ter altos e baixos financeiros, mas é importante sempre cuidar do nome [honestidade e caráter]. Com dinheiro e sem um nome, você não é nada. Com nome e sem dinheiro, você é muita coisa”, ensina o pioneiro.
O torno era a base segura de Berti. Ali voltou a ter sucesso financeiro e a crescer. Seus filhos iam crescendo e já começavam a trilhar seus próprios caminhos. Todos estudaram em escola pública (no Nilza de Oliveira Pipino), e a partir dela prestaram vestibulares em universidades públicas. Todos passaram, sagrando assim um dos desejos de seu Berti. Faltava o chão para pisar e o teto.
Marcos foi para Curitiba, onde fez o curso de Processamento de Dados. Imediatamente, foi recrutado para trabalhar no Grupo Trescinco, concessionária Volkswagen em Cuiabá. Foi a primeira e única empresa onde trabalhou como empregado. Cícero fez Administração, e Junior Engenharia Civil, ambos na UFMT em Cuiabá.
Berti já estava chegando na casa dos 60 anos de idade. O serviço em uma tornearia está longe de ser algo leve, ainda que ele fosse dono. Sua vontade era partir para uma nova atividade, mas o medo de sair de perto do torno e quebrar era grande.
Cícero, seu filho do meio, já trabalhava Copetral Implementos Agrícolas há 16 anos. Tinha experiência no ramo. Além dele, Leoci Righi, um colega com bastante tempo de loja, também estava disposto para sair e empreender. Era o conhecimento necessário para Berti largar o torno sem medo. Assim, entre 1999 e 2000, ele fechou a oficina e vendeu as ferramentas. No ano seguinte, abriu a Berti Peças, uma oficina multimarca de peças agrícolas que viria a ser conhecida como Tratormax.
A primeira venda da nova empresa foi feita no dia 1º de outubro de 2001, com o valor de R$ 123,00. O cliente número um foi Joaquim Righi, pai de Leoci, que integra a sociedade junto com Berti e Cícero. Na pequena loja com 20 prateleiras quase vazias, Cícero e Leo comandavam o financeiro e o administrativo, com Junior trabalhando no balcão. “O pai fazia as entregas com uma F-1000 e foi assim por anos. Ele viajou muito por toda a região entregando peças. Conforme a idade foi chegando, a gente quis que ele parasse com essas viagens. Foi difícil convencer o seu Berti a largar a caminhonete”, conta Junior, explicando que a famosa F-1000 foi aposentada da frota da Tratormax e agora está sendo restaurada, como um “xodó” da família.
Embalada por um setor madeireiro que vivia seu auge, a Tratormax cresceu bastante nos seus primeiros anos. Até o ano de 2005, quando a Operação Curupira praticamente desmontou o setor, mudando a ordem econômica de Sinop. Madeireiras fecharam, projetos de extração foram travados, a indústria do desmatamento ruiu e muita gente que operava nesse setor foi preso ou mudou de ramo com medo de ser. Clientes habituais da Tratormax quebraram e uma parte deles pagou as dívidas entregando seus maquinários. “O pátio da empresa virou um ferro-velho, de tanta máquina, a maioria quebrada. A inadimplência chegou a 70%. Nós sobrevivemos essa fase porque não tínhamos dívidas”, explica Junior.
A resposta para crise foi o suor. Nessa época, conta Junior, os sócios da Tratormax chegavam a trabalhar 10 horas por dia e faziam plantões nos finais de semana. No mesmo momento que o setor de base florestal caia, o agronegócio em Sinop e região se alvorava. Após 3 anos, a empresa conseguiu retomar a solidez no mercado. “Sinop é uma cidade muito próspera, com muita gente que acredita, investe e faz a diferença. Se organizar direito, a impressão é que a demanda não acaba nunca. Não só na nossa atividade, mas em tudo”, argumenta Junior.
Marcos continuava morando em Cuiabá, onde casou e constituiu família. Mas apesar disso, começava a ser cada vez mais presente nos negócios da família. Sua experiência com concessionárias de veículos fez com que a Tratormax vislumbrasse a possibilidade de uma nova empreita. No ano de 2011, Berti e seus filhos se aproximam da Stara, uma fabricante de máquinas e implementos agrícolas brasileira, fundada por imigrantes holandeses. As ideias e as filosofias da Tratormax casaram com as da Stara e no ano de 2012, abria a primeira loja dessa parceria na cidade de Sinop.
“A Stara não era uma marca tão forte na época. Então nosso trabalho ajudou a levantar a aceitação da marca. É claro que a Stara também evoluiu muito desde então, com maquinários cada vez melhores. Hoje, em quase toda fazenda que se vai tem uma máquina nossa lá”, comenta Berti, que se sente parte da marca Stara.
Atualmente, o grupo Tratormax tem 3 lojas em Sinop, além de unidades em Matupá, Juara e Alta Floresta, cidades que são novas fronteiras agrícolas do estado. A família Berti é a detentora da representação da marca Stara de Sinop até o Norte do Mato Grosso e também em Rondônia. Da “lojinha” com 20 prateleiras nasceu uma potência comercial que hoje emprega mais de 170 pessoas. “Acho que tudo deu muito certo pela forma como meu pai e a gente toca o negócio, valorizando as pessoas que trabalham conosco, os fornecedores e os clientes. Hoje a gente pode dizer que não é mais pelo dinheiro que continuamos com o negócio, mas pelas pessoas”, comenta Junior. “Eu conheço os funcionários um por um. Todos os dias estou nas lojas conversando com eles”, completa Berti, que costuma chamar a equipe da Tratormax de “meu povo”.
Contrariando sua própria superstição, o torneiro não quebrou quando saiu do torno. Pelo contrário, moldou um negócio de sucesso que atravessa gerações. Lucas, um dos netos de Berti, com 18 anos está trabalhando na loja da Stara. O sonho de dar aos seus herdeiros um chão para pisar, um teto para cobrir a cabeça e uma faculdade, foi completamente realizado, não como um presente apenas, mas como uma construção de toda família. “Tem hora que eu não acredito o que nós fizemos em apenas 20 anos”, admira-se Berti. “Eu já agradeci meu pai por ter escolhido vir para Sinop”, finaliza Junior.
“A gente só não pode ficar doente”
Tudo o que Berti construiu, as terras que desbravou, os negócios que abriu e fechou, as derrotas e as conquistas foram vividas com a sua esposa. Foram 55 anos de casamento e mais dois anos de namoro. A partir do dia que Berti segurou pela primeira vez a mão daquela jovem filha de agricultores do interior do Paraná, ele só soltou para se despedir.
Durante anos, o casal priorizou sua vida investindo nos filhos e no negócio. Moraram na mesma casa por muito tempo. A última coisa que fizeram juntos foi construir a sua morada dos sonhos. “Fizemos do jeito que ela quis, com tudo que ela queria”, conta Berti.
O mantra de que “a gente só não pode ficar doente”, que o casal dizia junto para lembrar que não importasse o quão difícil fosse a situação, sempre dava para se erguer, de repente ganhou outro sentido. Dirce acabou contraindo uma doença rara, silenciosa, muito difícil de ser diagnosticada. Ele teve amiloidose cardíaca – que é quando proteínas insolúveis se depositam nos músculos do coração. “No hospital, depois de um tempo internada, ela pediu para que eu comprasse um caderno grande, que quando ela voltasse para casa ela iria fazer um livro da nossa família”, conta Berti sem conseguir segurar as lágrimas.
Dirce não voltou para casa. Ela morreu em junho de 2022, deixando um vazio enorme para os filhos e também para Berti. Andando pela que foi a última coisa que construíram juntos, o viúvo sente um luto ainda não curado toda vez que olha para o caderno comprado para escrever a história, depositado sobre um balcão. “Quando ela estava viva, por pior que fosse meu dia, eu chegava em casa e minha tristeza sumia. Tudo na casa me faz lembrar dela e agora quando eu chego, ela não está lá”, emociona-se Berti, que concedeu a entrevista um ano e 3 meses após sua perda.
O homem que perdeu sua companheira busca conforto na oração e no legado que ambos deixam. Berti acorda cedo todos os dias e reza um terço. Seus filhos são presentes e o patriarca ainda conta com a alegria de ter vivido o suficiente para ver seus netos. Marcos se casou com Meire com quem teve Gabriel; Cícero e sua esposa Margot tiveram Camila, Lucas e Nicolas; e Junior uniu-se com Viviane, gerando Vicenzo e Valentino.
1978
Família Caneppele
COM AS PEDRAS DO CAMINHO, FEZ A FORTEZA
De catador de lixo no estacionamento de uma churrascaria a proprietário de uma indústria sólida como uma fortaleza. Essa é a história de Darcy Caneppele, um trabalhador contumaz que aos 44 anos de idade decide encher linguiça
- Tem linguiça?
- Tem Sadia e a do Seu Darcy.
- Então me vê dois quilos da do Seu Darcy.
Essa era uma cena comum nos mercados e pequenos açougues de Sinop no começo dos anos 90. Hoje, são poucos que ainda lembram da “Linguiça do Seu Darcy”, mas ela está lá, nas gondolas, com o rótulo de Frigorífico Forteza. O que quase ninguém sabe é quantas pedras no caminho foram ajuntadas até que essa fortaleza fosse construída.
Darcy Caneppele nasceu no dia 13 de dezembro de 1949, na pequena cidade de Roca Sales, na região do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul. Mas sequer tem memórias desse lugar. Quando tinha apenas um ano de vida, seus pais migraram para Águas de Chapecó, em Santa Catarina, nas margens do Rio Uruguai. No começo da década de 50, o Oeste Catarinense começava a ser ocupado por gaúchos. O pai de Darcy havia comprado uma área nesse território, onde se estabeleceu com a família. Lá, formou uma fazenda, teve outros 5 filhos e abriu uma “bodega” de secos e molhados, um pequeno comércio de balcão, que vendia comida, querosene, fumo e até munição.
Na infância, Darcy caminhava por uma hora até chegar à escola. Andava de pés descalços, levando um chinelo na sacola para quando entrasse na sala de aula. Ele conseguiu estudar até a 4ª série. Seu pai era uma fortaleza moral, sempre dando exemplo de honestidade e caráter, mas com trato duro como pedra.
Com 14 anos de idade, Darcy era um peão de fazenda. Construía as cercas para o gado, roçava mato e fazia a lida de campo. Um dia, descontente com a rispidez de seu pai, decidiu que iria para Curitiba para trabalhar em churrascaria. “A gente ouvia de outras pessoas da região, de filhos ou irmãos que foram para o Paraná ou para São Paulo trabalhar em churrascaria e se deram bem. Não tinha muita opção de emprego em Santa Catarina”, conta Darcy.
Quando fez 18 anos, o jovem juntou seus trocos e comprou uma passagem para Curitiba. Entrou no ônibus e foi, sem ter qualquer contato ou conhecido na cidade. Quando desembarcou, percebeu que ninguém estaria ali na rodoviária esperando para leva-lo ao tal trabalho. Perdido na capital paranaense, cercado por grandes prédios, sem dinheiro suficiente para voltar, Darcy sentou-se em um banco na Praça Rui Barbosa. Foi quando um rapaz se aproximou e Darcy contou sua situação. O curitibano então deu a dica: “tá vendo os ônibus? Pega esse que está escrito Pinheirinho e vai até o final da rota; lá você vai encontrar várias churrascarias”. Sem outra opção, Darcy segue a dica.
Era mais ou menos umas 10h da manhã quando o ônibus chegou ao final da rota. De fato, haviam algumas churrascarias, com um bom movimento de pessoas. Darcy olhou para o letreiro escrito “Churrascaria Gaúcha”, e decidiu tentar nessa. Se apresentou ao Fernando, o dono do lugar. “Ele me perguntou o que eu sabia fazer. Eu respondi roçar pasto, arrancar mandioca e capar boi. Disse que não tinha experiência, mas faria qualquer coisa que ele mandasse”, conta Darcy.
O dono da churrascaria propôs um teste. Em frente ao estabelecimento havia um largo pátio, coberto de brita, onde paravam ônibus de excursão, caminhoneiros e viajantes de todo tipo – principal clientela do restaurante. E como se pode imaginar, estava repleto de pequenos detritos, com pedaços de plástico e papel, bitucas de cigarros, chicletes mascados... a tarefa de Darcy era catar todo esse lixo. Para isso, Fernando deu 3 dias. Em troca, disse que o jovem poderia comer na cozinha, dormir em um quarto que tinha nos fundos e usar um banheiro.
Por volta das 14h, Darcy vai novamente até Fernando e pergunta: ‘o que eu faço agora?’. O dono então sai bravo para fora do estabelecimento, acreditando que se tratava de um sujeito tão tapado que sequer tinha compreendido o que precisava ser feito. Mas Darcy era um trator para trabalhar. Ao ver o pátio todo limpo, com um serviço de 3 dias feito em poucas horas, Fernando abraça Darcy e diz: “Vou assinar sua carteira”.
Darcy começa como ajudante de churrasqueiro. Seu trabalho era lavar espetos, pegar lenha e carvão... enfim, fazer qualquer coisa que o piloto da churrasqueira mandasse. Após dois meses, Fernando demitiu o churrasqueiro e colocou Darcy em seu lugar. “Eu sempre tive alegria e satisfação em fazer as coisas”, revela.
Darcy trabalhou por um ano na churrascaria. Em 1968, ele foi para Campo Mourão (PR), onde tinha parentes que vendiam máquinas agrícolas. Assim, ele teria a oportunidade de fazer um estágio para operar colheitadeiras da marca SNC. A nova profissão era uma pouco mais estável e rentável do que o ofício de churrasqueiro. E assim, conseguiu progredir um pouco.
Em 1969, ele conhece Aparecida Borco. Eles namoram por dois anos e se casam no dia 2 de dezembro de 1972, no município de Peabiru, perto de Campo Mourão. Um ano depois nasce Cesar, o primeiro filho do casal.
