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2002
Dr. Airton Rossini - Cecans

A PERSISTÊNCIA QUE DÁ FRUTOS
A consolidação de Sinop como uma referência em oncologia começa com um obstinado estudante que, após lutar para ser médico, decide desafiar a lógica, migrando para uma cidade do interior, com parcos recursos de saúde, com o sonho de tratar pacientes com câncer
Como foi que uma cidade, no interior de Mato Grosso, se tornou referência no tratamento de pacientes com câncer? Quem olha para Sinop hoje, com mais de 200 mil habitantes, no pedestal de “Capital do Nortão” e na condição de polo de saúde para todo o Norte do estado, pode achar natural que o município também seja o destino para pacientes oncológicos. Mas nada disso ocorreu ao mero acaso. Tudo deriva de uma célula primordial, no ambiente certo e com os estímulos corretos. No caso de Sinop, essa célula tem nome: Airton Rossini.
Hoje oncologista experiente, com mais de 15 mil pacientes atendidos, Airton foi o primeiro médico especializado no tratamento de câncer a se estabelecer em Sinop – numa época em que o município mal atendia pelo SUS, e que o hospital público mais próximo ficava na cidade vizinha, Sorriso. Sua persistência, que também pode ser confundida com teimosia, foi determinante para que Sinop desenvolvesse o serviço de atendimento oncológico que hoje ajuda a salvar tantas vidas.
A resiliência desse ser humano não está restrita a Sinop ou à sua atuação como médico oncologista na cidade. Ela remonta a sua trajetória de vida. Airton nasceu no ano de 1968, em Birigui, no interior de São Paulo, cidade conhecida pela fabricação e venda de calçados. Ele é o filho caçula de uma família de classe média, com mais 4 irmãos, que vivia na zona urbana. Arnaldo, o patriarca, trabalhou por anos como “guarda livros”, algo similar a um contador de uma empresa. Mais tarde se tornou comerciante, em uma pequena loja varejista de linha para calçados que abriu, tocando o negócio ao lado de seu filho mais velho. Quando não estava na escola, Airton ajudava no balcão.
Na infância e adolescência, Airton praticou esportes e acabou se destacando no handebol, jogando inclusive pela Seleção Paulista. Sempre estudou em escola pública. No ano de 1986, quando estava perto de concluir o 3º ano do ensino médio e de completar 18 anos, ainda não sabia qual carreira queria seguir. Ao se alistar para o serviço militar obrigatório, acabou recrutado para servir o Tiro de Guerra.
Em 1987, enquanto cumpria seu ano de recruta, uma faculdade em Birigui abriu o curso de nível técnico em Processamento de Dados. Prestou o vestibular, mas não passou. No ano seguinte, fez um cursinho, e então conseguiu entrar. “Fiz o curso por alguns meses, mas logo percebi que não era para mim. Então decidi largar e tentar outro vestibular”, conta Airton.
Não foi qualquer outro vestibular. Airton mirou logo em medicina. Não havia ninguém em sua família que fosse médico ou mesmo estivesse cursando medicina. A escolha foi estimulada por uma memória de infância combinada com a curiosidade. Quando era apenas uma criança inocente, Airton respondia que seria médico quando alguém lhe fazia a pergunta do que queria ser quando crescer. Descobrir os mistérios do corpo humano e da vida parecia uma tarefa a altura da sua ânsia por aprender.
Mas há uma longa distância entre o querer e o poder. Medicina é um curso disputado e Airton ainda tinha outros dois pré-requisitos para a instituição que pretendia ingressar: precisava ser pública e o mais perto de casa possível, para gastar menos. Em 1989, fez seu primeiro vestibular para medicina e... não passou. Foram outras duas tentativas naquele ano, e também no ano seguinte e no seguinte. Airton já estava há 4 anos fazendo cursinho e viajando para fazer os vestibulares, cada vez mais longe de casa, mas ainda apenas em universidades públicas. “Eu estava para completar 24 anos, o tempo estava passando e as coisas não estavam acontecendo. Pensei em desistir e procurar outra carreira”, comenta Rossini.