Nesse tempo, Darcy trabalhou em diferentes lugares, com representações comerciais. Depois de sair da loja de máquinas agrícolas, ele foi para cidade de Cruzeiro do Oeste atrás de serviço. Acabou batendo na porta da indústria de Café Mariluz, que tentava comercializar seu produto em todo o Paraná. “Tinha uma rota que ninguém queria porque não fazia venda. O dono falava que os gaúchos daquelas cidades não sabiam tomar café. Então, eu pedi para pegar a rota e fazer um teste”, lembra Darcy.
Ele recebeu então uma Kombi, carregada com 500 kg de café em pó. O dono deu uma semana para vender a mercadoria. Era uma segunda-feira quando Darcy pegou a estrada e na quarta-feira voltou com o veículo vazio. “Dei o dinheiro para ele e pedi para carregar mais na Kombi, porque não tinha conseguido chegar até o final da rota”, conta Darcy. Ele trabalhou por um ano e meio com a representação de café, e das 33 rotas que a empresa tinha nesse período, a rota dos “gaúchos que não sabiam beber café” sempre foi a que vendeu mais.
Nessas andanças, uma oportunidade de negócio apareceu para Darcy. Era um hotel, com uma lanchonete e um restaurante em Francisco Beltrão (PR). O dono procurava alguém para tocar e Darcy alugou os estabelecimentos por dois anos. “Era na beira da estrada, um negócio difícil no começo, que a gente não entendia. Dia e noite, eu e minha esposa trabalhávamos. Foi um período de muito esforço, mas conseguimos fazer um bom dinheiro”, explica Darcy.
Embora já estivesse muito melhor agora em comparação de onde começou, Darcy queria mais. Desejava verdadeiramente vencer e construir um futuro melhor para seus filhos. Esse ímpeto foi atiçado pelas propagandas da Colonizadora Sinop, que anunciavam a Gleba Celeste como a promessa de um novo eldorado. Ele comentava com a esposa que iriam morar nessa cidade que estava sendo aberta no Norte de Mato Grosso. Depois de dois anos no hotel e restaurante, o casal enfim tinha recursos para se arriscar e empreender nessa nova região.
Em setembro de 1977, Darcy viaja para Sinop a fim de conhecer a cidade. Se depara com um local repleto de mato e de serrarias, com não mais que 1.200 habitantes. Onde uma pessoa normal via precariedade, Darcy via oportunidade. As árvores altas, troncudas, abundantes em madeira, encantavam o comerciante. Ele ficou 3 dias em Sinop. Nesse tempo, visitou uma pequena serraria e pediu para o dono se estava disposto a vender. A resposta foi: ‘só se for à vista’. Darcy estava com um Fiat 147, lançamento da época, e ofertou o carro no negócio. A proposta foi aceita.
Ele voltou para Campo Mourão, se organizou e veio sozinho para Sinop, concretizar o negócio e tocar a serraria. No começo de 1978, ele retorna para o Paraná e busca a família, se mudando definitivamente para o Mato Grosso. Ele, a esposa e seus filhos Cesar e Luciano (este com apenas meses de vida) cruzam mais de 2 mil quilômetros em direção à nova morada. Quando chegam, se estabelecem em uma casa de madeira, dessas construídas como uma pequena vila para abrigar os funcionários da serraria. Aparecida chorava em silêncio com a condição precária que se estabeleceu, que ia além do barraco de tábuas. Sinop era uma vila no meio da Floresta Amazônica. Levaria ainda quase dois anos para que esse lugar fosse chamado de município.
Mas Darcy via a madeira como uma escada para o sucesso. Fez o que fazia de melhor: se enterrou no trabalho. A serraria produzia bem, havia muito comércio para a madeira do Norte de Mato Grosso. Darcy acreditava que o único obstáculo era garantir a oferta de toras para que a fita jamais parasse. Então tratou de fazer seu estoque. Naquela época, o que valia era o mato em pé – a terra embaixo, não tinha valor. Ao invés de comprar a madeira, Darcy começou a comprar as terras com o mato em cima. Pacote fechado! Em 1982, as escrituras de áreas que possuía, empilhadas, davam mais de um palmo de altura. Nesse mesmo ano, nasce a 3ª filha do casal, Cristiane. “Eu olhava para essa pilha de escrituras e achava que teria madeira pelo resto da vida para mim e para meus filhos. Mas de repente, em 1983, o setor quebrou. Ninguém mais comprava madeira. Eu fui vendendo o que tinha até que só sobrou a mulher e as crianças. Tudo que eu havia conquistado se foi nessa época. A pessoa tem que ser forte. Cheguei a uma situação em que eu não confiava nem mais em mim”, desabafa Darcy.
A “crise” em questão remonta ao episódio da usina de Tucuruí, no Pará, quando Governo Federal fez um leviano programa para supressão da vegetação no lago da hidrelétrica que despejou uma enorme quantidade de madeira tropical no mercado, desvalorizando o produto em mais de 50% - em uma época de inflação galopante. Segundo Darcy, mais de mil serrarias no Norte de Mato Grosso fecharam entre 1983 e 1984.
Derrubado, Darcy se apoia em um “déjà vu” para se reerguer. Ele vai até a Churrascaria Gaúcha (que, apesar da coincidência do nome, não tem qualquer relação com aquela de Curitiba) e conversa com Gaspar, o proprietário. Gaspar tinha uma lanchonete chamada “Se Que Sabe”, e propôs vender o estabelecimento de forma parcelada para Darcy. O ex-madeireiro se agarrou à lanchonete como se fosse sua tábua de salvação.
Aparecida foi para a chapa, fazer os lanches e porções, cozinhando na lanchonete. Darcy cuidava do caixa, do atendimento e das compras. Depois de algumas semanas, decidiu colocar chope no estabelecimento. Foi até Cuiabá, fez um curso e montou uma choperia no “Se Que Sabe”. O local virou um ponto de encontro diurno e noturno da cidade, com um grande fluxo de clientes. O movimento ajudou Darcy e Aparecida a pagar as contas e se reerguer. Mas acabou com o casal. A rotina estafante de trabalho, sem finais de semana de folga, trabalhando até tarde da noite, estava minando com os dois. “Eu e minha mulher já não conseguíamos mais chegar perto um do outro. Certa noite, conversamos e ela falou que não aguentava mais aquela vida. Então, no final de um expediente, fizemos o levantamento de tudo que tinha. Cada prato, cada garfo, colocando o preço de quanto a gente achava que valia. Chegamos em um número, que em dinheiro de hoje seria algo em torno de R$ 150 mil. E combinamos que não colocaríamos à venda, mas que se alguém oferecesse esse valor, a gente vendia na hora”, revela Darcy.
Uma semana depois um cliente, vindo de Maringá, se interessou pela choperia. O ano era 1985. Ele veio por 3 ou 4 dias seguidos ao estabelecimento, em diferentes horários e constatou o movimento frequente. Ele tinha posses e procurava um negócio para seu filho tocar. Achou que o “Se Que Sabe” seria uma boa opção. Em dado, momento esse cliente chama Darcy para conversar e, de forma muito contida, pergunta se poderia fazer uma proposta para comprar o estabelecimento. Manhoso, Darcy desconversa, dizendo que não pretendia vender porque a choperia rendia bem, tinha bom movimento e era o ganha pão da família. Mas aceitou ouvir. “Ele me disse: ‘te dou R$ 350 mil (em dinheiro de hoje). Se você aceitar, eu deposito no banco’. Ele nem terminou de falar e eu apertei a mão dele, fechando o negócio”, conta Darcy.
Com o dinheiro, Darcy e Aparecida compraram a casa onde vivem até hoje, além de uma chácara, que já havia sido aberta. O plano era produzir algo nesta terra. Então, em 1985, Darcy começa a plantar guaraná. Consegue uma produção excelente, mas não encontra para quem vender. Ele também tenta o cultivo de seringueiras para extração de látex, mas o negócio também não se viabiliza.
Então, decide voltar às origens e mexer com gado leiteiro. “O leite pagava as contas, mas era apertado”, lembra Darcy. O ciclo do leite se encerra com a visita de um conhecido que vem até a propriedade e faz uma boa oferta pelos animais. Darcy vende, mas nunca vê a cor do dinheiro.
Em 1988, ele recomeça novamente. Percorre os mercados e vendas da região perguntando se estariam dispostos a comprar verduras produzidas em Sinop. Todos demonstraram interesse, alegando que os vegetais que vendiam vinham de fora e sofriam com o transporte. Com a ideia em mente, Darcy vai até o Banco do Brasil e conta a sua história para Zeno Schneider, gerente da unidade na época. Com o documento da terra, Darcy consegue um financiamento para plantar legumes. Com o dinheiro, ele implanta um sistema de irrigação e manda vir uma carreta de esterco de peru da cidade de Chapecó. Na chácara, que tem o córrego Curupi ao fundo, Darcy planta pepino, tomate, repolho, pimentão e folhas. A semeadura é bem-sucedida e tudo cresce com força e vigor. A família chega a colher 15 mil caixas de tomate. “Nenhum dos comércios que eu tinha visitado comprou. Não consegui vender nada. Tudo apodreceu. Caixas e mais caixas de legumes foram perdidas”, revela Darcy.
Cesar, o filho mais velho, pega o trator e extermina a produção de hortaliças, cortando no talo aquela falsa esperança. Com o solo limpo, a família começa a cultivar milho. A cada segunda-feira, uma carreira era semeada. O objetivo era vender milho verde. “A cada 3 dúzias de espiga, eu ganhava o mesmo que o preço de um saco de milho. Colhia a produção, colocava no carro e saía para vender. Cheguei a vender até em Sorriso”, conta Darcy.
O lucro do milho foi sendo guardado. Quando o pessoal do Banco do Brasil chama Darcy para falar da prestação do financiamento que tomou, ele pede para quitar a dívida à vista. Tempos depois, Darcy recebe uma proposta para trabalhar como comprador de grãos para uma empresa, deixando o milharal a cargo dos filhos e da esposa.
Chegou a hora de encher linguiça
O ano era 1993. Cesar estava com quase 20 anos de idade e, como se espera, tentava encontrar o seu caminho. O jovem tinha conseguido um emprego no Banco do Brasil, um ótimo começo em comparação com as oportunidades existentes. Ele estava feliz, Aparecida estava feliz, os irmãos também. Todos comemoravam na sala de casa. Menos Darcy. O patriarca olha para seu primogênito e diz: “você não vai trabalhar no banco”.
Cesar não entende. Aparecida muito menos. Para tentar explicar o que estava acontecendo, Darcy disse que faria aquilo que jamais fez nos seus outros trabalhos: encher linguiça! A proposta do pai para convencer o filho a não pegar o emprego no banco era matar porco, fazer linguiça e vender banha. De pronto, ouviu o revide: ‘mas você nem sabe matar porco!’. “Mas nós vamos aprender. Nada do que a gente fez até agora a gente sabia até fazer”, respondeu Darcy.
De alguma forma, a família embarcou nessa aventura. Darcy tinha uma Chevrolet C-10, adaptada para rodar com botijão de gás. Fez uma gaiola de metal para carroceria e percorreu pelo interior comprando suínos. Porco preto, da raça piau, pequenos. Às vezes ia até Sorriso para conseguir encontrar um fornecedor. Compra de dois, no máximo três animais por vez. Nos fundos da chácara da família montou um matadouro para abater os porcos e processar. “Eu olho para uma coisa e sei como ela funciona. Tem um negócio dentro de mim, que eu não sei o que que é, que me faz querer fazer tudo da melhor forma possível”, comenta Darcy.
Ele, Cesar e Luciano abatiam os animais e processavam, um por dia. Faziam linguiças mistas com carne bovina e também linguiças para churrasco, além da banha, e vendiam no comércio local, dentro de uma caixa de isopor. “Um dia, eu estava na frente de um comércio, com dois pacotes de linguiça na mão tentando vender, e um senhor de uns 80 anos de idade puxou conversa. Ele comentou que parecia ser de porco puro, então expliquei como era feito. Ele me disse que tinha 40 anos de experiência com a fabricação de embutidos de porco, que tinha passado por vários frigoríficos. Eu só comentei que tinha muito a aprender com ele. O senhor disse que se eu lhe pagasse uma cerveja, ele me passaria a receita. Apalpei os bolsos e vi que o dinheiro estava curto, mas aceitei. Fomos conversando, já estava na 3ª cerveja e eu achei que ele estivesse me enrolando. Perguntei se ele não iria me passar a receita. Então ele disse: ‘vou passar, mas só vou falar uma vez’. Puxei um papel, mas ele não me deixou escrever. Ele passou a receita e é a mesma que usamos até hoje. Quando terminou, ele me pediu se eu tinha esposa e filhos. Não entendi o que isso tinha a ver, e ele falou: ‘o que você for fazer, faça com a melhor higiene, com o maior cuidado e o melhor tempero; então você come e dá para sua esposa e seus filhos; se o produto servir para a sua família, vai servir para todas as outras famílias’. Essa foi uma lição jamais esquecida”, revela Darcy.
Logo, o matadouro nos fundos da chácara já estava abatendo 8 animais por semana. Uma meia dúzia de funcionários foi contratada para ajudar no serviço. Nos mercados da cidade todos pediam pela “Linguiça do Seu Darcy”. Tinha Sadia, mas mal vendia. O produto não tinha marca, nem qualquer documento. Não demorou muito para que os órgãos fiscalizadores começassem a barrar a Linguiça do Darcy. Regularizar a atividade era uma necessidade. Em 1995, Darcy consegue documentar sua atividade. Nessa época ele já processava 30 porcos por semana e contava com 10 funcionários.
Mas ainda faltava um nome. Tentou Linguiça Sinop, mas já existia. Outros nomes foram sugeridos, sem sucesso. Até que, buscando palavras que trouxessem algum tipo de significado (ou que fossem relacionadas ao ramo de atuação), em um dicionário Italiano-Português, surge a palavra Forteza – que significava Força/Fortaleza. Esse nome passou! Nascia, então, o Frigorífico Forteza.