Foi então que, em 1992, a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande, fez um vestibular fora da data habitual em razão de uma greve que alterou o calendário da instituição. Normalmente, Airton não prestaria esse concurso porque coincidia com as provas da faculdade de Londrina (PR). Ele foi até a capital, fez a prova e passou. “Depois de tanto tentar, de tantas provas e cursinho, acabei nem comemorando. Foi como se eu apenas tivesse feito minha obrigação”, rememora o médico.
Airton se mudou para Campo Grande, foi morar em uma república de estudantes para cursar Medicina. O dinheiro que bancava a moradia coletiva, alimentação e outras despesas vinha da família. No segundo ano de estudo, seu pai passou por dificuldades financeiras e a ajuda minguou. “No mesmo dia em que meu pai me deu a notícia de que não conseguiria mais me ajudar, voltando pra casa vi um cartaz anunciando uma vaga para bolsista pesquisador, através do CNPQ [instituição do Governo Federal que fomenta pesquisa e tecnologia]. Me inscrevi e consegui a bolsa”, revela Airton.
A bolsa era para pesquisa no campo da Saúde Coletiva, desenvolvendo ações relacionadas a dengue, risco de automedicação e outros. O valor mensal era de R$ 250,00, o que na época correspondia a quase 4 salários mínimos – o suficiente para manter uma boa condição para o estudante.
No sexto ano da faculdade, a bolsa encerrou e Airton precisou encontrar outra fonte de renda que pudesse lhe bancar e que não atrapalhasse na sua formação. Eis então que surge a mais destoante anotação na carteira de trabalho do futuro médico: Instrutor de Biribol.
“Biribol” nada mais é que o vôlei de piscina. Por mais exótico que possa ser pensar no primeiro oncologista de Sinop como um treinador de piscina, Airton não estava tão longe assim da sua praia nesse emprego. Dois dos seus irmãos se tornaram professores de educação física. Mas não apenas isso. O Biribol surgiu na década de 60 na cidade de Birigui, terra natal do médico, que era um praticante assíduo da modalidade. Foi aí que o diretor do Clube Lusitano de Campo Grande ficou sabendo que Airton procurava um trabalho e ofereceu o posto de instrutor técnico.
Durante o último ano de medicina, o jovem estudante se bancou com o Biribol. Foi também nessa época, em 1996, que ele se reencontrou com Patrícia Vasconcelos. Os dois já se conheciam desde a juventude e namoraram alguns vezes, com direito a idas e vindas. Eles fizeram o mesmo cursinho juntos e em 1990 ela passou no curso de Fonoaudiologia na faculdade de Campinas, abrindo um hiato no relacionamento. Em 1992, Airton se mudou para Campo Grande, ampliando a distância.
Mas nas férias de 1996, quando Airton voltou para Birigui, os dois se encontraram e decidiram namorar, ainda que à distância. Patrícia já trabalhava em uma clínica em Araçatuba (SP), como fonoaudióloga. Sempre que possível, um viajava ao encontro do outro.
Depois do Biribol, com o curso praticamente concluído, Airton saiu das piscinas para mergulhar no Hospital. Ele começou a fazer residência médica no Hospital Universitário de Campo Grande. “Residência” no sentido mais amplo da palavra. Ele deixou a república de estudantes e passou a morar dentro do Hospital, nos alojamentos da unidade. “Nesse período, a minha vida foi toda dentro do Hospital. Às vezes, depois do meu turno, eu não tinha nada para fazer e ia para o Pronto Socorro da unidade acompanhar os plantões, observando os pacientes e os outros profissionais. Sem saber, eu já estava me preparando para o que encontraria em Sinop”, revela Airton.
Nesse mergulho, o jovem médico começou uma jornada dupla, conciliando a residência no Hospital Universitário de Campo Grande, com alguns plantões em outras cidades. Seus primeiros dois anos de residência foram como Cirurgião Geral. Mas Airton buscava uma especialidade menos genérica. Chegou a cogitar fazer residência em Cirurgia Plástica, pelo nível de precisão que a especialidade exige. Mas algo mudou em sua cabeça ao se deparar com quadros graves de pacientes que dependiam de uma cirurgia para continuar lutando pela vida e não apenas para resolver questões estéticas. Naquele contexto, essa parecia ser apenas uma escolha pessoal, de um profissional decidindo qual linha de trabalho seguir. Mas foi nesse momento que Sinop começou a ganhar seu primeiro médico oncologista.
Airton fez um concurso no Hospital Universitário de Campo Grande. A vaga era para residência médica em oncologia geral, e passou. Foi o único médico estudante dessa especialidade naquele momento na unidade, o que exigiu esforço, mas conferiu uma boa experiência para o profissional. “Tive muitos mestres nesse período de residência, mas dois deles marcariam minha vida para sempre: o Dr. Guido Marks e a Dr.ª Heda Medeiros”, revela.
Com o Dr. Guido, Airton aprendeu não apenas a parte médica, mas também a gerencial. O professor o provocou a entender a dinâmica administrativa de um hospital, desde a operação até a formação de equipes. Airton estava quase concluindo sua residência e já havia sido sondado pelo Dr. Adalberto, médico oncologista que era a principal referência no tratamento do câncer em Campo Grande. Foi quando durante uma cirurgia, Dr. Guido “implantou” uma ideia na cabeça de Airton. “Ele me disse que eu precisava conhecer uma cidade no Norte de Mato Grosso, que estava crescendo demais, que era um campo de oportunidades. Depois de falar tão bem da cidade, disse que ia escrever uma carta para o prefeito, dizendo para me receber”, conta Airton.
A família do Dr. Guido já morava naquela época (e ainda mora) em Terra Nova do Norte, mas a cidade em questão era Sinop. O “tal prefeito” era Nilson Leitão, um jovem político que acabara de tomar posse no cargo já inaugurando o Pronto Atendimento (o extinto P.A.), estrutura deixada pelo seu padrinho político, o governador Dante Martins de Oliveira, e que mudaria o cenário da saúde pública em Sinop.
Mas para Airton, ainda soava como uma aventura. Seu casamento com Patrícia estava marcado para dezembro de 2001. Ela já estava muito bem estabelecida em Araçatuba, atendendo seus pacientes. Mas o jovem médico não conseguiu ignorar a intervenção feita em sua mente.
Em junho de 2001, Airton e Patrícia vão até Cuiabá e da capital pegam uma van para Sinop. Quando enfim chegam à cidade prometida, se deparam com um céu encoberto por poeira, fumaça e pó de serra, cenário formado pelas diversas madeireiras instaladas nas laterais da BR-163 e intensificado pela recém iniciada estação da seca. “Eu pensei: ‘o que foi que eu vim fazer aqui?’”, comenta Airton, hoje em tom mais divertido.
Eles se hospedaram no hoje extinto Hotel Acácias e de lá o médico foi visitar as unidades de saúde do município. Airton havia preparado um currículo propositalmente vago, que excluía sua experiência como Oncologista. Segundo ele, a especialidade sempre despertou interesse de vários grupos em quem vê apenas o lado financeiro da saúde, e sua intensão, no momento, era evitar tal diagnóstico.
Na cidade ele visitou o Hospital Dois Pinheiros, o Hospital Filantrópico Santo Antônio e a Secretaria de Saúde. “Fui bem recebido por todos. Achei que encontraria portas fechadas, mas o que vi foram pessoas me incentivando a ficar em Sinop. Isso mexeu comigo”, enfatiza o médico.
Mas foi na Secretaria de Saúde que Airton teve a recepção mais peculiar. Sinop estava começando a realizar atendimentos SUS com a abertura do Pronto Atendimento. Antes disso, a medicina feita na cidade era a “ambulância-terapia”, que consistia em pegar os pacientes, colocar em uma ambulância e levar até o Hospital Regional de Sorriso, unidade SUS referência mais próxima da cidade. Nessa época, todo médico interessado em atender pelo SUS era bem-vindo, mas isso não significava que o secretário municipal de Saúde à época, Helder Umburanas, estava lá para recebê-lo. Ao invés disso, o médico foi recepcionado pela enfermeira Wildici, na época diretora de saúde. Ao ver o sobrenome de Airton e sua origem, indagou se ele conhecia Amauri Rossini. “Ela conhecia meu irmão, desde Birigui. Foi uma surpresa. A conversa fluiu e ela nos convidou para jantar na Torre de Pisa, que era o lugar que tinha para ir na época”, conta.