Em 1999, na mesma chácara que comprou com a venda da lanchonete e onde instalou o primeiro matadouro, Darcy e família fazem uma ampliação e fundam a unidade industrial do Frigorífico Forteza, onde está até hoje. E o negócio não para de crescer. “Em todos esses anos, a demanda sempre foi maior que a produção. O que a gente aguentar fazer, vende”, revela Darcy.
Em 2018, Cesar foi até uma feira na Alemanha onde conheceu uma máquina que embute, amarra, tira o ar e pesa a linguiça de forma automática, com capacidade para processar 400 gomos por minuto. Foi o começo do processo de automação industrial. Hoje, o Forteza conta com 4 máquinas desse tipo e mais duas já foram adquiridas e serão inseridas na linha de produção em breve.
No ano de 2024, o Frigorífico Forteza, com exceção da receita da linguiça e do endereço, em nada lembra seu começo. Ao invés da velha C-10 movida a gás, a empresa conta com uma frota própria de 4 caminhões para fazer o transporte de suínos vivos. A suinocultura na região despontou, com grandes produções em Sorriso, Lucas do Rio Verde e Tapurah, ofertando animais de alta qualidade que abastecem a indústria. Hoje, em 30 segundos um animal é abatido e limpo. Em 2 minutos, a carcaça já está sob refrigeração.
No começo de 2024, a planta industrial do Forteza abatia uma média de 400 suínos por dia. Mais de 300 funcionários trabalham na operação, produzindo 100 diferentes produtos, desde embutidos como presunto, bacon, mortadela, defumados e carne in natura, até a famosa linguiça do seu Darcy. Com um Centro de Distribuição instalado em Cuiabá, os produtos Forteza chegam a todo o estado de Mato Grosso, com distribuição feita por uma frota própria. Neste período, o frigorífico contava com 2.381 clientes ativos. Ou seja, é possível encontrar Forteza, de Sinop, em todos os cantos do estado.
Darcy tinha 28 anos de idade quando decidiu vir para Sinop e 50 anos de idade quando o Forteza se torna um frigorífico de fato. Tudo isso com uma coleção de tentativas. Quando perguntamos se valeu a pena, sua resposta é: “Mil por cento! Sinop é uma benção”, responde o devoto de Nossa Senhora.
Hoje, os filhos são a espinha dorsal do Frigorífico Forteza, tocando adiante os negócios da família, juntos e unidos como uma Fortaleza.
1978
Comemorações do 4º ano de fundação de Sinop
A CIDADE IA CRESCENDO!
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Em 1978, Sinop comemorou seu quarto ano de fundação com desfile cívico na Av. dos Mognos (atual Gov. Júlio Campos), que contou com a participação de alunos, professores e da fanfarra da Escola Estadual Nilza de Oliveira Pipino
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Além do desfile escolar, a 1ª criança nascida em Sinop, Luciana Juanussi, que na época já tinha 5 anos, desfilou em um carro alegórico, montado pela própria família
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As comemorações terminaram com o desfile de veículos pertencentes às famílias pioneiras e alguns caminhões carregados de madeira pertencentes às primeiras indústrias madeireiras de Sinop
1978
Olavio Reinehr
IMPRIMINDO UM FUTURO MELHOR
O peão de serraria que trocou a tábua pelo tipo e prosperou durante a extinção do papel, imprimindo a história que estava por acontecer
Com que frequência você pensa no futuro? E o que você faz com esses pensamentos? No ano de 1971, uma família de Mondaí, cidade às margens do Rio Uruguai, no interior de Santa Catarina, precisava pensar no futuro e tomar uma decisão. Pai e mãe, com seus 10 filhos, sobreviviam em uma pequena propriedade rural.
O filho mais velho era Olavo Reinehr. Ele nasceu em 25 de fevereiro de 1959. Naquele lugarejo formado pela colonização de alemães e descendentes, os Reinehr plantavam e criavam porcos e galinhas para subsistência. Com 10 anos de idade, Olavo cozinhava para a família, cuidava da horta da casa, tirava leite e, montado em uma junta de bois, levava milho no moinho para fazer farinha.
Motivados por conhecidos e familiares, percebendo a necessidade de ter mais terras para prover a todos, a família se muda para Missal, um vilarejo ainda menor, no Sudoeste do Paraná, próximo do lago da usina de Itaipu. A migração ocorreu no ano de 1972, quando Olavo tinha 13 anos.
Ao longo das décadas de 50 e 60, o Oeste do Paraná foi palco de uma intensa marcha migratória. Famílias de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo e da parte mais leste do Paraná rumavam para aquela porção do estado em busca de terras e de oportunidades. Aqueles que chegaram primeiro “beberam água limpa”. Na década de 70, as condições já não eram tão favoráveis. Ao mesmo tempo, nesta pequena região do país um novo movimento migratório começava a ser deflagrado. Este bem mais ousado e romântico, com promessas de recompensa por vastas terras e o legado de ajudar a Nação com a missão de “Integrar para Não Entregar” – lema brandido no Governo Militar de Ernesto Geisel para estimular a ocupação da Amazônia Legal. “Tinha muita propaganda da Colonizadora Sinop falando do seu projeto de colonização no Norte de Mato Grosso. Além disso, as pessoas falavam dos seus parentes que tinham ido ou que estavam se preparando para ir. Eles [os corretores da Colonizadora] faziam propostas para trocar as terras no Paraná por áreas muito maiores no Norte de Mato Grosso”, lembra Olavo.
Em junho de 1977, a família veio para Sinop. Olavo ficou para trás para terminar os estudos no Ensino Médio (na época chamado de Ginásio ou Propedêutico). Assim que completou a graduação, com 18 anos, foi chamado para o alistamento militar obrigatório. No dia da apresentação, Olavo disse que era filho mais velho, que seu pai havia se mudado para Mato Grosso e que precisava dele para ajudar no trabalho. No dia 30 de janeiro de 1978, recebeu a dispensa do serviço militar e embarcou em um ônibus com destino a Sinop. “Foi uma viagem longa, demorada. Tudo o que eu via era mato e mais mato. Quanto mais perto o ônibus chegava de Sinop, mais era a sensação de que estávamos no meio do nada. Como jovem eu pensei: ‘que futuro eu vou ter num lugar desses?’”, conta Olavo.
O futuro podia ser incerto, mas o presente tinha gosto de pó de serra e cheiro de fumaça. Assim que chegou, Olavo começou a trabalhar na Mafasa Madeiras, uma serraria que pertencia ao seu tio Inácio. O novo ofício era simplesmente braçal, com uma carga de esforço que fazia o quartel parecer uma colônia de férias.
Quando estava completando o seu terceiro mês na serraria, um senhor de bigode, estilo gauchão, chegou para conversar com Inácio. O assunto? Waldemar Brandão queria que Inácio liberasse seu funcionário para trabalhar com ele.
A irmã de Olavo já trabalhava para Brandão como empregada doméstica, daí o “contato”. Brandão era dono de uma gráfica, no centro da cidade, tinha dois funcionários e o “alemãozinho" seria o terceiro. “Era o mesmo salário que na serraria, mas meu tio achou que o futuro seria melhor na gráfica”, comenta Olavo.
A casa da família ficava longe da cidade, em uma chácara. Para trabalhar na Gráfica do Brandão, Olavo se alojou em uma edícula, nos fundos da empresa. Seu companheiro de quarto era um gerador a diesel que tocava as máquinas de impressão. Por dois anos, o cheiro do combustível fez parte do cotidiano de Olavo, durante o dia e à noite.
Depois disso, quando o salário já era melhor, se mudou para uma “república” – uma casa compartilhada com outros homens solteiros. No começo, Olavo fez serviços gerais na gráfica, ou como ele prefere chamar, foi um “Severino faz tudo”. Com o passar do tempo acabou girando por todas as funções e cargos da gráfica, de impressor ao comercial. “Logo no início vi que o trabalho na gráfica me daria condições para desenvolver mais. Eu lidava com empresários, aprendia bastante coisa. Como sempre busquei ser correto e trabalhar com honestidade, as coisas foram dando certo”, conta Olavo.
Olavo já estava com 27 anos de idade, emprego fixo, mas continuava sendo um solteiro inveterado. Quem conviveu com ele na época pode dizer que consumia tantos ingressos de festa quanto imprimia. Mas não faltava ao trabalho e a gráfica ficava bem ao lado do Bradesco. Foi em uma passada pelo banco, em março de 1987, que ele conheceu Rejane. “Foi paixão à primeira vista. Era a tampinha da minha panela”, brinca Olavo.
Eles se conheceram em março e casaram em dezembro. Ele não tinha dinheiro para fazer uma festa de casamento, mas não lhe faltaram amigos. Cada um que tomava conhecimento do matrimônio, oferecia um presente para ajudar na festa. Som, bebidas, carneiro, bolo... Olavo e Rejane ganharam praticamente tudo, e no fim a festa teve 400 convidados.
O matrimônio com Rejane não representou apenas ter uma esposa para toda a vida. “Rejane sempre foi minha parceira, minha sócia. Ela trabalhou comigo e sempre me apoiou nos negócios. É meu pilar em todos os momentos”, lembra o empresário.
No ano seguinte ao casamento, Rejane e sua irmã abriram uma lojinha de roupas, a Rean Modas. Elas viajavam até Goiânia, compravam as peças e revendiam na cidade. Também em 1988 nasce Bruna, a primeira filha do casal.
Olavo trabalhou na gráfica do Brandão por 12 anos seguidos. Então, decidiu sair do emprego para tentar empreender. Motivados pelo início das operações da Usina de Etanol da Sinop Agroquímica, Olavo e o pai abriram uma área de 40 alqueires, localizada na quarta parte, e plantaram mandioca. A raiz era a matéria-prima que a indústria precisava. De pronto, pegaram o financiamento liberado pelo Governo Federal, para esse fim específico, com a proposta de pagar a conta com a produção. “Trabalhamos muito. Imagina colher mandioca no meio dos cipós, na mão? E quando chegou na hora de entregar o produto, a Agroquímica não recebeu. Tentamos por dois anos, até que meu pai falou: ‘pode abandonar tudo’”, revela Olavo.
Os dois tiveram que vender a chácara para pagar o financiamento no banco. Nisso, Brandão chama Olavo de volta para gráfica. “Eu disse pra ele: ‘de empregado eu não volto mais. Me vende uma parte’. Eu falei isso, mas não tinha uma bicicleta”, provocou Olavo.
Brandão negociou. Disse para Olavo voltar a trabalhar, dar uma juntada de dinheiro e 6 meses depois eles conversariam novamente. Meio ano se passou e Olavo estava na mesma, mas ainda assim trucou a proposta para ser sócio. Brandão aceitou vender 20% dos negócios. Olavo falou com um amigo no banco e conseguiu um empréstimo. Com um dinheiro que sobrou da venda da chácara, uma Kombi e o financiamento no Bradesco, Olavo comprou um quinto da empresa onde começou a trabalhar. Era 20% da principal gráfica da cidade.
Com Olavo trabalhando na gráfica, agora como sócio, Brandão foi mesclando seus negócios. Ele já vinha dedicando seu tempo em outras atividades, como patrão do CTG de Sinop e também como político, sendo um combativo vereador. Na mesma época, o “patrão” começou a investir os lucros da gráfica na agricultura, plantando e colhendo soja e milho. Pouco mais de um ano e meio depois do retorno de Olavo para gráfica, ele fez uma nova proposta para Brandão: separar os investimentos feitos na lavoura e passar mais 30% da gráfica. Dessa forma, Brandão ficaria com os outros negócios para si e Olavo com metade apenas da empresa de impressão. “Ele tinha topado, mas depois achou que eu tinha que dar mais algo. Então ele pegou no negócio meu Passat GTi, que era meu xodó”, conta Olavo.
Com 50% do negócio, Olavo propôs a Brandão para que arrendasse os outros 50%. E assim foi feito. Era o ano de 1993 quando o letreiro escrito “Gráfica Brandão” foi trocado por um que estamparia Grafpel – um nome simples, fácil de lembrar, que junta as duas coisas desse negócio: Gráfica e Papel.
No mesmo ano nasce Rodrigo, o segundo filho do casal. Dois anos depois, chega Fernando, o terceiro filho. Ainda em 1994, Olavo compra a parte de Brandão e passa a ser o único dono da Grafpel, inaugurando sua sede própria, na Rua das Nogueiras, no centro de Sinop.
Quando era pequeno, com seus 10 anos, Olavo rezava com a sua família e pedia para encontrar algo que “desse dinheiro igual água”. Quando via o pai parar para abastecer o carro, com o frentista colocando a mangueira no tanque por alguns minutos e depois recebendo um bolo de dinheiro que o pai tirava da guaiaca, achou que talvez fosse aquele o negócio a render igual água. Mas assim que cresceu um pouco, estava certo que o caminho para não passar mais necessidade seria ter um “tripé”: se um negócio não rendesse bem, os outros dois segurariam a situação.
Com essa linha de pensamento, em 1996, Olavo deu um passo atrás para chegar às três pernas. Ele voltou ao seu primeiro emprego em Sinop. Decidiu abrir uma serraria, do tipo pica-pau, na região da quarta parte. Como já tinha a Grafpel e a loja da esposa e da irmã, a serraria conformaria seu tripé da sobrevivência. A madeireira funcionou por um tempo, mas acabou sendo vendida. O empresário escolheu focar na gráfica e ver o que poderia fornecer a partir dela.
Olavo foi aprimorando a estrutura da Grafpel, melhorando os maquinários e aumentando a capacidade e a qualidade de produção. Passou a imprimir jornais, revistas, catálogos, calendários, cartões de visita... quase tudo que uma empresa precisasse feito em papel, a Grafpel fazia. As coisas estavam indo muito bem. “Eu não tinha medo de nada e nem preguiça de trabalhar”, conta Olavo.
Muito mais que 3 pés
A família se manteve unida para superar a tristeza da perda de Bruna, quando ela tinha apenas 10 anos de idade – e o trabalho foi uma distração. Olavo havia consolidado a Grafpel e não parava de investir na empresa. Ele viajava para ver culturas e negócios diferentes. No ano 2000, através do Sindicato das Empresas Gráficas, que tinha uma cadeira na FIEMT (Federação das Indústrias de Mato Grosso), Olavo é convidado para participar de uma convenção em Curitiba (PR) para falar do futuro da indústria gráfica. “Eu fui e fiquei só ouvindo. Recebi muita informação nova. Parecia uma ótima oportunidade de aprimorar minha empresa. Então, um dos palestrantes, um americano, começou a falar que em pouco tempo as gráficas iriam acabar e que tudo se tornaria digital. Não teria mais papel, tudo seria online. Fiquei furioso com o que ouvi. Aquele homem estava dizendo que o meu sonho iria acabar”, recorda Olavo.
Quando voltou para Sinop, reuniu a família dizendo que tinha uma notícia boa e uma ruim. “A ruim é que gráfica vai acabar. A boa é que a gente sabe disso”, discursou Olavo. Ao invés de brigar com a previsão e ignorar o especialista, o empresário tomou a lição como um aviso antecipado do que estava por vir. Dessa forma, Olavo teve tempo e ferramentas para preparar a transição irrefreável que aposentaria os blocos de papel pelos talonários digitais, o panfleto pelas mídias sociais e o cartão de visita pelo “anota meu WhatsApp”.
A estratégia foi fortalecer o trabalho com comunicação visual. Toldos, letreiros, fachadas... as empresas continuariam precisando desses serviços. Olavo visitou empresas de comunicação visual em outras cidades, percorreu avenidas e locais centrais, modelando seu novo negócio. No ano de 2007, ele abre a MT Painéis.
Estava posto o tripé que Olavo perseguia. Além de fazer comunicação visual para empresas, a nova divisão também começou a investir em outdoors. Eram 30 pontos no começo. No final de 2023, a empresa já contava com 290 outdoors em Sinop e mais de 700 em todo o estado, contando os painéis rodoviários. No ano de 2017, ele abriu uma unidade em Alta Floresta para melhorar a logística.
Depois das 3 pernas, veio a quarta. Em uma viagem a Goiânia, no ano de 2010, para comprar roupas, viu um festival por perto e decidiu parar e comer uma pamonha. O quitute estava sendo vendido em um espaço provisório, debaixo de uma tenda. Ele mordia e pensava: ‘é de lona, monta e desmonta, protege do sol e da chuva, bem mais prático do que cortar bambu, pregar madeira e cobrir com folha de palmeira’. “Na época muita gente estava construindo casas e quitinetes em Sinop para alugar. Eu não tinha cacife para isso, mas uma tenda eu dava conta”, explicou Olavo.
E foi assim que as tendas desmontáveis de 4 pernas viraram o quadripé de Olavo. Assim que as primeiras unidades foram colocadas no mercado, uma surpreendente demanda foi despertada. Logo, todos os eventos – dos familiares aos corporativos – começaram a locar tendas. Hoje, a MT Locações – divisão criada para atender eventos – oferece uma gama de serviços e produtos no sistema “monta e desmonta”. Desde decks, divisórias e banheiros químicos até os escritórios completos com climatização e móveis vistos em grandes eventos, como a Norte Show. A MT Locações é atualmente a maior empresa desse segmento no Norte de Mato Grosso.
O grupo Grafpel se tornou ainda mais forte e abrangente com os empreendimentos capitaneados por seus dois filhos. Em outubro de 2018, Rodrigo, que possui duas graduações em engenharia, emplacou a Pienezza Esquadrias e Fachadas Especiais. O negócio, idealizado e desenvolvido por ele opera dentro da sede do Grupo. A empresa trabalha com acabamentos em alumínio de alta qualidade, sendo revendedor exclusivo da marca Schüco, uma indústria alemã considerada a número 1 no mundo em produtos de alumínio. A Pienezza atende empresas e residências, com projetos sob medida. Sua equipe conta com 7 engenheiros, garantindo profundidade técnica em cada entrega.
Já Fernando quis empreender em um negócio bem distante da gráfica, painéis e fachadas. Seu alvo também foi a beleza, mas em pequenas peças, não estáticas, mas móveis. Em setembro de 2017, o caçula do casal abre a primeira Enkanto Joias, uma loja de semijoias e folhados instalada dentro da Havan de Sinop. No final de 2023, a Enkanto Joias era uma rede com 16 lojas em 6 diferentes estados, empregando mais de 60 pessoas. Não se trata de uma franquia, mas de uma capilar rede de lojas gerenciadas por Fernando.
O próximo e mais recente negócio a brilhar no Grupo Grafpel foi a MT LED, especializada em mídia digital com painéis de Led. A empresa foi aberta no ano de 2020, em sociedade com Marlon, que é gerente da MT Painéis. Se no passado Olavo preparou a Grafpel para trabalhar com comunicação visual, agora a MT LED se prepara para a evolução dos outdoors estáticos, acompanhando a evolução natural da comunicação.
A empresa foi a primeira de Mato Grosso a instalar um painel de LED com 9 metros de largura por 3 metros de altura. No final de 2023, a MT LED já tinha 7 painéis fixos em Sinop, além de um caminhão com um painel de LED instalado, que dá mobilidade à tecnologia. A empresa também faz locação de totens com painel digital para feiras e eventos.
No fim, Olavo respondeu a pergunta que se fez quando estava no ônibus a caminho de Sinop: “Que futuro um jovem pode ter nesse lugar?”. Bom, Olavo pode não ter visto o futuro logo de cara, mas se preparou para que ele chegasse de forma gentil. “Eu agradeço ao meu pai por ter me trazido para Sinop. Hoje estamos todos bem e juntos, um ajudando o outro e sempre ajudando o próximo. É mais fácil crescer quando todos estão crescendo”, avaliou Olavo.
Essa é uma boa impressão de Sinop.
1978
Família Bonfiglio
FOI A SOVA QUE FEZ O PÃO CRESCER
Um jovem italiano decide deixar a Europa com sua família para se estabelecer em uma cidade que estava sendo aberta. A busca pela “Terra Nostra” quase ceifa sua vida. Começou na atividade madeireira, mas foi um forno de lenha que se tornou seu ganha pão. A massa sovada pelos italianos cresceu ainda mais quando a filha do primeiro padeiro de Sinop entrou para a família
Em Sinop, que existe há 50 anos, é possível saborear uma lasanha que é feita do mesmo jeito há mais de 100 anos. O aroma e o sabor, acompanham o ambiente. Paredes de tijolo aparente, vitrais nas janelas e memorabílias da península mais gastronômica do mundo compõem a cantina. É um pedacinho da Itália encrustado no Norte de Mato Grosso. Assim é o Chalé do Italiano, o mais tradicional restaurante de Sinop – que existe há 40 anos no mesmo endereço, gerenciado pela mesma família e com a mesma proposta: servir comida italiana. E toda essa história começa com um jovem italiano que deixou a desenvolvida Europa para se aventurar na selva mato-grossense.
Rolando Bonfiglio nasceu em Vicenza, na Itália, no ano de 1938. Foi o terceiro filho de Giuseppe Bonfiglio e Pierina Cavaggion. Giuseppe nasceu na Sicília, em 1903, e aos 18 anos foi convocado para uma guerra na África, mas após um incidente foi dispensado. No seu regresso, foi para o Norte da Itália, no Vêneto, onde conheceu Pierina, se casou, estabeleceu moradia e se tornou ferroviário. Foi nesse período, entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, que Giuseppe e Pierina estabeleceram sua família.
Rolando nasceu um ano antes do início da Segunda Guerra Mundial. Quando o grande confronto, enfim, foi cessado, ele tinha 7 anos de idade. Anos depois, começou a trabalhar em uma indústria de motores da Siemens. Em 1958, quando tinha 20, Rolando recebeu uma proposta para trabalhar na indústria que a Siemens estava abrindo no Brasil, em São Caetano do Sul (SP). Na nova terra, o italiano conheceu uma brasileira, por quem se apaixonou. Rolando se casa com Leonete Costa, e em 1961, quando o contrato com a empresa chega ao fim, os dois retornam para Itália.
Em algum lugar do Atlântico, Leonete fica grávida. Em maio de 1962, começa a sentir muitas dores e acaba sendo submetida a uma cesariana. Mesmo os médicos do Velho Mundo não haviam percebido que se tratava de uma gestação de gêmeos. De seu ventre são arrancados dois meninos, que recebem o nome de Giuseppe e Alexandre. Em razão do quadro, Giuseppe morre 3 dias depois do parto.
Cerca de 6 anos depois, em 1968, Rolando decide voltar ao Brasil. Mas dessa vez não foi o trabalho que o motivou. Muito religioso, o italiano escolheu participar de uma missão da igreja católica junto à tribos indígenas. Ele, a esposa e o filho de 6 anos pisam então pela primeira vez no Mato Grosso, em Guiratinga, especificamente no Rio das Mortes – rio que dividia as tribos Bororos e Xavantes, que na época viviam em constante conflito. As missões comandadas pelos padres salesianos buscavam levar todo tipo de assistência para os Bororos.
Rolando e sua família ajudavam no hospital de campanha, na serraria e até faziam caixões. Após quase dois anos, em meados de 1970, a família encerra sua participação no trabalho social e volta para a Itália.
Mas a conexão com o Brasil nunca foi esquecida. Sempre que possível, o casal viajava a passeio para o Brasil. Em uma dessas viagens, em 1975, em São Paulo, Rolando é fisgado por uma propaganda da Colonizadora Sinop. Era a notícia da Gleba Celeste no Norte de Mato Grosso. O casal foi até o escritório da Colonizadora, em Maringá (PR), para saber mais. Quando viu o projeto de 4 novas cidades sendo abertas no meio do nada, se encantou. Depois que um italiano coloca uma coisa na cabeça, é difícil tirar.
Em 1976, Rolando preparava sua mudança para migrar, agora em definitivo, para o Brasil. Religiosos e muito atuantes na igreja, Rolando e a esposa trazem para cá não apenas um, mas sim três filhos. Além de Alexandre, agora a família seria composta pelas filhas do coração Maria e Bruna Pesavento, irmãs que à época tinham 15 e 12 anos, respectivamente. A família ainda permaneceu alguns meses em São Paulo para que as jovens italianas pudessem se adaptar à nova língua. Atualmente, Maria reside em Florianópolis (SC), enquanto Bruna trabalhou com a família por muitos anos no hotel, e hoje está aposentada.
De volta ao Brasil, Rolando vem a Sinop e compra uma área de terra com a Colonizadora. Ele começa a contratar gente para abrir a propriedade. A cada 6 meses, viajava para o Nortão, a fim de acompanhar o progresso. Em uma dessas vindas, ele sofre um acidente.
Rolando é socorrido ao Hospital Celeste, recém-aberto pelos médicos Adenir Alves Barbosa, Israel Mendonça de Oliveira e Antônio Kato. Ismael consegue estabilizar o estado de saúde de Rolando, evitando sua morte. Na época, não havia telefone em Sinop. Todo contato com o resto do Brasil era feito através de um rádio transmissor, na sede da Colonizadora Sinop. Nesse vácuo de comunicação, parentes de Rolando que moravam nos Estados Unidos receberam a informação de que ele havia morrido. A notícia chegou até o irmão Ângelo, na Itália, que veio até o Brasil para buscar o corpo. Em São Paulo, Ângelo encontrou o outro irmão e os dois fretaram um avião para vir até o Mato Grosso resgatar o ‘falecido’. Os irmãos voam até Cuiabá, onde trocariam de avião. Quando a porta da aeronave que os traria a Sinop se abre, Rolando está desembarcando.
Quem conhece um pouco sobre o sangue italiano, já imagina o que aconteceu. Os irmãos começaram a discutir com Rolando. “Viemos buscar teu corpo e tu me aparece vivo!”. Depois de alguns minutos, eles se abraçaram e choraram, felizes por saber que Rolando estava vivo. Anos depois, quando Rolando cogitou se mudar para o Uruguai, seu irmão disse categoricamente: “Eu não vou buscar seu corpo no Uruguai”, em um claro exemplo de como os italianos expressam seu amor.
Depois do incidente, Rolando e a família tiveram que retornar à Itália. Mas a ocupação do Norte de Mato Grosso continuava. Em fevereiro de 1975, Uilibaldo Vieira Gobbo e Anízia Mendes Gobbo se mudam para a Gleba Celeste. A família de Taguaí, no interior de São Paulo, havia comprado uma terra em Vera, em 1969, quando a Colonizadora ainda prospectava a abertura da cidade. Em uma situação financeira difícil, a terra no Nortão era uma última esperança para os Gobbo.
Junto com a mudança vieram os 4 filhos, incluindo Denise, que tinha 10 anos de idade. A ideia era se instalar em Vera, mas assim que a BR-163 cortou Sinop, Uilibaldo, que todos passaram a chamar de “Xingú”, decidiu mudar para o eixo da rodovia. “Ele dizia que seria mais fácil ir embora se precisasse”, conta Denise.
Anízia foi a primeira professora com pedagogia que chegou em Sinop. Fazia questão de pegar as turmas em que seus filhos estavam para dar aula. Era uma medida para poder educar também os seus. Em 1977, Xingú e Anízia têm mais um filho. O casal também acaba acolhendo um filho do coração, formando um lar com 6 crianças.
Assim que chegou em Sinop, Xingú comprou uma área às margens da BR-163, próximo de onde está a Retífica Rei. Lá, abriu uma pequena fábrica, a Comercial Xingú, para envasar pinga e fabricar refrigerante. A produção, toda manual, engarrafava 4 caixas de refrigerante por dia. Mas, em pouco tempo, o negócio faliu. Foi quando apareceu um senhor desesperado querendo ir embora do Nortão. Ele oferece a Xingú mil alqueires de terra em Sorriso em troca da fábrica de refrigerantes e uma camionete velha. O homem colocou os equipamentos em cima do veículo e foi embora. “Meu pai questionava: ‘o que vou fazer com essas terras? Não valem nada, não dá para plantar. Não dá para fazer nada’. Era um areião, cerrado. Pensou em gado, mas não tinha dinheiro nem para uma cabeça”, conta Denise.