Foi na pizzaria que Airton decidiu revelar o restante do seu currículo. Apostando da intimidade recém estabelecida, o médico disse que sua especialidade era oncologia, e que pretendia praticar o serviço em Sinop. O assunto foi bem recebido, e ficou combinado que Airton mandaria um e-mail com seu currículo, agora completo, bem como suas pretensões em fazer tratamento de câncer na cidade que acabava de engatinhar no SUS. “Voltamos para casa, mandei o e-mail e ficou por isso. Eu e Patrícia nos casamos em dezembro, mas ainda não tínhamos uma casa. Eu ainda estava em um quartinho do alojamento em Campo Grande e ela em Araçatuba. Fizemos uma viagem curta de lua de mel, e quando voltamos ainda estávamos decidindo o que fazer”, conta Airton.
Mas em janeiro de 2002, o oncologista recém-casado recebe uma ligação. Era Helder Umburanas, o secretário de Saúde de Sinop. Em uma manobra talentosa do ponto de vista de um gestor público, Helder disse que não entendia nada de oncologia, que queria desenvolver essa especialidade na cidade, mas que no momento precisava de um plantonista para o Pronto Atendimento. Nessa “trovada”, Helder conseguiu um médico com experiência em Cirurgia Geral para o Pronto Atendimento e de quebra instalou o primeiro oncologista na cidade de Sinop – ainda que não fosse atuar, era um médico acostumado a lidar com câncer.
A proposta de um plantão de 30 horas, com um salário maior do que o de Campo Grande e uma promessa de desenvolver a Oncologia em Sinop convenceram Airton. Tanto que o médico persuadiu sua esposa a largar tudo em Araçatuba e vir junto – mesmo ela já tendo conhecido a cidade antes.
Em janeiro de 2002, Airton joga suas roupas e uma TV de tubo 20 polegadas no porta-malas de um Corsa 94, entrega seu quartinho no Hospital Universitário de Campo Grande e vem com a esposa para Sinop. “A Patrícia chorou a viagem inteira. Era bem mais difícil para ela abrir mão de tudo para começar do zero em uma cidade nova, longe de tudo”, pondera Airton.
Quando chegaram na cidade, se instalaram em um hotel e foram procurar Helder. O secretário levou o médico para conhecer a cidade, passando pelos bairros, mostrando o que estava acontecendo, no melhor espírito sinopense. Mas quando os dois chegaram ao Pronto Atendimento, o diretor da unidade, Dr. Valdeci, disse que as escalas para o mês de janeiro já estavam fechadas. Ou seja, não tinha vaga para Airton. “Naquele momento achei que tinha caído na conversa”, lembra.
Pensando ter sido ludibriado, o médico foi procurar uma pessoa conhecida. Wildici, a enfermeira da Secretaria de Saúde e amiga do seu irmão, tranquilizou Airton e o convenceu a ficar até o próximo mês. Para fugir da diária de hotel, Airton falou com Patrícia para que alugassem um lugar. Um apartamento na Avenida das Figueiras surgiu como melhor opção... já que parecia ser a menos afetada pela poeira. “A gente foi na imobiliária e pediram fiador. Eu não tinha fiador. Perguntaram o que eu vim fazer na cidade, eu disse que era médico. O pessoal da imobiliária disse então: ‘está tranquilo, o Helder é seu fiador’. Eu pensei na hora que se ele não me pagasse, como médico, ele também iria se lascar, já que seria meu fiador. Aceitei, mas não achei que de fato o secretário de Saúde seria meu fiador. Quando saiu o contrato de locação, com o Helder de fiador, percebi que era uma cidade diferente”, conta Airton.