Xingú vendeu metade das terras em Sorriso e comprou uma padaria de um senhor chamado Luiz Rosas, que embora não fosse padeiro, tinha aberto o primeiro estabelecimento do tipo em Sinop. Mas Xingú era filho de padeiro. A vida toda trabalhou com massa. Ele pegou aquela padaria e começou a trabalhar. E, assim, surgiu a Panificadora Xingú.
Em 1978, os italianos voltam ao Brasil. Passam 6 meses em São Paulo, onde Maria e Bruna recebem aulas particulares para aprender a língua portuguesa e poder estudar. Depois, partem para Sinop. Vendo a abundância de madeira, Rolando decide montar uma serraria, no ano de 1979. Apesar da experiência com indústria, não era uma operação simples. A madeira precisava chegar até o Sul e Sudoeste do Brasil. Mas a BR-163 era um caminho e um obstáculo ao mesmo tempo. Também havia irregularidade no frete. Às vezes tinha caminhão, às vezes não. Como não existia telefone na cidade, era preciso ir até Cuiabá ou até São Paulo para fazer os pedidos. “Foram 8 anos assim: em um ano, ganhava muito, nos dois seguintes, prejuízo”, conta Alexandre.
A chegada do rapaz italiano na cidade não passou despercebida. Em 1978, quando Alexandre veio para Sinop, já foi alvo dos olhares da filha da professora, na época com 14 anos. “Ele devia ter 16 ou 17 anos. Eu olhei e pensei: ‘hum, que menino bonito’”, conta Denise.
Uns dois anos depois eles começaram a namorar. Mais dois anos, no final de 1983, se casaram, como forma de amarrar Alexandre em Sinop. Rolando queria que o filho voltasse para a Itália, já que a situação não estava fácil para eles. “Meu sogro falava sobre o futuro. Dizia que um negócio de computador estava aparecendo e que seria o futuro. Isso foi em 1982. Sinop não tinha nem energia elétrica e ele já falava sobre computador. Estava anos à frente”, lembra Denise.
Enquanto o futuro não chegava, Rolando precisava ganhar o pão hoje. Com a madeireira indo mal, ele decide construir um forno a lenha, daqueles de barro, no terreno localizado na esquina da Avenida das Figueiras com a Rua dos Lírios. A esposa Leonete começa a fazer lasanha e pizzas para assar no forno e vender. Nos finais de semana, fornada cheia, disputada pelos médicos, advogados e empresários da cidade. E foi assim que a lasanha com 100 anos de história, receita da avó de Alexandre, começa a ser feita em Sinop.
Em 1984, Xingú montou uma filial da padaria em frente à rodoviária e deu para Alexandre e Denise tocarem. Nessa época, o forno de barro dos Bonfiglio já parecia mais interessante que a serraria. O italiano, então, decide montar um restaurante no mesmo lugar. Ele pega madeiras nobres, serra em sua madeireira e começa a construção. Faz a função de engenheiro e ergue o Chalé do Italiano.
Um dia depois inauguração do Chalé, em 1984, nasce Anna Beatrice, a primeira filha de Alexandre e Denise. Rolando e Leonete, com a ajuda de Bruna, tocavam o Chalé do Italiano e Alexandre e Denise a filial da Padaria Xingú. Em 1986, nasce Alessandra Bonfiglio, a segunda filha do casal.
Xingú abriu uma padaria em Peixoto do Azevedo, aproveitando a febre do garimpo. Conseguiu fazer dinheiro suficiente para comprar de volta a terra que havia vendido em Sorriso – que anos depois seria uma sólida herança para sua família, visto a valorização em razão da localização. “Meu pai tinha tanta certeza que essa região ia crescer que chega a ser impressionante. Ele falava: ‘não vendam aquilo lá (as terras de Sorriso). Um dia isso vai valer muito, é na beira da BR, é um bilhete premiado que estou deixando para vocês’. E a gente nunca conseguiu vender. Hoje é uma das maiores rendas da família. E os terrenos que ele deixou, bem localizados. Como ele deixou muito patrimônio, mas não liquidez, a gente sempre teve que trabalhar, manter o patrimônio trabalhando. E hoje que a gente tem resultado, depois de 30, 40 anos. Ele não viu o resultado, mas hoje nós colhemos. Foi pela persistência, força de vontade que ele teve, pela capacidade de visualizar longe. Os filhos e netos colhem o que ele plantou. Ele acreditava muito na região”, revela Denise.
Em 1987, Rolando para de vez com a serraria e monta o Hotel do Italiano, no mesmo lugar onde está até hoje, ao lado do restaurante. Alexandre e Denise arrendam a filial da padaria para terceiros e entram no Chalé do Italiano para ajudar com a operação. Embora a comida não fosse um problema para o Chalé, o restaurante enfrentava dificuldades no caixa devido à instabilidade econômica da época e o baixo movimento da cidade, que ainda era pequena.
Operar um restaurante não é algo fácil. Rolando tinha cada vez menos paciência para com os clientes e Leonete já estava cansada da cozinha. Além disso, ambos tinham um hotel para gerenciar. Denise trouxe sua experiência da padaria e fez o Chalé girar. “Não foi fácil. Quando passavam de 10 clientes, agradecia que teria dinheiro para fazer compras. Vendia o almoço para comprar a janta, literalmente. É a persistência, por isso que nós estamos aqui até hoje. A persistência vem muito da necessidade. É sempre nos momentos de crise que nós conseguimos dar mais. Nunca desistimos, até porque não tinha o que fazer. Era preciso criar as filhas. A gente se reinventou nos momentos difíceis. Essa é uma das características, nunca desistir. Entre o que você quer e o que você precisa existe uma distância. Não tem crescimento se não tiver um pouco de esforço, persistência. Você tem 4 formas de se dar bem na vida: se você for uma pessoa econômica, esforçada, muito inteligente e corajosa. Se você tiver essas quatro coisas, você sempre vence”, comenta Denise.
Em 1988, aos 48 anos de idade, Xingú morre, meses após a padaria encerrar as atividades. O CNPJ da filial é usado no Chalé do Italiano, cada vez mais nas mãos de Denise e Alexandre. No Hotel do Italiano, Rolando sempre reservava uma suíte para um anfitrião especial. Ênio Pipino, um dos colonizadores fundadores de Sinop, sempre se hospedava no estabelecimento quando estava na região. Os dois eram amigos próximos. Além da amizade e das acomodações, Ênio também era atraído pela comida. O prato preferido do Colonizador era a “Língua Salmistrata”, um preparo demorado em que a língua é curada e cortada em fatias finas, que o Italiano fazia questão de preparar.
Em 1990, nasce Barbara Fernanda Cecilia, a terceira filha do casal. No começo da década de 90, Alexandre se sente desgastado pela rotina do restaurante e pela vida dura que se apresentava para a sua família. Em 1992, diz para seu pai que quer voltar para a Itália. “Com 14 anos, antes de eu vim embora para o Brasil, meu pai me colocou para trabalhar em uma serralheria grande, onde aprendi muita coisa. Falei para Denise que se eu voltasse tinha certeza que conseguiria emprego naquela empresa. Eu já tinha 3 filhas. Fui na frente para, depois que estivesse instalado, trazer a família”, conta Alexandre.
Mas ele não se adaptou. Os gritos de um diálogo normal entre italianos já não eram tão bem recepcionados por Alexandre. Ele busca aconselhamento com o tio Ângelo sobre um restaurante e consegue uma vaga em uma cantina italiana de verdade. Alexandre queria aprender. Enquanto lavava pratos, ficava atento a como a mágica acontecia na cozinha. Gravava cada palavra e cada medida em sua memória e, quando chegava em casa, anotava tudo em um caderninho.
Depois de 6 meses na Itália, Alexandre volta com nova experiência e seu caderninho. Dali surgem novos pratos para o cardápio do Chalé do Italiano. Ao buscar as raízes, o restaurante ganha força e a clientela entende.
A volta de Alexandre marca a autonomia do casal no Chalé do Italiano. Em 10 anos, o restaurante sai de dentro do Hotel e um novo prédio é construído em frente, com todo o ar de cantina italiana que o estabelecimento carrega até hoje. O antigo Chalé passou a ser o espaço de café da manhã do Hotel do Italiano. “O Chalé é o primeiro e o único restaurante de Sinop que não teve nenhuma interrupção, não mudou de nome, tem o mesmo CNPJ, com a mesma identidade. É o primeiro restaurante a La Carte em funcionamento até hoje”, explica Denise.
Assim como o restaurante, a equipe do Chalé também é longeva. Tem funcionários com mais de 20 anos de casa. Como Lúcia Alves Coelho, que está há 28 anos no Chalé do Italiano, sem nunca ter faltado ao trabalho. É ela que faz a famosa lasanha cuja receita tem mais de 100 anos. “Há 28 anos ela faz a mesma lasanha. Ela faz o bolinho de bacalhau, nem se compara com o que se encontra em São Paulo nem a Portugal”, comenta Alexandre. “Ela construiu uma casa para cada filho, comprou carro, viaja. Não esbanja, mas está com a vida feita. Ela aposentou, mas continua trabalhando. Ela não vai parar. É a vida dela. Depois de tanto tempo, a gente tem uma afinidade incrível. Ela faz nosso almoço, almoçamos aqui todo dia. Tem vez que estou com vontade de comer algo específico e ela adivinhou e já fez. É uma sintonia difícil de explicar”, completa Denise.
Se no passado o Chalé era grande demais para Sinop, com o desenvolvimento que a cidade provou nos últimos 15 anos, a cantina acabou ficando pequena. No ano de 2020, durante a pandemia, o casal abriu a Paninoteca – uma mistura de empório, restaurante e padaria. O negócio foi instalado em um imóvel alugado, na Avenida das Caviúnas. Agora, a proposta é trazer a Paninoteca para a “família”, instalando o comércio no prédio que foi o primeiro Chalé do Italiano, junto ao Hotel, na área hoje destinada ao café. Em janeiro de 2022, o Chalé abriu uma unidade no Shopping Sinop.
Embora tenha crescido muito, a essência do Chalé do Italiano ainda é a mesma. As filhas Alessandra e Bárbara se formaram em gastronomia e estão envolvidas com a operação. “A nossa intenção é preparar uma sucessão para as filhas tocarem daqui para frente”, conta Denise.
A única que caiu fora da panela foi Anna Beatrice. Ela se formou em psicologia, atua na área sendo uma referência e não cozinha nem um ovo. Seu marido gerencia o Chalé Pizzaria, uma extensão do restaurante.
E a nova geração tem dado motivos para acreditar que a tradição do Chalé será perpetuada. Guilherme, um dos netos de Alexandre e Denise, tem 14 anos e já cozinha. Faz risoto, macarrão e outros pratos em jantares na sua casa e para os amigos. Ele não é o único. Isabela também mostra interesse em dar sequência ao legado. “Levamos eles pra Itália, onde nasci, fomos em vários restaurantes. Eles sentam aqui, no restaurante e a Isabela olha e fala: Isso aqui ainda vai ser meu”, comenta Alexandre.
Nesse ano de 2024, o Chalé comemora 40 anos de existência. Rolando não está mais presente. Ele partiu no ano de 2008, acometido por um câncer. Uma última homenagem foi prestado ao pioneiro no ano de 2023, quando a Igreja São Camilo reinstalou o sino que Rolando encomendou na Alemanha e doou para a paróquia no ano de 1982.
Para brindar as 4 décadas, Alexandre e Denise preparam uma festa no Chalé, programada para o mês de julho, regada a bons vinhos, música e muita comida com cheiro da Itália.
Porque depois de tanto sovar, o pão cresceu e dá para dividir a massa.
1978
Ivanildo Ramos Vieira
DIPLOMACIA, PACIÊNCIA, RESILIÊNCIA PARA VENCER
Astúcia para se reinventar e carisma para conciliar. Foi exercitando estas duas habilidades que Ivanildo Ramos Vieira saiu de um orfanato para se tornar um homem capaz de provocar a sociedade com seus negócios
Essa história começa na década de 50, quando um baiano vai até o Paraná para ser o empreiteiro em um projeto de desmatamento, abrindo a região que começava a ser colonizada. Edivaldino Ramos Vieira recrutava trabalhadores, a maioria braçais, e colocava a força e o vigor da sua equipe para arrancar a vegetação, abrir o mato e formar as fazendas dessa nova fronteira agrícola. Homem sério, Edivaldino era dono de uma serenidade no trato com as pessoas. Sabia conciliar e moderar, diluindo desavenças com uma simples conversa. Tal habilidade fez com que o baiano conseguisse comandar até 300 homens, alojados em empreitas selvagens, em locais distantes dos conceitos urbanos de lei e ordem.
Nessa época Edivaldino montou um armazém de secos e molhados, entre São Pedro do Ivaí e Bom Sucesso, um lugarejo no norte do Paraná. O estabelecimento vendia mantimentos a granel, anotando na caderneta e recebendo dos clientes no pagamento da safra. Perto do armazém ficava a escola, e do lado a igreja. Quando não estava na escola, Ivanildo ajudava no comércio da família. Nos finais de semana, a igreja era o reduto. “Lembro que tinha uma tradição forte da Folia de Reis, uma festividade que se fazia na igreja. Duas semanas antes, eu e outros da minha idade passávamos nas casas das pessoas angariando donativos para a celebração”, lembra Ivanildo.
Em 1971, quando Ivanildo tinha 13 anos de idade, a família se mudou para Cascavel, a fim de ficar mais próximo da nova empreitada. Sua mãe não se adaptou à cidade e pouco tempo depois deixou marido e filhos, voltando para casa de seus pais, em Jardim Alegre. Ivanildo lembra de ter escolhido ficar com o pai.