Em seguida, Airton ainda teve um breve retorno a Birigui, sua cidade natal, antes de retornar a Sinop. E a segunda prova de que a cidade era diferente veio na semana seguinte. No dia 31 de janeiro de 2002, uma comitiva federal veio lançar a pedra fundamental do Hospital de Sinop – obra que seria construída no mesmo terreno do Pronto Atendimento, como uma extensão da unidade e que hoje é o Hospital Regional de Sinop. Nessa comitiva estavam grandes lideranças políticas, incluindo o Ministro da Saúde e candidato a presidente, José Serra. As autoridades ficariam hospedadas no Hotel Ucayalli, e Airton decidiu que estaria lá também. “Um médico, amigo da nossa família em Birigui, quando soube que eu viria para Sinop, me disse para procurar Ricarte de Freitas, que era deputado federal na época. Esse amigo médico havia falado de mim para o Ricarte. Fiquei no Hotel, tomei café junto com as autoridades e apresentei para o deputado o projeto para implantar o serviço de oncologia em Sinop”, conta Airton.
Mas o tal projeto nunca prosperou. Helder cumpriu com sua promessa e o médico começou a fazer plantões no Pronto Atendimento. Era um emprego, pagava as contas, mas estava longe de ser o que Airton esperava para sua carreira. “Foram 6 meses sem entrar em um Hospital, apenas dando plantão no Pronto Atendimento. Isso estava me deixando louco. Além disso, a Patrícia não estava trabalhando e ficava cada dia mais triste. Nessa época, quase desisti e fui embora de Sinop”, revela.
A norma para credenciamento do serviço de oncologia exigia que fosse em hospital público ou filantrópico. Airton tentou apelar para o Santo. Mas quando foi até o Hospital Filantrópico Santo Antônio para conversar, no ano de 2002, o que encontrou foi uma unidade precária, com parte do seu prédio feito de madeira, dilapidada por problemas financeiros e sem um único leito de UTI. Não havia condições.
Mas surgiram alguns remédios para atenuar a dor. A Secretaria de Saúde conseguiu encaixar alguns exames fonoaudiólogos para Patrícia realizar. Nesse mesmo tempo, o casal conheceu o Dr. Luciano Aquino e juntos fundaram a Cimed – Clínica de Especialidades Médicas – que funcionava em uma casa alugada. Patrícia e Airton tinham seus consultórios na Cimed. Foi nesse endereço que começou o Cecans (Centro do Câncer de Sinop), na época um despretensioso CNPJ usado por Airton para clinicar na Cimed.
Longe de um hospital e cada vez mais longe da oncologia, o médico começou a atender em Unidades Básicas de Saúde, no P.A. e em clínicas de saúde ocupacional. Nesse período, sua esposa prestou concurso da Prefeitura, em 2002, e passou, sendo chamada dois anos depois. Até hoje, ela atua como fonoaudióloga no principal centro de reabilitação SUS da cidade. “As coisas estavam melhorando para nós, mas o projeto de tratar câncer em Sinop não fluía”, contrapõe Airton.
Toda vez que defendia a implantação do serviço de oncologia em Sinop, Airton era revidado. Diziam que não tinha casos de câncer na cidade em um volume que justificasse o investimento. Falavam que se tratava de um serviço de grandes centros e que Sinop tinha outras preocupações. Havia inclusive a alegação de que tal estrutura seria subutilizada. “O tratamento de câncer mais próximo de Sinop ficava a 500 km, em Cuiabá. Não tinha pacientes com câncer em Sinop por um único motivo: quem tinha a doença se mudou da cidade para conseguir tratar. Não só de Sinop, mas de todo o Norte de Mato Grosso”, rebate Airton, lembrando do sofrimento que acompanha a doença.
Foi então que o destino e o ímpeto sinopense começaram a dar as mãos. Nilson Leitão, o prefeito da cidade na época, perdeu seu pai acometido por um câncer. Antes de emergir como liderança política, Leitão integrou o Lions Clube, assim como boa parte do grupo que o apoiava. Em 2003, Helder conclama o então diretor do Lions, Alfredo Garcia, a fim de iniciar uma mobilização para construção de uma ala para o tratamento do câncer no Hospital Santo Antônio.
Um “leão” no trabalho comunitário, Alfredo encampa a causa e começa a arrecadar fundos com a entidade. Dois anos depois, em 30 de abril de 2005, é inaugurada a Ala de Oncologia do Hospital Santo Antônio. Com R$ 350 mil arrecadados, a entidade construiu um prédio de 670 metros quadrados, com ambulatórios, 4 enfermarias, 2 salas de isolamento e espaços para as formulações químicas.
No ano em que Sinop deu à luz ao atendimento oncológico, nasceu também o primeiro filho do oncologista e de Patrícia, Bruno Rossini. Mais arrecadações do Lions e repasses públicos equiparam a ala, que buscou um convênio com o Governo do Estado para iniciar os atendimentos – o que só ocorreu em 2006.
Conduzida pelo Cecans desde o princípio, a Ala de Oncologia começou oferecendo quimioterapia, diagnóstico e cirurgias. Somando a Airton, os doutores Alex Curi, Pedro Paduan, Kleber Tobias e Miguel Lerner contribuíram neste atendimento. No seu primeiro ano, a ala atendia 15 pacientes e realizava não mais que 10 cirurgias por mês. Hoje, são mais de 500 pacientes em tratamento quimioterápico atendidos pela unidade, 100% SUS.
Mas, para que o serviço oncológico se tornasse viável em Sinop, era preciso credenciar a unidade junto ao Ministério da Saúde, o que garantiria os repasses do SUS para cada procedimento realizado. Apesar de a cidade possuir uma equipe especialista em diferentes áreas, o credenciamento não andava. “Aquilo que eu havia estudado e me preparado para ser não estava acontecendo em Sinop. Em 2008, conversei com o Nilson [Leitão] e disse que iria embora. O prefeito, através de uma articulação, me convenceu a permanecer na cidade e trabalhar na Ala de Oncologia. Mas não era o suficiente”, lembra Airton.
Meses depois, ele e a esposa foram participar de um congresso de medicina no Rio de Janeiro. No evento acabaram encontrando a Dr.ª Heda. Em uma conversa fora do seminário, a antiga professora aconselhou Airton a insistir um pouco mais e que, caso não desse certo, ele teria espaço para atuar em Campo Grande. “Minha resiliência foi testada naquela época. Hoje eu entendo que foi no tempo de Deus. Não tenho dúvidas disso! Eu precisei saber esperar e entender que tudo tem seu tempo”, avalia o médico.
E o tempo trouxe o segundo oncologista para cidade. Dr. Érico Folchini da Silveira se estabeleceu em Sinop no ano de 2009, ingressando na sociedade com Airton no Cecans. Com dois oncologistas, o Cecans teve a liberdade para estruturar novos projetos.
Em 2011, o sonho de transformar Sinop em uma referência no tratamento de câncer se materializa. Seis anos após pleitear o credenciamento junto ao Ministério da Saúde e de uma empreita para conseguir regularizar o alvará de funcionamento do Hospital Santo Antônio junto à Vigilância Sanitária, a unidade foi enfim habilitada como UNACON (Unidades de Alta Complexidade em Oncologia). Era o reconhecimento do SUS de que Sinop precisava e tinha condições de tratar pacientes com câncer.
Novamente, Airton foi duplamente premiado. Se em 2005, ano da inauguração da Ala de Oncologia, nasceu Bruno, seu primeiro filho, em 2011, no ano do credenciamento, nasceu seu segundo herdeiro, Lucca Rossini.
Consolidação do polo de oncologia
Se no passado “não tinha câncer”, com o credenciamento do SUS, Sinop passaria a ter. Além dos pacientes locais, que permaneceriam para se tratar, pacientes das cidades mais próximas também procurariam no município o atendimento – ou acabariam sendo encaminhados pelo SUS.