Cerca de um ano depois, Edivaldino morre em um acidente de carro. Os filhos ficam sem ninguém. Não havia comunicação e eles mal sabiam a localização do sítio onde a mãe foi morar. Abandonados à sorte, o Estado coloca os 4 irmãos em um orfanato. A instituição albergava cerca de 300 crianças entre meninos e meninas, de várias idades. A gestão do orfanato era feita por Hélio Ênio, um juiz da vara da família que tinha uma vocação para cuidar dos rebentos sem pai.
Mas, no dia a dia, quem monitorava os internos era Renê de Menezes. Ivanildo não lidou bem com o luto e com o abandono. Nos primeiros dias no orfanato, se mostrava como uma criança revoltada – talvez até raivosa. Um dia, Renê decidiu disciplinar Ivanildo, agarrando em sua orelha para puxar. Em um gesto troncho, passou o antebraço na direção da boca de Ivanildo, que reagiu na hora. Cravou seus dentes com tanta força que só soltou quando arrancou um naco de carne do seu inquisidor. “Eu olhei pra ele, com a boca lavada de sangue e falei: ‘o meu pai morreu’”, conta Ivanildo, explicando que, na sua cabeça, apenas seu pai poderia aplicar uma punição daquelas. “Daquele dia em diante, Renê me olhou de forma diferente”, completa.
Já o juiz Hélio gostava de Ivanildo de graça. Em 1972, o magistrado conseguiu um emprego para Ivanildo, na época com 14 anos de idade, como lavador de peças na Camagril, uma loja de máquinas agrícolas. Na época, era comum os pais pagarem para o dono da empresa para que contratassem seus filhos para que pudessem aprender um ofício. Quem pagou para Ivanildo aprender foi o juiz.
Quando Ivanildo fez 15 anos, o mesmo juiz conseguiu uma vaga em um seminário, onde poderia morar e estudar. Ivanildo frequentou o colégio de padres até 1975. “Em uma competição de futebol, nos campos do seminário, um time de fora que veio jogar contra o nosso começou a ser muito violento em campo. Eles batiam demais. A ordem dos padres era fazer como Jesus: dar a outra face, ou seja, não revidar. E não foi isso que eu fiz. Eu passei por um jogador do outro time e disse: ‘se continuar batendo, vai apanhar também’. Quase virou briga”, conta Ivanildo.
No final daquele ano, o jovem acabou sendo dispensado do seminário. Houve uma questão financeira, mas o mau comportamento também pesou. Nesse tempo, a mãe de Ivanildo já tinha aparecido e pegado seus filhos no orfanato, mas ele decidiu não ir. Continuou em Cascavel e foi pedir emprego, novamente, na Camagril. Foi contratado para trabalhar na seção de peças, agora com salário. Metade ia para a República, criada pelo juiz para abrigar os internos que já tinham alcançado a maioridade. O valor pagava pelo teto, pela comida e pela roupa lavada.
Ivanildo se encaixou na empresa. Evoluiu rápido e começou a progredir na função. Renê, o monitor do orfanato, estava trabalhando como vendedor de peças na Camagril. Em 1977, Renê recebeu um convite para ser gerente de vendas em uma revendedora da CBT (Companhia Brasileira de Tratores), que seria aberta na cidade de Sinop. O antigo monitor do orfanato chamou Ivanildo para ser parte da equipe. “A Camagril era uma empresa grande, com uma hierarquia. Para eu chegar a ser gerente de peças tinha 25 funcionários na minha frente. No Mato Grosso seria diferente, porque a loja estava começando do zero. A empresa me ofereceu o dobro do salário que eu ganhava em Cascavel, mais um ano de alojamento como cama, comida e roupa lavada. Não tive dúvidas”, conta Ivanildo.
Ele pediu demissão e seus documentos foram remitidos para Maringá, onde a empresa procederia com a contratação. O registro em carteira foi feito em julho de 1977, pela Rodolfo Bernardes S.A. “Fiquei dois meses passeando e recebendo salário”, conta Ivanildo. A previsão era de mudar para Sinop em outubro, mas os processos atrasaram e depois veio o período de chuvas. Ele partiu do Paraná só em fevereiro de 1978, chegando em Sinop no dia 4 de março de 1978, devido às condições precárias da BR-163.
Em Sinop, Ivanildo tinha o status de gerente de peças da Robermaq Tratores, como foi chamada a revenda e oficina CBT, o trator que abriu o Mato Grosso. Acabou descobrindo que na verdade era gerente de si mesmo, já que não haviam mais funcionários. Com 6 meses no novo trabalho comprou um Maverick Bordô. Carros eram uma paixão à parte. “Tive mais carros do que namoradas. Na verdade, bem mais carros. Dos clássicos que todo mundo queria só não tive Gordini e o DKV. O resto tive tudo”, pontua Ivanildo.
Todos os meses um representante da Husqvarna passava por Sinop. A cidade madeireira era um ótimo lugar para vender a motosserra da marca, a primeira com sistema de amortecedor, que reduzia a vibração. A Robermaq não queria pegar a representação para revender Husqvarna, mas Ivanildo achou que seria um bom negócio. Então chamou o representante para almoçar e falar do seu interesse. “Ele disse para mim que não seria possível, porque eu não tinha uma empresa já constituída, que desse confiança para a marca e nem capital necessário para fazer o investimento. Eu respondi que resolveria isso, e que no próximo mês, quando ele voltasse do Pará e passasse por Sinop, tudo estaria certo”, conta Ivanildo.
No mesmo dia ele foi até a Casa das Motosserras, uma oficina de propriedade de Roberto, popularmente conhecido como “Neguinho”. Ivanildo propôs uma sociedade e Roberto respondeu que não faria sociedade nem com a mãe. “Então eu expliquei que estava propondo uma sociedade moderna. Ele faria a manutenção e mecânica. Eu compraria o ferramental das motosserras para sua oficina e eu ficaria com a venda das máquinas novas, na loja. Mudaríamos para um prédio maior e teríamos dois caixas na empresa, um para cada coisa”, comentou Ivanildo.
Roberto aceitou. E foi assim que, em 1980, Ivanildo se demite da revenda CBT para ser representante Husqvarna em Sinop e região, dentro da Casa das Motosserras. Para Ivanildo, Roberto é o melhor mecânico de motosserras do mundo, talento que ajudou o negócio prosperar. “Deu tão certo que chegamos a comprar cargas fechadas, com 500 motosserras. Cheguei a vender 300 motosserras de uma só vez para uma empresa. Logo estávamos mudando para um prédio bonito, de alvenaria, na BR-163. A maioria das empresas da cidade ficava em prédios de madeira”, pontua o empresário.
Nesse período, Ivanildo começou a namorar com Solange. Eles se conheceram ainda em 1978, na 1ª turma de Contabilidade do Colégio Nilza de Oliveira Pipino. “Mas a gente não se bicava”, lembra Solange. Ivanildo tinha um visual excêntrico. Ao invés de comprar camisas em uma loja, como uma pessoa normal, ele comprava tecidos estampados, desses usados para fazer almofadas e tapeçarias e então mandava costurar. O resultado eram camisas ultra chamativas, com pavões, onça, tigre... no melhor estilo Agostinho Carrara. E com esse visual ele foi para o Baile do Flashback, no Barbante, uma espécie de bar danceteria que tinha na Avenida Júlio Campos. Levou consigo um vinil compacto, com duas músicas. Uma delas era “Hola, Amor Mio”, do cantor Manolo Otero. No meio da festa, Ivanildo entrega o disco para o DJ e pede para dedica-la a Solange. No meio da pista, com direito a globo de espelho e luzes de discoteca, os dois dançam e desse encontro brega romântico nasce um relacionamento que perdura até os dias de hoje.
Eles se casam em 1982. No mesmo ano, o Incra (Instituto Nacional da Reforma Agrária) começa a abrir Guarantã do Norte. Roberto quis ir para a nova cidade e abrir uma loja própria. Ele já havia começado a vender bicicletas e imaginava que em Guarantã mesclaria a nova atividade com a oficina de motosserras. E foi assim que em dezembro de 1982 eles desfazem a sociedade.
Nesse mesmo final de ano, Ivanildo abasteceu o estoque de peças e motosserras e foi passar um mês de férias no Paraná. Ele se lembra de ter visto passando na TV Globo uma notícia de que o Governo Federal estava comprando 50 mil motosserras e 500 tratores do tipo Skide. O equipamento seria usado para fazer a extração de madeiras na área que seria inundada pelo lago da usina hidrelétrica de Tucuruí, no Pará. A barragem inundou uma área de 2,8 mil quilômetros quadrados, onde se estimava ter 2,5 milhões de metros cúbicos de madeira potencialmente comercial. “Na hora que vi a notícia não me dei conta do impacto que causaria em Sinop. Quando voltei, um mês depois, estava tudo fechado. Parecia que a cidade tinha morrido”, lembra Ivanildo.
A madeira extraída em Tucuruí saia de graça, sem imposto. Só tinha o custo de frete. Sua abundância minou o mercado, fazendo com que o preço da madeira tropical despencasse pela metade, inviabilizando a atividade em Sinop. Para piorar, o governo de Mato Grosso elevou a pauta para cobrança do imposto sobre a madeira de 8 Cruzeiros para 14 – sendo que o preço real não passava de 12. “Das quase 2 mil madeireiras que atendíamos no Norte de Mato Grosso sobraram cerca de 10%. Quem não quebrou naquela época foi quem conseguiu fechar antes. Foram 4 anos de uma crise violenta que levou muita gente para a estaca zero”, conta Ivanildo.
A sua empresa dependia quase que exclusivamente do setor madeireiro. E ninguém estava pagando as contas. Quando conseguia receber algo era uma carga de madeira, que levava para tentar vender em Cuiabá pela metade do que valia. Logo Ivanildo passava mais tempo cobrando do que vendendo, o que matou a atividade. Com um bloco de dívidas para receber, ele se encontra, em Curitiba, com o advogado Odacir Ramos Vieira. O advogado se oferece para vir a Sinop e prestar uma assessoria nas cobranças.
E foi assim que em 1983 Ivanildo instala em Sinop um escritório do SEPROC (Serviço de Proteção ao Crédito) – um precursor do SPC e Serasa. Não havia computador na cidade e poucas empresas tinham telefone. Então o serviço rodava no “analógico”. O que Ivanildo fazia era filiar empresas, em um sistema de assinatura com a mensalidade no valor de um salário por mês, e montar uma lista com os devedores dessa empresa. A “Lista Negra dos Inadimplentes” era multiplicada com um mimeógrafo e as páginas distribuídas pelo comércio local.
No auge, Ivanildo chegou a ter 200 clientes no seu “sistema” de proteção. O Banco Bradesco não liberava talões de cheques para quem estava na lista do Seproc, o que era um inconveniente para quem tentava rolar as dívidas passando promessas de pagamento. “Um dia um cliente chegou bravo no escritório com um revólver 38. Era um madeireiro da cidade. Ele colocou a arma em cima da mesa e pediu quem era o dono desse tal de Seproc. Eu disse: ‘pra ser sincero, eu não sei quem é’. Com muita calma lidei com a situação e expliquei que para ele sair da lista, precisava pagar a dívida. Ele então pediu uma carta do Seproc, dizendo que a dívida estava paga, para então ir ao banco, pegar um talão de cheques e quitar a conta. Ele passou 10 folhas de cheque para pagar a conta”, relembra Ivanildo.
No ano de 1983 nasce Rebeca, a primeira filha do casal. Um ano depois a pequena tem um quadro complexo de pneumonia e precisa ser conduzida para Cuiabá. A doença é duradoura e por um período Solange e Ivanildo precisaram sair de Sinop e levar a filha para a capital, onde havia estrutura para tratar. “Um dia o médico disse: ‘se o seu carro quebrar na estrada, sua filha morre’. Vendemos tudo que tínhamos em Sinop e nos mudamos para Cuiabá”, lembra Ivanildo.
Nessa época, em 1984, Ivanildo já tinha comprado o escritório de contabilidade Carvalho, que também foi passado a diante. O Seproc de Sinop acabou encerrando as atividades quando a CDL foi fundada, trazendo o SPC. Mas em Cuiabá não tinha Seproc e nem CDL. Então Ivanildo fechou uma parceria com a Associação Comercial e Empresarial da capital implantando o serviço de cobrança. Em 2 meses, a assessoria de cobrança já não cabia dentro da Associação, devido ao grande fluxo de clientes.
Então ele aluga um prédio próprio e funda a Inferno Assessoria de Cobrança, com direito a um tridente na logomarca. “Nos mandávamos uma carta para o devedor dizendo que se não pagasse a dívida, sua vida ia virar um inferno e o diabo iria para sua porta”, conta Ivanildo, em tom de humor.
Mas o “marketing do capeta” era real. Ou quase. A Inferno tinha uma equipe de mulheres que usavam como uniforme um jaleco vermelho, com tridente bordado. Sua função era ficar em pé, em frente à residência ou comércio de quem estava devendo, o dia inteiro. Era mais do que o suficiente para que todos que passassem por ali soubessem que naquele local tinha um “caloteiro”. O constrangimento dava resultado. A Inferno chegou a ter 12 telefonistas para atender a demanda.
Mas quando a Constituição Federal de 1988 estava para ser aprovada, Ivanildo já percebeu que as novas leis acabariam com seu Inferno pessoal. Era hora de achar um novo negócio, talvez algo mais parecido com o Éden. Em um final de semana, em uma festa no Coxipó do Ouro, Ivanildo conheceu uma casa de campo, com um sítio, nas margens do rio. O empresário conversou com o proprietário e apresentou a ideia de fazer um “clube de campo” naquele local, um espaço onde as pessoas da cidade pudessem vir passar um momento de lazer. Ivanildo acabou arrendando o espaço por 5 anos, por um valor de 5 salários mínimos por mês.
Ele investiu na infraestrutura e começou a vender cotas para associados. Mandou uma carta para 10 mil “clientes/devedores” da Inferno, junto com um boleto para ter acesso ao Paraíso. Em 30 dias ele tinha vendido 5 mil cotas. E assim, no Coxipó, nascia o 1º Camping Clube.
O empresário ainda finalizou e administrou por 2 anos outro Clube em Várzea Grande, além do Aquárius Country Clube em Cuiabá. Então criou a “Carteirinha Interclubes”, que permitia acessar os 3 locais com uma única assinatura.
Em um ano e meio, Ivanildo já tinha viabilizado 3 clubes. Havia chegado a hora de comprar uma área e fazer o seu. O imóvel escolhido tinha 6 hectares e fica cerca de 150 metros da Avenida da FEB. “Eu já tinha vendido 5 mil títulos. Toda a infraestrutura estava pronta. Uma semana antes da inauguração deu um vento que varreu tudo. Só sobrou as piscinas”, conta Ivanildo. Tudo foi refeito com uma força-tarefa e o parque reabriu no dia previsto da inauguração.
O clube se viabilizou e era lucrativo. Em 1990, nasce Bianka, a segunda filha do casal. Em meio a alegria, nova derrota. No dia 16 de março de 1990, Fernando Collor de Mello assume a presidência da República, decretando o Plano Collor. A partir daquele momento, todos os depósitos em conta com valores acima de 50 mil Cruzados seriam congelados por 18 meses. Foi com esse saldo que Ivanildo e seu clube amanheceram naquele dia. O bloqueio tirou o dinheiro que ele tinha para gerir o parque. Assustadas, as pessoas cortaram o lazer. O número de sócios despencou de 5 mil para 1,8 mil.
Fisgado por Sinop
Com o clube inviabilizado, Ivanildo começa buscar alternativas. Em 1991, ele faz uma viagem para Terra Nova do Norte, onde ajudaria um amigo a fazer a cobrança de uma dívida de alto valor – e assim ganharia uma comissão. Na volta, o seu carro começou a engasgar e, quando passou da Sinop Agroquímica, morreu por completo. Com o embalo, Ivanildo conseguiu chegar até o “Boteco Jacutinga”, um pequeno prostíbulo do lado do Rio Curupi. Ali avistou um caminhoneiro lavando a carreta no córrego. Foi até o bar, pegou duas cervejas e ofereceu uma para o viajante. Depois, pediu um favor, para que rebocasse seu carro até a Retífica Rey. “Eu nem ia parar em Sinop, mas com o carro quebrado, tive que esperar o conserto”, lembra.
O reparo ia demorar uma semana. Nesse tempo foi visitar Dirceu Bernardes, seu antigo patrão na CBT. Ficou hospedado na casa do Paulo, da MACON. Por costume, decidiu também ver como estava o clube social do Sinop F.C., do qual tinha feito parte na sua primeira passagem pela cidade. A estrutura estava abandonada.
O presidente da época era Dalton Martini. Ivanildo se reuniu com ele e disse que poderia ajudar a reativar o clube social. Propôs então reabrir a sede, vender os títulos captando novos associados e em troca de 50% do que fosse arrecadado nessa ação. “Ele não entendeu o que eu estava propondo. Cheguei a perguntar para ele quanto era 50% de nada, porque eu tinha dito que não cobraria nada e ele achava que eu ia ganhar metade. Metade de nada pra mim, metade de nada pra ele. Então me ofereceu 30%, mas 30% não cobriria os custos”, revela Ivanildo.
Depois dessa conversa, o empresário passou na Dimel para se despedir de Paulo. Lá viu um cara de óculos escuros, bigodão, sentado esperando. Paulo pergunta sobre o projeto do Sinop F.C e Ivanildo responde. Eis que o senhor se levanta, tira os óculos e fala: ‘de jeito nenhum’.
O cara sentado era Waldemar Brandão, patrão do CTG Porteira da Amazônia. Brandão leva Ivanildo até a sede do CTG, tentando convencer o empresário a realocar o projeto que pensou para o clube de futebol. O empresário pede uma hora. Nesse tempo rascunha cálculos nas pranchetas e dimensiona sua ambição. Por volta das 15h, Ivanildo apresenta as contas, Brandão concorda e convoca uma assembleia extraordinária para aquela noite.
A casa lota. No resto da tarde, Ivanildo contratou um pintor e fez faixas com o novo nome do clube. Sai o CTG a Porteira e fica só Amazônia Clube. “Porque evoluir é preciso”, dizia o bordão nos cartazes. A proposta incluía a destinação de 20% arrecadado com a ação para construir a sede aos tradicionalistas do CTG. Os sócios votaram e acataram. Surgia nesse momento o Amazônia Clube.
Ivanildo conseguiu vender 3,5 mil títulos com sua ação. Em 6 meses ele comprou um terreno e construiu um sobrado de alvenaria na Avenida das Figueiras. Sua família se mudou para a cidade. Mas mal esquentou a casa. O empresário trocou o imóvel no centro da cidade, que em 1993 estava avaliado em 400 mil dólares, por uma área de 101 hectares na beira de um córrego, perto do entroncamento da BR-163 com a MT-220. “Me chamaram de idiota. Eu sabia que a Solange não ia concordar. Área, longe assim da cidade, não valia nada na época”, expõe Ivanildo.
Ele havia se encantado com a beleza do local, com o lago e a natureza. Achava que poderia replicar ali o que fez no Coxipó do Ouro. E assim, em 1993, ele começa a construir uma portaria e abrir a avenida no Camping Clube, um lugar para as pessoas terem uma casa de campo e um espaço de lazer.
Ele começa a fazer churrascos nos finais de semana, convidando pessoas de toda região para vir a Sinop. E então oferecia um título nesse clube e um lote. O primeiro contrato foi fechado em junho de 1993 e a moeda corrente, sacos de cimento. Isso porque a inflação e a variação monetária no período pré-plano real tornava esse tipo de acordo arriscado. “Vinculado ao título, a pessoa recebia acesso a uma fração da área para fazer uma casa de final de semana, um chalé ou mesmo vir acampar”, explica o empresário.
Mais de 2 mil lotes são vendidos no primeiro ano após o lançamento, cerca de 50% do empreendimento. Ivanildo começa a comprar outras áreas no entorno até chegar em 400 hectares. Em 1994 a primeira linha de energia chega até o Camping Clube, ainda ligada aos geradores a diesel da Rede Cemat.
Ivanildo e Solange se tornaram ciganos dentro do próprio negócio. Começavam a construir uma casa para morar e quando estava pronta, acabavam vendendo para algum interessado. Foram 14 moradias diferentes dentro do Camping desde a fundação.
No começo dos anos 2000, o Camping vivia um auge. Nos finais de semana, mais de mil pessoas lotavam os espaços de lazer. O lago chegou a ter 10 jetskis ao mesmo tempo. Haviam muitos convites sendo distribuídos por quem comprava e o clube começava a ter problemas de convivência. “Costumo dizer que de portaria para porcaria é uma letra de diferença. Se funcionar bem, desagrada. Se funcionar mal, também”, brinca Ivanildo, falando do problema de barrar acessos e comprometer o sucesso do empreendimento.
Muitos encontraram no Camping um local para sua primeira residência. Uma casa podia ser comprada com uma mensalidade de um salário e meio – que era o equivalente a um aluguel barato na cidade. Aos poucos, a população residente foi aumentando, chegando a ser 30% dos donos. Em paralelo, Ivanildo tocava o negócio do lado de fora da portaria, vendendo áreas maiores para indústrias e empresas, criando um ecossistema autossustentável que acabou tornando o Clube em um bairro. “Em dado momento, o Camping já tinha umas 60 casas, e o único carro era o meu. As pessoas não tinham transporte. O veículo era a bicicleta. Foi quando eu dei terrenos com a TCS [empresa que faz o transporte coletivo na cidade] e paguei o motorista, para abrir uma rota, e vezes ao dia, até o Camping Clube. Assim mostrei que era viável. Hoje o Camping tem ônibus de hora em hora”, pontua Ivanildo.
À medida que o Clube ganhava população própria surgia a necessidade de uma liderança política. O “novo bairro” precisava da presença do Estado. E Ivanildo foi alçado de forma natural ao posto de líder dos moradores do Camping. Em 2000, ele se candidata vereador pelo PMDB e se elege com 1.156 votos. Sua principal bandeira é justamente o transporte coletivo, reivindicando um terminal no centro, outro no Boa Esperança e vale transporte para os empregados de grandes empresas.
Como vereador, ele ajudou a intermediar a extensão da rede de energia elétrica para a instalação do armazém da ADM, próximo ao Camping. Fez a parte industrial do bairro avançar e conseguiu incluir o Camping no perímetro urbano da cidade.
Habilidades políticas
Ivanildo se tornou um eficaz articulador político, por sua habilidade de conversar e conciliar. Seu jeito paciente azeitava as relações mais ásperas. Em 2004, quando o então prefeito Nilson Leitão preparava sua reeleição, o esperado era de que Ivanildo o apoiasse. Mas em determinado dia, após um comício, o governador Blairo Maggi veio até a sua casa, com sua comitiva de 100 pessoas. O governador pediu para que Ivanildo apoiasse seu candidato, Baiano Filho, para prefeito. Ivanildo já havia solicitado junto ao Estado a construção de uma escola, um campo de futebol e uma quadra coberta para atender a população residente no Camping. Blairo listou essas coisas, colocando suas fichas de barganha sobre a mesa. “Então disse ao Blairo: ‘o senhor sabe que o Baiano não ganha’. Ninguém tinha falado isso para ele. Mesmo assim ele insistiu no apoio e fez o compromisso de construir uma escola no Camping”, revela Ivanildo.
Baiano de fato perdeu aquela eleição, mesmo com o poder e influência do Rei da Soja. Mas o pacto foi mantido. Em 2006 é inaugurada a Escola Estadual Renê de Menezes – o mesmo nome do monitor do orfanato que Ivanildo arrancou um pedaço de carne do braço com uma mordida.
O Estado ainda ergueu no Camping uma quadra coberta e um campo de futebol. Nos anos seguintes, Ivanildo conseguiu trazer para seu empreendimento um posto dos Correios, um posto de saúde, uma escola municipal com 12 salas e uma creche para 356 crianças.
Em 2009, ele volta para cena política como Secretário de Governo na gestão Juarez Costa. Logo no início, a administração enfrenta conflitos com Mauri Rodrigues de Lima na Secretaria de Obras. O prefeito entrega para Ivanildo a carta com a exoneração de Mauri. Ivanildo se nega a cumprir, afirmando que Mauri era o mais competente do secretariado e como tal precisava ser aproveitado. Ivanildo então se afasta da Secretaria de Governo para que Mauri ocupe seu lugar – em um intervalo que durou 60 dias. Nesse tempo, Ivanildo convence Mauri a se empenhar nas negociações para a vinda do Centro de Pesquisas da Embrapa, que estava em vias de se instalar em Sorriso. “Eu falei para o Mauri que ele tinha uma importante missão para Sinop que era fincar a Embrapa aqui”, lembra Ivanildo.
A gestão consegue cravar a Embrapa em Sinop. Ivanildo retorna ao seu posto da Secretaria de Governo onde fica até 2012. Depois, ainda teve uma passagem pela Secretaria de Indústria e Comércio. Sua esposa, Solange, disputa o pleito de 2012 e fica na suplência, assumindo a vaga de vereadora por 6 meses.
Ivanildo, então, volta para o Camping, trabalhando para completar o ciclo de evolução do seu empreendimento. Em agosto de 2021, o bairro é regularizado perante ao município como loteamento. Em janeiro de 2024, cerca de 30% das propriedades já estavam escrituradas. Atualmente, o Camping conta com 1.280 residências, onde vive uma população de 6.100 pessoas. Na parte industrial, são 36 empresas que geram cerca de 2,2 mil postos de trabalho.
Quando não está empenhado com o Camping, Ivanildo e Solange se dedicam às netas Maria Clara, de 4 anos, e Violeta, além é claro do “gerente”, o pequeno Fernandinho, o neto caçula. “Onde está o seu tesouro está o seu coração. O meu tesouro está aqui, em Sinop, no Camping. É aqui que tenho meus negócios, minha família e onde me sinto útil. Não há forma melhor de viver”, finaliza Ivanildo.
1978
Sigfrid Kirsch - Zico
UMA VIDA ALINHADA NASERRA
Zico chegou menino em Sinop, na boleia do caminhão do pai e viu a cidade dar uma oportunidade ímpar para sua família. Com a madeira, a vida de uma geração foi beneficiada e o jovem que um dia foi cortador de grama, hoje exporta as mais nobres peças para casas e prédios da Europa
Se alguém for produzir algum tipo de conteúdo sobre a exportação de madeiras em Sinop, certamente irá citar Sigfrid Kirsch. Esse é o nome de batismo do empresário e fundador da Zico Madeiras. Além de comandar uma empresa que exporta madeiras beneficiadas para Europa há 24 anos, Zico também é uma liderança ativa na representação dos madeireiros, fatores que o credenciam a falar sobre como uma árvore da Amazônia vira um piso em um chalé na França. O que pouca gente sabe é como foi essa trajetória. No começo de tudo, Zico estava tão longe de ser um grande industrial da madeira quanto uma itaúba está da Torre Eiffel.
Zico nasceu no dia 17 de agosto de 1966, em Marechal Candido Rondon, uma cidade no Oeste do Paraná que faz fronteira com o Paraguai, com forte presença de descendentes de imigrantes alemães anteriormente estabelecidos no Rio Grande do Sul. Ele é um dos 4 filhos de Geraldo Kirsch e Elsira Passold, que viviam em uma pequena propriedade rural.
Em 1969, quando Zico tinha 3 anos de idade, seu pai compra um caminhão para trabalhar e a família deixa a roça para morar em Maripá, que na época era um distrito. Na infância, com 9 anos de idade, Zico vendia frangos e frutas na cidade para ajudar na renda da casa. A vida era simples, mas boa. Os parentes todos viviam próximo e a família tinha uma sensação de pertencimento na cultura local.