Vislumbrando o aumento de pessoas atendidas, Airton conversa com sua esposa e propõe a criação de uma Rede Feminina de amparo aos pacientes, similar ao que tinha visto em Campo Grande, quando era um médico residente. Em outubro de 2012, durante uma rodada de palestras relativas ao Outubro Rosa, Patrícia expõe a proposta e passa uma lista, com o objetivo de recolher nomes de pessoas interessadas em ajudar com a causa. Semanas depois, em uma reunião realizada na Ala de Oncologia com as pessoas que assinaram a lista, é fundada a REFECCS (Rede Feminina de Combate ao Câncer de Sinop), a principal entidade de suporte a pacientes oncológicos da cidade. “Hoje, a Refeccs é reconhecida como entidade de utilidade pública municipal e estadual, tendo feito uma diferença brutal no combate à doença, amparando pessoas e ajudando para que elas continuem com seu tratamento. Há pacientes que sem a Rede não conseguiriam chegar ao hospital”, explica Airton. Além de presidente fundadora, Patrícia continua até hoje envolvida com a Refeccs.
Sinop começava a se estabelecer como polo no tratamento de Câncer e o Cecans se preparava para tal. Ainda em 2012, a empresa comprou um terreno para construir sua clínica própria para ampliar o atendimento e ter um endereço fora do hospital. A construção iniciou em 2017 e a inauguração foi no ano de 2019, às vésperas da pandemia. Na moderna estrutura, com 950 metros quadrados de área construída, o Centro oferece tratamento com conforto e maestria. Atualmente, a clínica conta com 7 médicos especialistas, além de uma equipe multidisciplinar formada por enfermeiras, nutricionistas, psicólogos e farmacêuticos. Em Mato Grosso, existem 3 clínicas de oncologia com certificado de acreditação emitido pela ONA (Organização Nacional de Acreditação). O Cecans é um desses estabelecimentos. O Centro tem nível 3 de acreditação em uma escala que vai até 3 – ou seja, nível máximo. Em 2023, a unidade conduziu o tratamento de 150 pessoas com câncer.
O Cecans continuou conduzindo a ala de oncologia no Santo Antônio, atendendo também a pacientes SUS. Depois de 22 anos, insistindo na implantação da oncologia em Sinop, Airton pode enfim ver a árvore da semente que plantou. “Hoje as pessoas que vão aos grandes centros, como o Hospital Sírio-Libanês, ao Hospital Albert Einstein ou ao Hospital de Amor de Barretos, voltam para tratar em Sinop porque percebem que aqui terão as mesmas condições de tratamento, os mesmos procedimentos, mas que estarão perto de casa, da sua família. Essa sempre foi a meta”, explica Airton.
O oncologista ainda deseja que a parte final do seu sonho se materialize. Ele guarda na gaveta o projeto para a construção de um Hospital do Câncer do Norte de Mato Grosso, 100% SUS, que por vezes já tentou ser emplacado. Seria uma unidade hospitalar singular, nascida na cidade, bem aparelhada, moderna, capaz de oferecer um atendimento referência para todo o país. “Confesso que nunca parei de trabalhar para isso”, expõe o médico.
O sonho do Hospital do Câncer do Norte de Mato Grosso ainda está no imaginário. Mas o tratamento oncológico avança. Em 2024, com recursos do SUS, uma estrutura para tratamento de radioterapia e braquiterapia estava sendo construída em anexo ao Hospital Santo Antônio. Quando o investimento estiver concluído, Sinop ofertará esses dois novos tratamentos para o câncer, fazendo com que menos pessoas doentes precisem viajar para se curar. “Quando cheguei em Sinop, a cidade tinha 50 mil habitantes. Hoje são mais de 200 mil, e tenho certeza que nun futuro próximo serão mais de 500 mil. Chegar em uma cidade e ver tudo o que aconteceu, na velocidade que aconteceu, deixa claro a grandeza e o potencial daqui. Não é por acaso. Quem vem para Sinop, vem para prosperar. Todo mundo que vem para cá tem esse objetivo na cabeça. Ninguém vem para encher o bolso de dinheiro e ir embora. É como se a cidade não aceitasse quem vem apenas para explorar e com certeza recompensa quem vem para construir”, avalia Airton.
Como é ser um oncologista
No ano 2000, os cientistas dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha anunciavam o primeiro rascunho completo do genoma humano. Enquanto isso, na Capital do Mato Grosso do Sul, um jovem médico era defrontado com alguns dos piores efeitos que as falhas no DNA podem causar.