O trabalho como caminhoneiro era menos sofrido que a roça, mas estava longe de ser uma forma tranquila de prover uma família grande. Em 1976, Geraldo é chamado para fazer um frete incomum. A proposta era para levar pessoas para conhecer uma cidade recém-aberta no Norte de Mato Grosso. Quando retorna ao Paraná, Geraldo fala para sua família sobre um esplendor que se alvorava para além do cerrado. “Meu pai sentiu que Sinop iria crescer e que a gente poderia crescer também, junto com a nova cidade”, conta Zico.
Por dois anos, Geraldo levou mudanças de paranaenses que migravam para Sinop. Em agosto de 1978, decidiu levar a própria. Na carroceria do seu caminhão Chevrolet toco colocou uma picape Willys 75 e na caçamba da picape um barco. Com a mudança arrumada, Geraldo, sua esposa e três filhos, Zico, Alfredo e Célia, partiram para o Norte de Mato Grosso.
Mas pararam bem antes. Chegando em Dourados (MS), o motor do caminhão fundiu. Todo o dinheiro guardado para começar a nova vida ficou na oficina. Passaram dias esperando o conserto. Quando enfim ficou pronto, retornaram à estrada. Quinze dias depois de ter saído de Maripá, a família para na margem do Rio Nandico para fazer o almoço. Na parada, acabam encontrando um viajante fazendo a mesma escala. Era Pedro Pepita que estava vindo conhecer Sinop. Anos depois, Pedro abriria um hotel na cidade.
A família chega horas depois em Sinop. Se hospedam na casa de alguns conhecidos, que também migraram do Paraná. Nos dias seguintes, alugam uma casa na Rua das Caviúnas, perto da Rua das Primaveras, praticamente o limite urbano da cidade na época. Na casa simples de madeira os Kirsch descarregam a mudança e se estabelecem.
Zico tinha 12 anos de idade nessa época. A cidade não tinha energia elétrica e não pegava rádio. No começo, sentia saudade dos parentes e estranheza com a língua. Quando estavam no Paraná, eles praticamente só falavam em alemão. E em Sinop se forçaram a usar o português. Tão difícil quanto mudar o hábito foi perder o sotaque.
O jeito de falar rendia boas risadas na sala de aula da Escola Nilza de Oliveira Pipino, onde Zico foi matriculado. Na sua sala também estava o jerson Leitzke, da Transterra, Jonas de Paula, Helder Umburanas e Aroldo Fávero.
O plano de Geraldo era vender o caminhão e a picape Willys e comprar um sítio em Santa Carmem, mas acabou não dando certo. Enquanto não conseguia fechar um negócio, começou a trabalhar em uma madeireira. Por dois anos foi funcionário da serraria, até que, em 1980, alugou uma pica-pau, perto da BR-163, nos fundos de onde atualmente é a Comagram.
Com isso, Zico parou de vender picolé na rua e passou a trabalhar na serraria alugada pelo pai, junto com o irmão. Um ano depois conseguiu um emprego, como office boy do Hospital Dois Pinheiros. Ele trabalhava no período da manhã fazendo os serviços de banco, pagamentos e cobranças para o médico Jorge Yanai, e na parte da tarde como jardineiro, frequentando a escola na parte da noite. “Um dia eu cheguei no depósito de materiais de construção Bruno Martini e falei: ‘eu preciso comprar uma máquina de cortar grama, mas eu não tenho dinheiro: você me vende a máquina, eu vou cortar a grama e quando receber eu venho pagar’. Toda segunda-feira eu levava um pouco de dinheiro. Foram uns 3 meses até conseguir pagar”, lembra Zico.
Zico ia de casa em casa oferecendo seu serviço e acabou fazendo sua clientela. Em 1985, com 19 anos de idade, conclui a escola e começa a trabalhar na Ferragem Progresso. Quando encerrava o expediente às 18h, corria ao Bradesco, onde ficava até a meia-noite. Ele ajudava a fazer o processamento de dados do banco. Cheques e registros de transação de toda a região eram processados nesse horário, estabelecendo a comunicação com Campo Grande (MS). “Eram horas fazendo os lançamentos e a energia elétrica oscilava muito. O computador desligava e não salvava. Era uma jornada desgastante trabalhar em dois empregos, todos os dias, mas eu não tinha opção. Era isso ou eu não crescia na vida”, comenta Zico.
Nos finais de semana, Zico congregava na Igreja Luterana, onde foi presidente do Grupo de Jovens. Depois de um ano na jornada dupla, Geraldo chamou Zico para trabalhar na madeireira, uma vez que seu irmão havia saído.
É nesse período que Zico conhece Beatriz Appel. Eles se encontram algumas vezes na igreja, conversam e começam a namorar. Mas a família de Beatriz decidiu se mudar para Joinville (SC). Com todas as dificuldades de comunicação, o casal mantém o namoro à distância por um ano e meio. Em uma das cartas trocadas, chegam à conclusão de que precisam casar.
O ano era 1990. Zico junta suas economias e viaja com dinheiro para 3 passagens: uma para ir e duas para voltar. Eles se casam em Joinville e retornam para Sinop. “Foi a coisa mais acertada que eu já fiz na minha”, revela Zico.
Em maio de 1991, nasce Leandro, o primeiro filho do casal, e em março de 1995, Letícia vem ao mundo. No Nortão, Zico mergulha na atividade madeireira. Trabalha firme com o pai até 1995, quando os dois têm uma conversa e Zico pede para comprar a parte de Geraldo na serraria. Com 29 anos de idade, Zico assume o negócio e combina um valor de aluguel para pagar aos pais.
Quando Zico pega o negócio, a serraria era uma pica-pau com uma plana, com 6 funcionários, que trabalhava serrando itaúba. Três anos depois, em 1998, ele abre sua própria serraria, a Zico Madeiras.
O empresário começa a trabalhar com beneficiamento de madeira. Com a ajuda de um grupo de madeireiros da cidade, começou a se organizar para exportar. Ele foi para a Alemanha para entender o mercado. Comprou equipamentos e treinou a equipe para começar a produzir decks de Angelin.
A indústria cresce e prospera. Todo o negócio é centralizado em sua figura empresarial. Não se comprava ou se vendia uma ripa na Zico Madeiras sem passar pelo dono. Isso até Zico cair de cama.
O ano era 2001. Zico já havia perdido seu pai naquele ano, acometido por doenças. Ele começa a sentir uma perda de fôlego, que se torna gradual. Decide procurar um médico, que faz um Raio-X do pulmão, avalia o exame e manda Zico ir procurar atendimento em Cuiabá. O diagnóstico era pneumotórax. Assim que chega na capital, o médico avalia Zico e não o deixa sequer tomar um banho, encaminhando o paciente direto para cirurgia. “O pior foi o psicológico. Aquela situação me fez pensar que eu iria morrer. Nessa hora passa pela cabeça sua família, como vão ficar sua esposa e filhos. Foi desesperador”, conta o empresário.
Após a cirurgia, Zico fica internado uma semana em Cuiabá. Como seu quadro não melhorava, foi transferido para um hospital em Porto Alegre, onde passou mais 3 semanas internado e acabou retirando por completo seu pulmão esquerdo. “Era eu em uma cama de hospital, sem fôlego, com um celular, tentando gerir a empresa a quilômetros de distância. De um jeito duro, eu aprendi a terceirizar responsabilidade e delegar poder. Até para que a empresa possa crescer é preciso delegar. Não é possível fazer tudo sozinho”, ensina Zico.
Entre 2002 e 2003, o mercado para o produto que a Zico Madeiras fabricava estava ruim. Com o negócio em queda, o empresário sente que só tem duas alternativas: ou deixa o segmento e vai empreender em outra atividade ou cresce e se torna uma indústria de fato. Zico faz investimentos pesados e organiza a sua linha de produção para fabricação em grande escala, suficiente para vender em contêiner fechado. Focando na exportação e na produção em volume, ele consegue se manter no negócio e ampliar.
Isso até 2004, quando estourou a Operação Curupira – uma ação de fiscalização ambiental e repressão realizada pela Polícia Federal. Zico já era diretor do Sindusmad (Sindicado das Indústrias Madeireiras). Hoje, 20 anos depois, o empresário vê a operação – e as demais que vieram em sequência – como uma perseguição declarada ao setor madeireiro, com toque de terrorismo psicológico. “Meus filhos pegaram trauma de madeireira. Eles diziam que não queriam ser presos. Os funcionários ficavam assustados, pedindo se os policiais federais armados iriam vir na madeireira. Eu pensei em fechar a empresa, mas havia dedicado tantos anos nisso. Não parecia ser o certo a fazer”, conta Zico.
Imediatamente após a Operação Curupira, várias madeireiras fecharam e nunca mais abriram. Estima-se algo em torno de 250 empresas. O Ibama local foi completamente espoliado, com vários funcionários presos, e os que ficaram no trabalho temiam punições. O setor parou e a empresa de Zico não foi diferente. Por um ano, a indústria ficou estagnada. A atividade só voltou a fluir em 2005, quando o então governador Blairro Maggi promove a Fema (Fundação Estadual de Meio Ambiente) para SEMA (Secretaria de Estado de Meio Ambiente), criando assim uma pasta que assumiria os processos relacionados à atividade madeireira. No dia 24 de janeiro de 2006, o Estado aprova a habilitação da primeira madeireira para trabalhar com exploração e transporte de madeira. “Com o Estado na intermediação, melhorou o trato. Era difícil lidar com o Ibama”, revela Zico.
Mesmo assim o setor nunca mais foi como antes das operações. O número de madeireiras em atividade caiu. Por outro lado, as que ficaram se profissionalizaram e o setor como um todo passou a se organizar de forma mais estratégica, tentando combater o estigma de “destruidores da Amazônia”. “O mais interessante é que durante a crise, em função das operações ambientais, o mercado para quem exportava para a Europa estava aquecido. O cliente final não ligou”, pontuou Zico. “Eu sou um defensor do sistema de manejo florestal, que mantém a floresta em pé e gera riquezas através da atividade madeireira. O madeireiro depende da floresta em pé para trabalhar e é ideal que seja assim. Acredito que as operações acabaram sendo uma peneira para o setor, que selecionou quem estava mais preparado para trabalhar da forma correta”, completou o empresário.
Esse despertar para um novo modelo de atividade de base florestal, Zico tem nessa fase pós-operações ambientais. De 2006 em diante, o empresário começa a participar de grandes feiras e eventos do setor, expandindo sua visão. Em 2016, aos 50 anos de idade, ele é eleito presidente do Sindusmad. No comando da mais importante atividade do setor, Zico reúne pequenos empresários do segmento, estimulando para que entrassem no mercado de exportação – basicamente criando novos concorrentes para sua empresa. “Sobre concorrência eu penso o seguinte: na (rua) 25 de Março, em São Paulo, tem 200 lojas que vendem bolinha de pingue-pongue. E todas vendem porque quando alguém quer comprar uma bolinha sabe que é ali que tem. Com a madeira é a mesma coisa. O mercado internacional tem que vir para Sinop porque sabe que é aqui que tem o produto que eles precisam. A cidade tem que ser como uma ‘grife’ para quem importa madeira”, explica Zico.
Depois de 3 anos na presidência do Sindusmad, ele deixa o cargo. É em 2019 que sua empresa tem o maior pico de crescimento. A passagem pelo sindicato ajudou a abrir portas, que depois viraram contatos comerciais e caminhos para a madeira do Norte de Mato Grosso chegar na Europa. Naquele ano, Zico também faz uma visita a uma grande feira do setor, em Nantes, na França.
No ano de 2020, a Zico Madeiras chegou a exportar 20 contêineres por mês – o equivalente a 440 metros cúbicos de deck pronto para uso. O produto que sai da sua empresa é o deck das essências Itaúba, Ipê, Cumaru e Garapeira. As peças de madeira revestem edificações pela Europa – seu principal comprador –, Estados Unidos, Caribe e na gigante China, mercado que passou a conhecer melhor em 2023, quando visitou uma feira no país asiático.
Em 2024, a Zico Madeiras tem uma planta industrial moderna, avaliada na casa dos R$ 12 milhões. São 65 funcionários na operação. A empresa compra madeira de serrarias do Norte do estado e faz o beneficiamento. “A atividade madeireira e o interesse para madeira não vão acabar nunca. O Mato Grosso tem muito potencial para ser o grande exportador mundial de uma matéria prima limpa, nobre e renovável. Hoje, existem 4,3 milhões de hectares de áreas privadas que têm projetos de manejo florestal. Até 2030, acredito que esse montante chegue a 7 milhões de hectares. Esse é o futuro que vejo para essa indústria”, avalia Zico.
Atualmente, o empresário continua fazendo parte da diretoria do Sindusmad e também representa a indústria nas diretorias do Cipem (Centro das Indústrias Produtoras e Exportadoras de Madeira) e da FIEMT (Federação das Indústrias de Mato Grosso). Ele também é vice-presidente do Fórum Nacional de Base Florestal e presidente da Paróquia da Igreja Luterana.
E ainda sobra tempo para a família. Zico é bastante apegado ao lar e tem hábitos bem caseiros. Seus filhos fincaram raízes em Sinop. Leandro, o mais velho, administra a Sanitiza, uma empresa de limpeza residencial e industrial que abriu com o pai em 2016. Letícia se formou em odontologia na UFPR (Universidade Federal do Paraná) e fez uma especialização em odontopediatria em São Paulo. Ela atende durante o dia em sua clínica e à noite dá aulas em uma faculdade privada da cidade.
E para Zico isso é importante. Ele gosta muito de Sinop e diz não se ver morando em outro lugar. Embora viaje bastante, prefere sempre dormir na cidade. “Eu agradeço aos meus pais, todos os dias, por terem vindo para Sinop. Essa cidade me deu uma oportunidade que eu não teria em nenhum outro lugar da terra. Quem vem pra cá é alguém que não está satisfeito, que quer prosperar. Então, a cidade tem o DNA do trabalho, mas também de ver o outro progredindo”, finaliza Zico.