Era agosto daquele ano. Durante sua residência médica, Airton viu de perto situações de pacientes em estágio terminal de câncer, e que na sua totalidade não resistiram. Ver a morte cotidiana atribulou a mente do médico. “Estou fazendo medicina para assinar atestados de óbito? Que sentido isso faz?”, se indagou.
Ele se afastou do posto e procurou paz nos braços de sua companheira. A reflexão não lhe conferiu a capacidade de ignorar a morte de um paciente, mas o premiou com uma visão mais humilde sobre a vida. “O médico não é um salvador. É só um cara normal, que também precisa lidar com as perdas”, reflete Airton.
E para quem escolhe ser um médico oncologista, perdas são uma constante. Em certo plantão entra um paciente, de 29 anos, com um quadro de câncer avançado. “Ele pegou na minha mão e disse: ‘doutor, não me deixe morrer! Eu tenho uma filha de 4 anos’”, conta Airton. Os anos de medicina e de residência não foram suficientes para que o pai estivesse no aniversário de 5 anos da filha.
Próximo paciente! Uma mulher está grávida, esperando seu primeiro filho e descobre que tem câncer de mama em estágio avançado. Na cabeça, ao ler os exames, uma equação começa a ser resolvida: dá tempo de tratar após o parto? O tratamento afeta a criança? Como será a experiência maternal de uma mãe sem o seio? Duas vidas dependendo de uma! “Um paciente oncológico fica com você vários anos. Você começa a conhecer a vida e a história dessa pessoa”, conta Airton.
A pandemia veio e aplicou uma nova lição aos médicos e não médicos, mudando a percepção de morte. Airton conta que pacientes com câncer que ele estava tratando viram seus filhos morrer por Covid-19, invertendo a lógica dos vulneráveis.
Como um ser humano consegue se manter vagando nesse vale de mortes? A resposta está na vida. Ao longo de sua carreira, Airton estima já ter atendido cerca de 15 mil pacientes. São quase duas pessoas por dia como oncologista. Toda vez que uma pessoa recebe o diagnóstico de câncer, o chão se abre abaixo dos seus pés. Tão intensa quanto a sentença de morte é a notícia da remissão, quando o médico vem e anuncia: você está curado. “Essa semana, no SUS, dei alta para 4 pacientes. Não importa quanto tempo passe, quantos pacientes já atendi, sempre é uma sensação pessoal de vitória”, declarou Airton no dia da entrevista.
“Persistência”, no dicionário, é a qualidade de continuar a ser, independente das ameaças e adversidades, seguir acreditando.
2002
Segunda visita oficial do presidente FHC

FHC E MINISTROS
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Sinop recebe pela segunda vez a visita do presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (que governo o país entre 1995-98 e 1999-2002), que lançou em Sinop, para todo o país, o projeto educacional “Telecomunidade”
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Junto com FHC vieram os ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, e da Educação, Paulo Renato de Souza
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Também participaram do lançamento do "Telecomunidade" o governador Dante Martins de Oliveira, o prefeito Nilson Leitão e o deputado federal Ricarte de Freitas
JOGOS E CULTURA
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Em 2002, foram realizados em Sinop, os Jogos Estudantis de Mato Grosso. A solenidade de abertura dos jogos foi realizada no Estádio Municipal Massami Uriu
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Neste ano foi realizada a 15ª Noite Cultural de Sinop, nas dependências do SESI Clube
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Em 2002, foi instalado o Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM), órgão do Ministério da Aeronáutica criado para proteger o espaço aéreo da Amazônia Legal Brasileira. O SIVAM foi instalado numa área localizada ao lado do Aeroporto João Batista Figueiredo.
INÍCIO DA FASIPE
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Neste ano, É instalada a Faculdade de Sinop (FASIP), que seria Faculdade Fasipe e atualmente é o Centro Universitário Fasipe - UNIFASIPE -, liderada pelo sócio-proprietário e diretor Prof. Deivison Benedito Campos Brito
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Atualmente, a instituição possui duas unidades em Sinop: no Residencial Florença e no bairro Aquarela das Artes, que oferecem um grande número de cursos de graduação e de pós graduação (clique na aba para conhecer a história completa da instituição de ensino superior)